Embaixador Carlos Cozendey fala de BRICS, G20 e relações Brasil-Rússia

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Embaixador Carlos Cozendey, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda

O Embaixador Carlos Márcio Bicalho Cozendey, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e nome de destaque nas relações do Brasil com os mais importantes organismos da política e da economia do mundo, concedeu entrevista ao programa Voz da Rússia, falando dos BRICS, do G20 e das relações bilaterais russo-brasileiras.

O Embaixador Cozendey fez comentários sobre a participação dos países BRICS no Fundo Monetário Internacional; a criação do Banco de Desenvolvimento do grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul; o que os brasileiros e os russos podem fazer para incrementar o comércio bilateral; e os preparativos para a reunião de cúpula dos BRICS em Fortaleza, em março de 2014.

O economista, diplomata e professor Carlos Cozendey foi diretor do Departamento Econômico do Itamaraty e representante do Brasil em missões junto à Organização Mundial do Comércio, à Rodada de Doha, ao G8, ao Mercosul, à União Europeia, à ALCA, à ALADI e ao GATT, entre outros.

A seguir, a íntegra da entrevista, concedida ao jornalista Alexander Kasnov.

Voz da Rússia – Embaixador Carlos Cozendey, o senhor voltou recentemente da reunião dos ministros dos países do G20. De acordo com a imprensa, há uma profunda decepção dos países em desenvolvimento com a lentidão do cumprimento do acordo sobre o aumento da participação dessas nações – aí se incluindo os BRICS – na administração do Fundo Monetário Internacional. Com muitos milhões de dólares já investidos, a questão da participação dos BRICS na administração do FMI continua sem solução. Como o senhor vê essa situação?

Carlos Cozendey – Realmente é um motivo de grande decepção para os países dos BRICS em geral, países em desenvolvimento para o Brasil em particular, que nós não tenhamos podido dar prosseguimento às reformas que foram previstas em 2010. Em 2010, em Seul, o G20 acordou e depois o FMI confirmou uma modificação da distribuição de cotas no Fundo e uma ampliação nos recursos do Fundo Monetário. Essa reforma tinha essa parte que foi aprovada lá e que teria que ser ratificada pelos países até outubro do ano passado, e ela também prometia que se faria uma nova reforma até janeiro de 2014, portanto proximamente. Só que a reforma de 2010 que deveria ter sido aprovada até outubro do ano passado não foi aprovada, basicamente ela está pendente de aprovação no Congresso americano, e com isso, na prática, as negociações na nova rodada de reformas ficaram até agora paralisadas. Então, originalmente havia alguma expectativa de ter resultados importantes no G20 este ano sobre esse assunto, mas essas perspectivas no momento estão muito reduzidas.

VR – Em paralelo à mencionada reunião do G20, os ministros dos BRICS concordaram que na cúpula dos BRICS de Fortaleza, em março de 2014, será concretizada a criação do Banco de Desenvolvimento do grupo, com capital de US$ 50 milhões e fundo de reserva de US$ 100 milhões. Como seria a participação do Brasil no projeto?

CC – Essa é uma negociação que está acontecendo nesse momento, nós estamos ainda discutindo ainda os pontos básicos do que deveria constar no convênio constitutivo do Banco. O objetivo é efetivamente ver se no início do ano que vem em Fortaleza é possível já assinar o convênio constitutivo dessa nova instituição financeira multilateral. Claro que nós ainda estamos no começo das negociações, não podemos afirmar que vai ser possível assinar, mas é o esforço que nós estamos fazendo. A posição do Brasil é de que seja um banco de desenvolvimento voltado para financiamento de infraestrutura e de projetos de desenvolvimento sustentáveis nos países do BRICS e também em outros países em desenvolvimento, obviamente com alguma relação com os países que sejam membros do banco. O banco inicialmente vai ter como membros só os países BRICS e depois eventualmente vai ser aberto para a participação de outros países. A nossa ideia é que ele seja um banco bastante eficiente, voltado para projetos. Ele não seria, por exemplo, como o Banco Mundial, que tem algumas funções de pesquisa, de análise e de assessoria econômica. Seria mais voltado mesmo para projetos nas áreas de infraestrutura e desenvolvimento sustentável.

VR – E em Fortaleza já podemos esperar algo concreto?

CC – O objetivo, e certamente o objetivo do Brasil, é que tanto no caso do Banco quanto no caso do Fundo de Reserva seja possível em Fortaleza assinar os documentos tratados que criarão ou estabelecerão toda a forma de funcionamento do Banco e do Fundo de Reserva, mas é uma coisa que, como a negociação ainda está em andamento, eu não tenho como afirmar que vai acontecer.

