Muammar Gaddafi voltou a ser inimigo do Ocidente

Muammar al-Gaddafi

Eduardo Febbro – De Paris

Muammar Kadafi foi retirado definitivamente do altar ao qual havia sido conduzido pela gula ocidental, pelos petronegócios e pela desfaçatez do sistema financeiro internacional. O tirano, que durante quase duas décadas foi considerado o “inimigo número um” do Ocidente para logo converter-se no vistoso aliado de seus inimigos de agora, voltou ao seu estatuto originário. A resolução adotada pelo Conselho de Segurança da ONU não deixa nenhum espaço para a ambiguidade: o dispositivo militar já está preparado e só faltava a famosa “base jurídica” reclamada pela OTAN. Paris e Londres levaram até um final tardio sua ideia de instaurar uma zona de exclusão aérea para neutralizar a força aérea de Kadafi.

As provocações mútuas tornaram inevitável a participação árabe-ocidental em uma nova cruzada militar contra um país árabe. A Líbia se soma assim ao Iraque e ao Afeganistão à lista de países que passarão uma temporada sob as bombas de uma coalizão onde o poderio militar do Ocidente marcará as orientações. Era necessário o voto a favor de 9 dos 15 membros do Conselho de Segurança e também que nenhum dos integrantes permanentes do Conselho vetasse a resolução. China e Rússia se abstiveram e com isso abriram passagem ao operativo militar.

A comunidade internacional, fragmentada, salvará no fio da navalha a já asfixiada oposição líbia. Cercada em seu feudo de Benghazi pelas forças leais ao regime, a participação direta do Ocidente era a única cartada que podia salvar a oposição do despenhadeiro. “Preparem-se, esta noite chegamos”, disse Kadafi aos habitantes de Benghazi. Talvez, as primeiras a chegar sejam as bombas ocidentais apoiadas por alguns países árabes como Emirados Árabes Unidos, Qatar e Egito. Washington conseguiu seu propósito de transferir a responsabilidade da ação principal aos países vizinhos, ou seja, os europeus com costas mediterrâneas e os árabes. França e Inglaterra, promotores da resolução, assumirão a maior parte da responsabilidade do Ocidente, apesar de os Estados Unidos serem a força dominante na OTAN.

Não é certo que a guerra total seja a aposta definitiva. O Guia Supremo da desgastada revolução libia soube dar marcha ré diante do abismo. A partir de 2003, Kadafi demonstrou seu sentido de realismo quando, impressionado pela invasão do Iraque e a captura de Saddam Hussein, retrocedeu em seu principal projeto, a acumulação de armas de destruição massiva, e reconheceu a responsabilidade em dois atentados: contra o avião da PanAm que explodiu sobre a localidade de Lockerbie (1988, 270 mortos) e contra o avião francês da companhia UTA (1989, 170 mortos). Esse foi o início do idílio público entre o coronel e seus juízes de anos anteriores. Investimentos e visitas de Kadafi às grandes capitais do mundo e viagens dos democratas a Trípoli consagraram o retorno do coronel ao “eixo do bem”. Ou seja, os negócios ficaram seguros ainda que as mãos que firmavam os contratos estivessem manchadas de sangue.

Pode ser que faça o mesmo agora. A resolução da ONU é ampla e explícita. A OTAN e a Liga Árabe apoiaram a instauração de uma zona de exclusão e isso os converte em aliados diretos da intervenção. Pressionado internamente pelos rebeldes, monitorado pelo céu e cercado pelo mar, Kadafi tem as horas contadas. Kadafi ofereceu a repressão selvagem a seu povo e uma fonte de água benta para que o Ocidente lave a sua má consciência.

Não cabe a mais remota dúvida de que as armas já estão preparadas. Na noite de quinta, tanto o primeiro ministro francês, François Fillon, como o chefe da diplomacia, Alain Juppé, adiantaram que a força seria empregada quando a resolução fosse aprovada. Alain Juppé precisou inclusive o modo da operação: “Está excluído que se faça algo em terra. Está claro. A alternativa é a utilização da força aérea”. Talvez Kadafi tenha calculado mal a convicção de seus sócios do Oeste. Pensou que suas divisões profundas e suas debilidades morais e energéticas permitissem que ele sufocasse a revolta com um custo mínimo. O Ocidente também se equivocou com ele e com as reais capacidades da oposição. As demoras e o duplo erro resultaram em centenas e centenas de mortos, destruição e êxodo de centenas de milhares de pessoas para as fronteiras.

O movimento democrático líbio terminou condicionado à pior opção para triunfar: derrubar Kadafi com o respaldo de forças estrangeiras. Os movimentos de uns e outros condenaram a contrarrevolução líbia a uma assistência estrangeira. Kadafi não deixaria o poder sem matar e sem zombar da OTAN e da ONU. O Ocidente, por sua vez, não podia deixá-lo ganhar sem cair no ridículo. Kadafi foi um sócio perfeito, na paz e na guerra. Sua previsível derrota se forjou segundo suas condições. Matou seu povo sem concessões e provocou o Ocidente para que viessem buscá-lo. A história volta a se repetir com uma pontualidade sangrenta, como no Panamá, Iraque e Afeganistão: outra vez é preciso armar uma coalizão e lançar bombas para extirpar um mal que foi se arraigando com a cumplicidade e até a ajuda direta daqueles que hoje se mobilizam para derrotá-lo. Noriega foi um aliado das superpotências, do mesmo modo que Saddam Hussein no Iraque e os talibãs no Afeganistão. Tirá-los do poder custou milhares de vidas humanas inocentes. Kadafi e seus sócios tardios fizeram cair sobre o povo líbio o mesmo e repetitivo destino.

