Nova lei de anistia revolta os ministros militares e Jobim

PanoramaBrasil

SÃO PAULO – Um decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva gerou tensão entre o ministro da Defesa, Nelson Jobim, os comandos militares e o secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi.

O documento trata da criação do Programa Nacional dos Direitos Humanos, que voltou a mexer em velhas feridas, uma vez que Vannuchi vem capitaneando há anos a revisão da Lei de Anistia com o objetivo de punir os militares envolvidos em crimes de tortura durante o regime militar.

Dois itens em especial irritaram os militares: a criação da Comissão da Verdade, que investigaria as circunstâncias em que crimes praticados por militares foram cometidos, e a reedição da revisão da Lei de Anistia.

A insatisfação foi tamanha que Jobim e os comandantes Enzo Peri (Exército), Juniti Saito (Aeronáutica) e Júlio Moura Neto (Marinha) teriam enviado, segundo fontes, uma carta coletiva de demissão ao presidente Lula. Para apagar o incêndio, o presidente teria prometido à cúpula militar que revisará o decreto e atrasará o envio do texto ao Congresso. Jobim reuniu-se com Lula na Base Aérea de Brasília no último dia 22 de dezembro, um dia depois do lançamento do plano. No encontro, o ministro relatou a insatisfação das forças militares.

Na quarta-feira (30/12), depois de reunir-se com Lula, o ministro da Justiça, Tarso Genro, minimizou a tensão e disse que não há “controvérsia insanável” entre os militares e Paulo Vanucchi. “Não há nenhum tipo de pedido de demissão e nenhuma controvérsia insanável entre Ministério da Defesa e Secretaria de Direitos Humanos. Isso [o presidente Lula] vai resolver com a sua capacidade de mediação na volta das férias”, afirmou. O retorno do presidente está previsto para a segunda-feira, dia 11.

Tarso aproveitou para rebater a versão de que Jobim e os ministros militares teriam entregado seu cargo.

Apesar da negativa, o clima se manteve tenso entre os ministros militares e o governo, por causa do projeto. Dentre os argumentos apresentados pelos militares contra o texto, estaria o fato de que o texto não prevê qualquer punição ou apuração de atos cometidos por guerrilheiros e ativistas políticos contra agentes do Estado.

No capítulo que trata do “Direito à memória e à verdade”, o programa diz que o Brasil ainda processa com dificuldade o resgate do que ocorreu com as vítimas da repressão. “A investigação do passado é fundamental para a construção da cidadania. Estudar o passado, resgatar sua verdade e trazer à tona seus acontecimentos caracterizam uma forma de transmissão de experiência histórica que é essencial para a constituição da memória individual e coletiva”, diz o texto.

O documento lembra ainda que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação que contesta a interpretação de que a Lei de Anistia não permite a punição de militares que atuaram na repressão.

Vannuchi disse que a criação da Comissão da Verdade não é um ato contra as Forças Armadas. “Criar a Comissão da Verdade é a favor das Forças Armadas, que são formadas por oficiais militares das três armas, pessoas dedicadas à pátria, ao serviço público, com sacrifícios pessoais, das suas famílias. Esses oficiais não podem ser misturados a meia dúzia, uma dúzia ou duas dúzias de pessoas que prendiam as opositoras políticas, despiam-nas e praticavam torturas sexuais, que ocultaram cadáveres. É um grande equívoco, e eu tenho certeza de que o ministro da Defesa [Nelson Jobim] sabe disso”, afirmou.

Ofensiva da OAB

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, criticou o ministro Nelson Jobim pela reação ao Plano Nacional de Direitos Humanos. Ele disse que o Brasil não se pode acovardar e que a Lei de Anistia não significa o esquecimento das atrocidades supostamente cometidas. ” O Brasil não pode se acovardar e querer esconder a verdade. Anistia não é amnésia. É preciso conhecer a história para corrigir erros e ressaltar acertos. O povo que não conhece seu passado, sua história, certamente pode voltar a viver tempos tenebrosos e de triste memória como tempos idos e não muito distantes”, afirmou.

Citando o apoio do Brasil à defesa da democracia no Haiti, o presidente da OAB nacional disse que um país que se acovarda ao encarar sua história não pode ser levado a sério.

“Um país que se acovarda diante de sua própria história não pode ser levado a sério. O direito à verdade e à memória garantido pela Constituição não pode ser revogado por pressões ocultas ou daqueles que estão comprometidos com o passado que não se quer ver revelado”, disse Britto. “O Brasil que está no Haiti defendendo a democracia naquele país não pode ser o país que aqui se acovarda.”

