Steve Rosenberg
Da BBC News em Moscou
A Rússia tem um governo e um Parlamento; tem comissões, comitês e um Conselho Nacional de Segurança. Mas as decisões-chave do país são tomadas por um único homem: o presidente Vladimir Putin.
Ele está no topo da cadeia “vertical de poder” que ele próprio construiu. Hoje é ele quem decide os rumos da Rússia.
Daí vem a dificuldade em analisar o país e entender o que seu governo está planejando – é preciso entrar na cabeça de Putin.
E o que ele pensa no momento sobre a Ucrânia? Qual seu objetivo, e o que motiva suas ações em política internacional?
Uma coisa que enfurece o presidente russo é a sensação de que ele está sendo enganado. Vimos isso com a Líbia, em 2011.
Na ocasião, Moscou foi persuadido a não vetar uma resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre uma zona de bloqueio aéreo no país norte-africano, para proteger civis. Mas as ações militares da Otan (aliança militar ocidental) levaram a uma troca de regime na Líbia e à morte de Muammar Khadafi – muito além do esperado pela Rússia.
Isso ajuda a explicar por que o país rapidamente vetou resoluções relacionadas à Síria.
‘Enganado’
Encontro diplomático termina sem acordo
Um encontro diplomático em Paris, nesta quarta-feira, sobre a crise na Ucrânia terminou sem acordo entre a Rússia e potências ocidentais.
Mas o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, que descreveu a reunião como “dura”, disse que os diálogos continuarão – apesar da recusa do chanceler russo, Sergei Lavrov, em se reunir com o novo chanceler ucraniano, Andriy Deshchytsia.
Moscou se recusa a aceitar a legitimidade do novo governo ucraniano, que é anti-Rússia e que entrou no poder após a remoção do presidente Viktor Yanukovych, aliado russo.
Também estiveram presentes no encontro em Paris os ministros de Relações Exteriores de França, Alemanha e Grã-Bretanha.
As tensões continuam entre tropas pró-Rússia e o Exército ucraniano na região da Crimeia, onde um diplomata da ONU chegou a ser ameaçado por homens armados.
Também na Ucrânia, Putin se sente enganado pelo Ocidente. No mês passado, seu enviado a Kiev participou de negociações de um acordo entre o então presidente ucraniano, Viktor Yanukovych, e a oposição. O acordo, mediado por chanceleres europeus, previa eleições antecipadas, reforma constitucional e um governo de unidade nacional.
O representante do Kremlin não assinou o acordo, mas a Rússia parecia aceitá-lo como a melhor solução em uma situação ruim. Mas, menos de 24 horas depois, Yanukovych fugiu, o Parlamento o removeu do poder e designou um novo presidente interino, oriundo da oposição. Tudo isso pegou Moscou de surpresa.
Putin acredita que o Ocidente fica constantemente planejando desestabilizar a Rússia (e ele próprio), citando a Revolução Rosa, em 2003, na Geórgia, a Revolução Laranja, em Kiev, no ano seguinte – Moscou acredita que potências ocidentais orquestraram os dois eventos.
Mais recentemente, o Kremlin acusou o Ocidente de financiar e fomentar protestos antigoverno em Moscou.
E há meses a Rússia tem acusado EUA e União Europeia de meter-se na Ucrânia em busca de vantagens geopolíticas.
Há, ainda, a questão da Otan. Em entrevista de 2010, Putin diz que a aliança prometeu certa vez à antiga União Soviética que não expandiria além de suas fronteiras. “Eles nos enganaram”, afirmou Putin.
Será que a implementação de um governo pró-Ocidente em Kiev significaria que a Ucrânia seria chamada para ser parte da Otan? Moscou veria isso como uma ameaça direta a sua segurança nacional.
Crimeia
No Ocidente, a intervenção russa na Crimeia foi criticada como uma “agressão brutal”. Na mente de Putin, porém, isso é uma hipocrisia, ante as intervenções americanas no Iraque, no Afeganistão e na Líbia.
Putin tem se mostrado determinado a defender o que vê como interesses legítimos da Rússia ao redor do mundo – sejam eles na Síria ou mais perto de casa, na Ucrânia.
E mais, com muito da Europa dependendo do fornecimento de energia russa e se beneficiando do comércio com Moscou, o Kremlin calcula que seus oponentes no Ocidente não terão estômago para divergir seriamente da posição russa.
Putin afirma que não quer uma guerra na Ucrânia e que a intervenção russa é “humanitária”, para proteger cidadãos de origem russa do “caos”.
Mas os interesses nacionais russos ditarão suas prioridades: garantir que o novo governo em Kiev não expulse a Frota do Mar Negro da Crimeia e que os novos líderes ucranianos pensem duas vezes antes de abraçar o Ocidente e rejeitar a Rússia.
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