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte:  Carta Maior

12 Comentários

  1. kkkkkkkkkkk
    se liga dandolo, e o bahrain que ninguém fala nada?
    Petróleo é o ópido dos europeus/estadunidenses. Eles roubam, matam, corrompem para manter a energia que os faz ter poder.

  2. E agora o que será do Iehmen?
    As coisas lá vai ficar feias como na líbia, mas lá a Arabia Saudita interviu enviando tropas para defender o ditador.
    Será ocidente VERSUS oriente médio? Será EUA VERSUS Arábia Saudita no Iehmen?

  3. A semente da liberdade popular foi lançada, e a democracia irá frutificar em vários países do OM, e além – Cuba, Coreia do Norte,Irã ,etc. Efeito Dominó.
    Gisele,o Iehmen vai entra na tsunami também.

  4. Kadafi não vai sair , todos sabem que ele já derubou um jumbo ,vai dar muito trabalho aos USA, FRANÇA,INGLATERRA, pois pode repetir novos atentados, vão ter que invadir a Libia, para deruba-lo , se ele não cair , vai dar o troco com atentados contra o ocidente…..

  5. O grande show desta história é o picadeiro de mentiras e hipocrisia que se chama Organização das Nações Unidas.

    Quando o que deveria ser a moral, torna-se hipocrisia, os homens recorrem a força.

    Mais esta agressão fortalecerá a concepção de que apenas nações armadas com artefatos atômicos não são atacadas.

    As mentiras do Ocidente acabam por se constituir em combustível do ódio dos islâmicos contra nosso mundo. A vingança virá. Não tarda o dia que Londres, Paris ou Nova York serão alvo de bombas sujas.

    O Ocidente está merecendo ser atacado para parar de oprimir outros povos.

  6. felipe,
    Petroleo e o opido do Brasil tambem, ou existe algun plano diabolico que ninguen sabe que trata do desenvolvimento do Brasil sem petroleo. No nosso caso estamos comecando a nossa jornada imperialista apenas nos ultimos anos; Bolivia, Paraguay que o diga.
    Quando nosso consumo diario de petroleo chegar a 19 milhoes de barris diarios, como os EUA, sera interessante ver como os bonzinhos brasileiros manterao sus fontes abertas, se nao tiramos de lado alguns inconvenientes.O mundo e dos fortes;;fortemente armados e eles tocam a musica para o resto dancar. Pura realidade.
    Bahrain cuida a Arabia Saudita. Iemen vem depois.O maior perigo ao ocidente e Iemen. La Al qaida e mais forte e todos sabemos que o Iemen esta recheado pela CIA.

  7. Quanta hipocrisia, existe maior assassino do que o estado russo? vejam o que a russia faz no calcasu na chechenia, e quando foi que a frança peitou a russia e exijiu que parace? nunca e ném vai faze-lo.
    Kadafi foi burro, em destruir seu arsenal biologico, seus misseis de longo alcance acreditando na aliança com o ocidente, isso agora iria ajudar muito em sua batalha.
    Kadafi sempre foi ditador e porque então o cidente fez acordo ao invés de derruba-lo? interesses, os eua não tem interesse em democracia, não vai existir democracia no oriente e norte da africa, tudo continua igual cai um governo ditador (alido do ocidente) e entra outro mas inimigo, quem achar que isso vai mudar alguma coisa no oriente está muito enganado.
    O que vai mudar é a vida do povo desses países que estão sendo manipulados num jogo internacional que não levará a nada a não ser a piores crises e maiores guerras.
    Essas ditaduras que hoje o ocidente diz que devem cair, foram eles mesmos que apoiaram e colocaram onde estão, os eua e europa ficanciaram e ajudaram essas ditaduras hipocritamente agora se dizem contra, e o povo trouxa acredita.
    As ditaduras vão continuar a existir, e da pior forma através de leis, como está sendo construido no brasil, leis que derrubam a liberdade de expressão, de imprensa livre, liberdade de religião e tudo mais, obra do pt.
    Nos eua estão destruindo os direitos do cidadão, criando leis repressoras e ditatoriais, e ainda tem gente que acredita em democracia…
    Essa é a nova forma de ditaduras que está surjindo, a ditadura através de leis, a ditadura legalizada.

  8. Meu querido JRT, só rindo pra nao chorar. kk’
    Você acha que os EUA , França e companhia vao perder a guerra pra Líbia. Se liga jumento, os EUA tem a maior potência mundial, ou seja, querer guerra com os EUA é pedir a destruição do país total.

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