Alessandra Corrêa
De Nova York para a BBC Brasil
Uma série de declarações que revelam ignorância de futuros embaixadores – indicados pelo presidente Barack Obama – sobre os países onde vão atuar vem causando constrangimento à diplomacia americana.
Os protagonistas desses episódios têm em comum a falta de experiência diplomática e o fato de serem grandes doadores para a campanha de reeleição de Obama, no segundo caso, uma tradição no país.
A American Foreign Service Association (AFSA), entidade que representa mais de 16 mil diplomatas de carreira, realizará na próxima semana uma reunião para decidir se manifesta oficialmente oposição a essas nomeações.
Caso decida agir publicamente, será uma atitude rara, a primeira vez desde o início dos anos 1990.
“Vamos decidir se realmente queremos nos envolver e, caso a resposta seja positiva, de que maneira vamos agir, se com uma declaração sobre indivíduos específicos ou um comentário sobre o sistema como um todo”, disse à BBC Brasil um dos diretores da AFSA, Ásgeir Sigfússon.
Requisitos
A associação também acaba de publicar um manual com pré-requisitos que deveriam ser levados em conta na indicação e confirmação de candidatos a chefe de missão.
São qualificações que poderiam ser consideradas óbvias, como ter conhecimento de relações internacionais e do país em questão – além dos principais interesses dos EUA na região -, mas que faltam a nomeados recentes.
Desde o mês passado, pelo menos três casos ganharam manchetes devido ao desconhecimento demonstrado pelos escolhidos sobre os países nos quais deverão representar os EUA.
Ao ser sabatinada pela Comissão de Relações Exteriores do Senado, a produtora de telenovelas Colleen Bell, indicada para comandar a embaixada americana na Hungria, não conseguiu responder quais os interesses estratégicos dos EUA naquele país.
O futuro embaixador em Buenos Aires, Noah Bryson Mamet, reconheceu que nunca foi à Argentina.
O nomeado para a embaixada em Oslo, George Tsunis, um executivo do setor hoteleiro, demonstrou não saber que o país para onde será enviado é uma monarquia constitucional. Ele também descreveu o Partido do Progresso como um elemento “à margem, responsável por um discurso de ódio”, e afirmou que “a Noruega havia denunciado o partido”, cujo discurso anti-imigração é notório.
Após a declaração, ele foi informado pela segunda vez pelo senador republicano John McCain de que o partido faz parte da coalizão de governo, o que poderia provocar imediatamente um constrangimento entre EUA e Noruega.
Em seguida, Tsunis tentou se corrigir, dizendo que a sociedade norueguesa prezava pelo direito a livre expressão e havia sido rápida em criticar o discurso de ódio do partido.
Tradição
Diferentemente da maioria das grandes potências, os EUA adotam a prática de recompensar aliados e doadores de campanha com postos diplomáticos, em uma tradição que resiste, apesar das críticas.
“Infelizmente, é uma prática comum em ambos os partidos (Democrata e Republicano)”, disse à BBC Brasil o diplomata Ronald Neumann, ex-embaixador dos EUA no Afeganistão e presidente da American Academy of Diplomacy (Academia Americana de Diplomacia).
Ao assumir o poder, em 2009, Obama falou em mudar a prática, dando preferência a diplomatas de carreira.
No entanto, segundo dados da AFSA, diplomatas de carreira respondem por apenas 47% das nomeações feitas em seu segundo mandato – entre elas a de Liliana Ayalde, embaixadora em Brasília, que tem mais de 30 anos de experiência.
Os outros 53% foram nomeações políticas, de aliados e doadores de campanha. Segundo a AFSA, isso representa um aumento em relação à média histórica, que é de 30% de indicações políticas e 70% de diplomatas de carreira.
A Casa Branca tem rebatido as críticas dizendo que ter doado recursos para a campanha do presidente “não garante um emprego no governo, mas não o impede de conseguir um”.
Mas críticos afirmam que esses nomeados, em muitos casos, não têm preparo e acabam envergonhando os EUA e colocando em risco os interesses americanos.
Qualificações
Neumann ressalta que o importante não é que os embaixadores sejam diplomatas de carreira, mas sim que tenham as qualificações necessárias para exercer a função.
Ao longo dos anos, os EUA tiveram casos de sucesso entre embaixadores que não eram diplomatas. A Casa Branca ressalta exemplos como o do ex-vice presidente Walter Mondale, que ocupou o cargo no Japão, e o de Robert Sargent Shriver, na França.
Mas há também diversos escândalos, como o caso de um embaixador dos EUA na Dinamarca obrigado a deixar o cargo por manter prostitutas na residência oficial e o de uma embaixadora enviada por Obama a Luxemburgo, que renunciou após um relatório denunciar seus gastos excessivos em bebidas e viagens e seu estilo de gestão “hostil e agressivo” e “sem senso de direção”.
Alguns defensores das indicações políticas afirmam que é uma vantagem ter um embaixador próximo ao presidente.
Neumann, no entanto, discorda. “A maioria dos indicados políticos não são realmente próximos do presidente. Eles doaram dinheiro, mas isso não significa que seus telefonemas serão prontamente atendidos”, afirma.
Segundo o diplomata, é provável que alguns dos nomeados busquem se educar e consigam desempenhar a tarefa com sucesso.
“Mas outros não. É um trabalho de muita responsabilidade”, afirma.
Ele observa que o Departamento de Estado costuma fazer um esforço para que esses embaixadores que não são diplomatas de carreira tenham profissionais qualificados trabalhando a seu lado.
Mas ele faz uma comparação com o setor privado: “Não conheço nenhum negócio no mundo em que você contrata um gerente sem que ele precise ser competente, só porque pode contar com seus funcionários”.
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