VR – A mídia internacional vem noticiando a diminuição das economias dos BRICS na economia global, e, em consequência, a saída de investidores estrangeiros dos países do grupo. Como o senhor analisa a situação e as perspectivas dos países BRICS em curto e médio prazos, particularmente a Rússia e o Brasil?

CC – Na realidade esses países têm crescido menos do que nos anos anteriores, mas ainda estão crescendo mais do que os países desenvolvidos. Portanto, a participação deles na economia mundial não está se reduzindo. Ela continua aumentando, mas não no mesmo ritmo de antes. Em relação aos investidores, aí a gente tem que diferenciar os investimentos de curto prazo, que são mais voláteis e dependem das últimas notícias financeiras que sejam divulgadas, dos investimentos mais permanentes, investimentos diretos, investimentos produtivos, e nesse campo, pelo menos no caso do Brasil, eu não conheço em detalhe a situação de todos os países BRICS. Mas certamente no caso do Brasil os investimentos estrangeiros diretos este ano continuam bastante elevados, mais ou menos no mesmo ritmo elevado do ano passado, em que o Brasil, se não me engano, foi o terceiro a receber mais investimentos diretos no mundo.

VR – Aparentemente, as relações econômicas entre os países do Mercosul também não estão passando por seu melhor momento, e, sendo membro do Mercosul, o Brasil tem certas limitações nos acordos bilaterais com outros países fora do grupo. Essa situação influi de alguma maneira nas relações comerciais com outros países do grupo BRICS, especialmente com a Rússia?

CC – Eu acho que não. Se tem algum impacto é em termos de negociações. Hoje, no caso dos BRICS, o Brasil tem acordos comerciais específicos, ou seja, acordos que reduzem tarifas com a Índia e com a África do Sul. Mas são acordos relativamente limitados, e existe aí um processo para aprofundamento desses acordos. No caso da Rússia, nós não temos nenhuma iniciativa de negociação, de acordo multilateral de preferência, então a relação comercial hoje depende para crescer, para se desenvolver, muito mais de um esforço bilateral que passa por toda a área de promoção comercial, realização de missões empresariais, para que nós possamos diversificar o comércio do Brasil com a Rússia, que ainda é muito pouco concentrado em poucas mercadorias nas duas direções.

VR – A Voz da Rússia está fazendo uma série de entrevistas com empresários, economistas e executivos do Brasil e da Rússia, tentando obter respostas para a questão do que os dois países têm que fazer para aumentar significativamente o valor do comércio bilateral nos próximos anos? Qual é o seu pensamento a respeito?

CC – É uma pauta bilateral ainda muito concentrada em poucos produtos. O Brasil exporta para a Rússia principalmente produtos básicos – açúcar, carnes –, e na realidade tanto o Brasil como a Rússia têm indústrias que são capazes de exportar outros produtos de interesse de outros setores. É uma questão, eu tenho a impressão, de pouco conhecimento mútuo dos setores empresariais, e que precisaria ser, talvez, incentivada pelos governos em termos de uma ação mais enfática na área de promoção comercial. As situações regionais de cada um desses países implicam em que naturalmente a Rússia tenha um contato comercial muito mais intenso com os países europeus, que estão mais próximos. Assim como o Brasil, por exemplo, no comércio de exportação de manufaturas, exporta mais para os países aqui da América do Sul. Mas acho que, com o crescimento do contato, que tem havido inclusive no âmbito dos BRICS, é uma boa oportunidade para que os empresários se interessem mais e se conheçam e identifiquem as oportunidades.

VR – Como está indo a preparação para a reunião de cúpula dos BRICS em Fortaleza, em março de 2014?

CC – Aqui no Ministério da Fazenda nós nos ocupamos mais especificamente desses dois processos, a negociação sobre o Banco e a negociação sobre o Fundo de Reserva. Da cúpula como um todo, obviamente, são as chancelarias que se dedicam mais a montar a agenda completa. Então, não conheço muito o resto da agenda. Mas nesses dois assuntos o nosso esforço vai ser para concluir esses acordos até lá.

VR – Para finalizar, o senhor poderia falar da expectativa do Brasil para o encontro do G20 em São Petersburgo?

CC – Posso falar de uma maneira bem genérica. Obviamente o encontro de cúpula do G20 é sempre um momento importante, onde os líderes se reúnem para discutir a situação da economia internacional. Nesse momento, como a gente sabe, da perspectiva dos BRICS e do Brasil, tem havido uma certa volatilidade em relação ao câmbios e alguns ativos, em função dos sinais de que os Estados Unidos estariam revertendo a sua política econômica. Eu acredito que esse vai ser um dos temas discutidos lá.

 

Fonte: Diário da Rússia