A OAB é uma das partes que defendem no STF e no Superior Tribunal Militar (STM) ações que reivindicam a abertura dos arquivos da ditadura e a punição dos responsáveis por tortura.

O presidente Lula pretende contornar o mal-estar causado por um decreto assinado por ele que trata da criação do Programa Nacional dos Direitos Humanos. O texto provocou protesto do ministros militares.

Ameaça de militares é rejeitada por adversários

De São Paulo

A ameaça de setores militares de expor o passado “terrorista” da ministra Dilma Rousseff, na campanha eleitoral, é rechaçada pelos demais candidatos a presidente, entre os quais se acha um ex-exilado, o tucano José Serra, e pelo próprio ministro da Defesa, Nelson Jobim. A ministra participou da luta armada contra o regime militar, no fim dos anos 60.

O assunto ressurgiu na última semana de 2009, quando foi noticiado que Jobim ameaçara demitir-se caso a Lei de Anistia fosse reexaminada, como propunha a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos (SDH). A Defesa e a SDH haviam se entendido sobre os termos de um decreto a ser assinado pelo presidente, mas o que foi divulgado na semana do Natal era diferente do combinado.

Jobim procurou Lula e disse que havia assumido o compromisso com os comandantes das três Forças de que não haveria revanchismo contra os militares, mas eles contribuiriam na investigação sobre os desaparecidos do regime militar. O texto do decreto sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos anunciado, segundo Jobim, retirava sua “autoridade” como comandante e o impediria de continuar à frente do cargo. Em momentos diferentes, os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica disseram que sairiam junto com o ministro.

Lula havia pedido um texto de consenso para criar a “Comissão da Verdade” que era pedida pela SDH. O texto levado a ele não tinha consenso nem no nome: Jobim sugerira “Comissão da Verdade e da Reconciliação”, como foi feito na África do Sul e deixava subentendido que não haveria “revanchismos” e o reconhecimento da Lei da Anistia. Lula, que passara os dias em que o texto foi preparado empenhado nas negociações da conferência do clima, logo percebeu que não havia consenso algum e pediu tempo a Jobim.

O mais provável é que o presidente, no decreto a ser assinado, procure compor as duas partes, mas manter inalterada a Lei da Anistia. Decisão contrária deve levar à demissão do ministro e da cúpula das Forças Armadas, abrindo uma crise com os militares em pleno ano eleitoral. É tudo o que o governo não quer, no momento em que se acha engajado na eleição de Dilma.

Assunto corriqueiro dos oficiais de pijama, como é chamada a reserva, o passado na guerrilha de ministros de Lula, desta vez, mobilizou até vozes anônimas na ativa, conforme publicaram os jornais. Um dos melhores momentos de Dilma, no governo, deu-se quando ela foi inquirida pelo senador José Agripino (DEM-RN) por ter “mentido” sob tortura. Emocionada, Dilma rebateu: “Me orgulho muito de ter mentido, pois mentir na tortura não é covardia. Aguentar tortura não é fácil, somos muito frágeis. O senhor não imagina o quanto é insuportável a dor. Por ter mentido, salvei companheiros”. (RC).

A crise do passado 

O ministro da Defesa ameaça deixar o governo por causa de proposta de investigar crimes da ditadura

Marcelo Rocha

QUASE
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, ameaçou se demitir. Mas Lula o segurou com promessas
 Encerrada há quase 25 anos, a ditadura militar é um fantasma que, de tempos em tempos, volta a assombrar o país. Na semana passada, descobriu-se que ela causou uma crise no governo às vésperas do Natal. A semente foi a proposta de criação da Comissão Nacional da Verdade, para apurar crimes e violações de direitos humanos entre 1964 e 1985, incluída na terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos. Por causa do texto, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, rascunhou uma carta de demissão e procurou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 22, na Base Aérea de Brasília, para entregar o cargo. Os comandantes das Forças Armadas (Exército, Aeronáutica e Marinha) foram solidários a Jobim e também ameaçaram sair. O final de ano do governo, que parecia tranquilo com a celebração dos bons resultados econômicos, quase azedou. 

O Programa Nacional de Direitos Humanos havia sido apresentado pelo ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria de Direitos Humanos, no dia 21. Na avaliação de Jobim e da cúpula militar, o texto seria “revanchista”, por tratar com desigualdade os agentes do Estado e os supostos contraventores da época da ditadura. O texto não prevê punição ou apuração dos atos cometidos por ativistas políticos, mas abre espaço para o julgamento de torturadores. Para Jobim, houve quebra de um acordo durante a elaboração do programa. Segundo o acerto, o texto mencionaria tanto as Forças Armadas quanto movimentos civis da esquerda armada de oposição ao regime militar como alvos de possíveis processos. Na versão apresentada, a menção aos movimentos civis foi suprimida. Há outros pontos que desagradam aos militares, como o que prevê a identificação, com o intuito de torná-las públicas, das estruturas usadas para violações de direitos humanos durante a ditadura.

