Desconfiança de Putin com Ocidente ajuda a explicar ação russa na Ucrânia

Steve Rosenberg

Da BBC News em Moscou

 

Atualizado em  5 de março, 2014 – 21:04 (Brasília) 00:04 GMT
Manifestantes pró-Rússia na Crimeia (Reuters)Interesses russos na Ucrânia são vistos como legítimos por Putin

A Rússia tem um governo e um Parlamento; tem comissões, comitês e um Conselho Nacional de Segurança. Mas as decisões-chave do país são tomadas por um único homem: o presidente Vladimir Putin.

Ele está no topo da cadeia “vertical de poder” que ele próprio construiu. Hoje é ele quem decide os rumos da Rússia.

Daí vem a dificuldade em analisar o país e entender o que seu governo está planejando – é preciso entrar na cabeça de Putin.

E o que ele pensa no momento sobre a Ucrânia? Qual seu objetivo, e o que motiva suas ações em política internacional?

Uma coisa que enfurece o presidente russo é a sensação de que ele está sendo enganado. Vimos isso com a Líbia, em 2011.

Na ocasião, Moscou foi persuadido a não vetar uma resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre uma zona de bloqueio aéreo no país norte-africano, para proteger civis. Mas as ações militares da Otan (aliança militar ocidental) levaram a uma troca de regime na Líbia e à morte de Muammar Khadafi – muito além do esperado pela Rússia.

Isso ajuda a explicar por que o país rapidamente vetou resoluções relacionadas à Síria.

‘Enganado’

Encontro diplomático termina sem acordo

Um encontro diplomático em Paris, nesta quarta-feira, sobre a crise na Ucrânia terminou sem acordo entre a Rússia e potências ocidentais.

Mas o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, que descreveu a reunião como “dura”, disse que os diálogos continuarão – apesar da recusa do chanceler russo, Sergei Lavrov, em se reunir com o novo chanceler ucraniano, Andriy Deshchytsia.

Moscou se recusa a aceitar a legitimidade do novo governo ucraniano, que é anti-Rússia e que entrou no poder após a remoção do presidente Viktor Yanukovych, aliado russo.

Também estiveram presentes no encontro em Paris os ministros de Relações Exteriores de França, Alemanha e Grã-Bretanha.

As tensões continuam entre tropas pró-Rússia e o Exército ucraniano na região da Crimeia, onde um diplomata da ONU chegou a ser ameaçado por homens armados.

Também na Ucrânia, Putin se sente enganado pelo Ocidente. No mês passado, seu enviado a Kiev participou de negociações de um acordo entre o então presidente ucraniano, Viktor Yanukovych, e a oposição. O acordo, mediado por chanceleres europeus, previa eleições antecipadas, reforma constitucional e um governo de unidade nacional.

O representante do Kremlin não assinou o acordo, mas a Rússia parecia aceitá-lo como a melhor solução em uma situação ruim. Mas, menos de 24 horas depois, Yanukovych fugiu, o Parlamento o removeu do poder e designou um novo presidente interino, oriundo da oposição. Tudo isso pegou Moscou de surpresa.

Putin acredita que o Ocidente fica constantemente planejando desestabilizar a Rússia (e ele próprio), citando a Revolução Rosa, em 2003, na Geórgia, a Revolução Laranja, em Kiev, no ano seguinte – Moscou acredita que potências ocidentais orquestraram os dois eventos.

Mais recentemente, o Kremlin acusou o Ocidente de financiar e fomentar protestos antigoverno em Moscou.

E há meses a Rússia tem acusado EUA e União Europeia de meter-se na Ucrânia em busca de vantagens geopolíticas.

Vladimir PutinPutin se sente enganado pelo Ocidente

Há, ainda, a questão da Otan. Em entrevista de 2010, Putin diz que a aliança prometeu certa vez à antiga União Soviética que não expandiria além de suas fronteiras. “Eles nos enganaram”, afirmou Putin.

Será que a implementação de um governo pró-Ocidente em Kiev significaria que a Ucrânia seria chamada para ser parte da Otan? Moscou veria isso como uma ameaça direta a sua segurança nacional.

Crimeia

No Ocidente, a intervenção russa na Crimeia foi criticada como uma “agressão brutal”. Na mente de Putin, porém, isso é uma hipocrisia, ante as intervenções americanas no Iraque, no Afeganistão e na Líbia.

Putin tem se mostrado determinado a defender o que vê como interesses legítimos da Rússia ao redor do mundo – sejam eles na Síria ou mais perto de casa, na Ucrânia.

E mais, com muito da Europa dependendo do fornecimento de energia russa e se beneficiando do comércio com Moscou, o Kremlin calcula que seus oponentes no Ocidente não terão estômago para divergir seriamente da posição russa.

Putin afirma que não quer uma guerra na Ucrânia e que a intervenção russa é “humanitária”, para proteger cidadãos de origem russa do “caos”.

Mas os interesses nacionais russos ditarão suas prioridades: garantir que o novo governo em Kiev não expulse a Frota do Mar Negro da Crimeia e que os novos líderes ucranianos pensem duas vezes antes de abraçar o Ocidente e rejeitar a Rússia.

Fonte: BBC Brasil

1 Comentário

  1. “No Ocidente, a intervenção russa na Crimeia foi criticada como uma “agressão brutal”. Na mente de Putin, porém, isso é uma hipocrisia, ante as intervenções americanas no Iraque, no Afeganistão e na Líbia”

    Na mente de Putin, na minha e na de meio mudo também, incluindo a jornalista Rachel Maddow que criticou aquela declaração infeliz (mais uma) do John Kerry sobre as ações da Rússia serem coisa do século XIX, mas as ações dos EUA não. Link abaixo.

    http://www.youtube.com/watch?v=gnQ-ZUpX5cw

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