O episódio é mais um capítulo da disputa dentro dogoverno pela revisão da Lei da Anistia

A discussão do programa é mais um episódio da disputa dentro do governo em torno da Lei de Anistia, editada em 1979. Um acordo político estabelecido na época assegurou anistia aos crimes cometidos tanto por militares que participaram da repressão, quanto por ativistas que lutaram contra a ditadura. Vannuchi, ao lado do ministro da Justiça, Tarso Genro, lidera um movimento pela revisão da lei. Jobim e os militares são contra. Os benefícios da lei e sua amplitude estão sob análise do Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros examinam uma ação aberta na Justiça Federal de São Paulo, a pedido do Ministério Público Federal, contra os ex-coronéis Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel. Ustra e Maciel foram comandantes do DOI-Codi paulista, um dos mais ativos órgãos da repressão.

Para abafar a crise, Lula e Jobim costuraram um acordo provisório: o texto, que será enviado ao Congresso até abril, não afrontará as Forças Armadas. Se for preciso, a base governista será mobilizada para eliminar os textos considerados revanchistas pelos militares. Pelo menos por enquanto, a paz foi selada. Publicamente, Vannuchi afirma que Lula é o “árbitro” da situação e que o impasse pode ser sanado por uma simples escolha de palavras numa mesa de negociação. Vannuchi admite divergências com Jobim, mas diz que elas serão discutidas no interior do governo.

Antecessor de Vannuchi, o ex-ministro Nilmário Miranda discorda. “Não podemos aceitar vetos dos militares. Na democracia, o poder militar tem de se submeter ao poder civil”, afirma. “O direito à informação e aos corpos dos desaparecidos políticos é universal e não poderá ser exercido sem desagradar a parte dos militares que participou da repressão.” A discussão mostra que, apesar da Lei da Anistia, esse capítulo do passado o Brasil não conseguirá encerrar. 

Fonte: NOTIMP

4 Comentários

  1. Pura estúpidez, q deixem o passado bem enterrado; vamos prosseguir rumo ao futuro , juntos,p o bem estar comum, os ianks só nos querem bem divididos, e lutando entre nós…acordem, temos mt + a perder fuçando o passado .

  2. Existem inúmeras famílias, amigos, conhecidos de desaparecidos esperando esclarecimento do Estado.Existe ainda uma história por contar e é jogando limpo abrindo o debate que se fortalece a democracia.

  3. Que sejam julgados esses bandidos que perceguiram bons brasileiros , essa lei da anistia tem que ser modificada . O JOBIN Ta com medo , aff”pq será? ” esse tem rapo preso .

  4. O PASSADO ou o FUTURO?
    Com todo respeito aos que sofreram punições diversas e sofrimentos no período de ditadura militar no Brasil, acho que o momento de argumentar contra a Lei da Anistia já passou. Quando os políticos da época estavam tratando neste assunto, deveriam os que tinham opiniões contrárias, ter dado alguns passos à frente e colocados na balança da justiça seus anseios. Mas o medo, a covardia, as conjugações políticas e a falta de hombridade pesaram muito mais. Quem viveu nestes tempos, “do antes, do durante e do posterior” tem a noção exata da amplitude de todos os acontecimentos. Já em longo comentário sobre a matéria já deixei minha opinião pessoal, devidamente assinada, assumindo todas as responsabilidades decorrentes. Mas repito não sou e nunca fui a favor da covardia, da injustiça, e nunca protegi bandidos ou criminosos. Mas é importante, antes de quaisquer julgamentos olharmos os dois lados da moeda. Com certeza não foram os militares os únicos culpados desta história, houveram muitos civis. E observem, muitos deles estão vivos e completamente livres fazendo coisas muito piores, cuja o atual somatório criminoso de seus atos nefastos, não representam nem 0,01% daquilo que fundamentou e justificou a “revolução redentora de 1964”, que acabou por implantar a ditadura militar que estimulou a Lei da Anistia Ampla Geral e Irrestrita no País. É melhor para todos nós, agora investirmos somente no futuro, e colocar os falsos e mentirosos sentimentos de justiça na lata de lixo. E mais devemos ainda ficarmos atentos porque este assunto é “a galinha de ovos de ouro” que produz notoriedade e VOTOS. Luiz O Velho Patriota.

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