Repetição de impasse político pode minar credibilidade do dólar

Americanos chegaram perto de uma crise fiscal criada por eles mesmos, mas se salvaram após maratona de negociações. Porto seguro para investidores estrangeiros, moeda saiu quase ilesa, mas pode não resistir a nova crise.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os investidores internacionais têm no dólar uma aposta segura, garantido pela fé plena na economia americana. Em tempos difíceis, eles investem seu dinheiro em títulos da dívida do Tesouro dos EUA para passar sem grandes riscos pela tempestade. Mas, nestes últimos dias, Washington tem sido observada de forma diferente.

Na quarta-feira (16/10), democratas e republicanos foram capazes de alcançar um acordo no último minuto. A inabilidade em chegar a um consenso mais rápido para aumentar o limite do endividamento do governo americano causou a paralisação quase total das repartições públicas – o famoso shutdown – pela primeira vez em 17 anos.

Mas o esforço dos republicanos em mais uma vez usar o teto da dívida para alavancar as negociações do orçamento federal com o presidente Barack Obama, colocando em risco o pagamento da dívida americana, falhou. O impacto na confiança dos investidores seria alto.

A extensão do limite de endividamento até fevereiro de 2014, porém, não garante que os EUA deixaram a zona de perigo. No verão de 2011, só a ameaça de um calote provocou pela primeira vez na história o rebaixamento da nota dos EUA pelas agências de classificação de risco.

“Ninguém sabe aonde isso poderá chegar”, afirma Axel Merk, presidente da consultoria de investimentos Merk Investiments, em entrevista à DW. “Nós já corremos o risco com o Lehman [Brothers, quarto maior banco de investimentos dos EUA, que faliu em 2008], e isso foi muito ruim. Mas eu não acho que podemos ver algo em comparação ao que passaríamos caso os EUA realmente dessem um calote.”

“Privilégio exorbitante”

No auge do seu poder após a Segunda Guerra Mundial, os EUA criaram uma nova ordem financeira baseada em instituições liberais, tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. E o meio de troca utilizado neste sistema era o dólar, que era indexado ao valor de 35 dólares a onça de ouro. Todas as outras moedas passaram, então, a ser atreladas ao dólar, instituindo a moeda americana como a divisa de referência do sistema econômico mundial.

Na década de 1960, o então ministro das Finanças francês, Valery Giscard d’Estaing, classificou a situação como “privilégio exorbitante” do dólar americano.

“Isso se refere ao fato de que, como o dólar é a moeda do mundo, os EUA podem pegar dinheiro emprestado mais barato “, afirma Barry Eichengreen, autor do livro Privilégio exorbitante: a ascensão e queda do dólar e o futuro do sistema monetário internacional. “Os bancos e empresas dos EUA podem fazer negócios transfronteiriços usando sua própria moeda, que tem seu próprio valor de conveniência.”

E os EUA, afirma o economista, tem uma política de seguros que já é bem solidificada. “Sempre que algo vai mal no mundo – nos EUA ou no exterior – e os rendimentos caem, o dólar sobe. Dessa forma isto isola os EUA dos piores efeitos”, opina.

“Dimensão, estabilidade e liquidez”

De acordo com Eichengreen, o dólar tem três atributos únicos que nenhuma outra moeda possui: dimensão, estabilidade e liquidez. Como os EUA são um grande país, existem mais dólares disponíveis do que qualquer outra moeda. E a moeda americana tem realizado um bom trabalho no que se diz respeito a manter o seu valor.

Historicamente, os títulos do tesouro são reconhecidos por investidores como um mecanismo financeiro qualitativo avalizado por um governo que paga suas contas em dia.

“De um modo geral os EUA eram – estou falando do passado – razoavelmente prudentes como seus assuntos fiscais eram executados”, assinala Merk. Mas, acima de tudo, os investidores gostam da liquidez sem paralelo com o dólar, o que significa que, em evento de crise, os títulos do tesouro podem ser facilmente vendidos sem perder muito o seu valor.

“Especialmente em uma crise não há nada que investidores mais valorizam do que a liquidez”, diz Eichengreen. “E o mercado de títulos do Tesouro dos EUA tem sido, historicamente, o mercado financeiro mais líquido do mundo.”

“É o nosso dólar, mas o problema é seu”

Mas, de acordo com Merk, os EUA não estão mais focando na qualidade de seus títulos. No passado, Washington procurou promover um dólar forte através de uma boa gestão fiscal. Hoje, porém, os políticos estão simplesmente imprimindo dinheiro.

Merk diz que, ao confiar no Federal Reserve (Fed, o BC americano), os EUA têm dito efetivamente às outras nações: “este é o nosso dólar, mas o problema é seu”. “Outros vão aceitar isto porque é o problema deles, mas eles vão tentar encontrar maneiras de lidar com isso ao longo do tempo”, acrescenta.

Cada vez mais países começaram a diversificar suas reservas cambiais para reduzir sua dependência do dólar. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o dólar era responsável por 72% das reservas mundiais de divisas em 2001. Hoje, representa 62%.

“Eles decidiram ser um pouco mais estratégicos”, diz Merk. “Eles estão comprando mais ativos reais – como os que ajudam em suas necessidades energéticas e de alimentação. Mas também quanto ao tesouro, eles estão comprando títulos canadenses, europeus ou australianos.”

Para suprir a lacuna, o Fed recompra mensalmente 85 bilhões de dólares em títulos públicos dos EUA. “Por que há uma necessidade de o próprio Fed comprar estes ativos?”, questiona Josef Braml, do Conselho Alemão de Relações Exteriores. “É porque os chineses e japoneses não os compram há tempo.”

Ausência de alternativa viável

Mas, de acordo com Eichengreen, a diversificação tem ocorrido de forma superficial. Embora os EUA representem 25% da economia mundial, o dólar é ainda responsável por 85% de todas as operações de câmbio.

“É surpreendente o quão pouco aconteceu até agora em resposta ao que está acontecendo em Washington”, diz Eichengreen. “A explicação – em uma palavra – é a descrença. Ninguém na Europa e na Ásia acredita que os políticos americanos são insanos. Eles se recusam a acreditar que o sistema político dos EUA é tão disfuncional que políticos irresponsáveis poderiam levar o governo a um calote.”

E existem poucas opções no momento. O euro continua abalado por sua própria crise, o yuan chinês não foi totalmente internacionalizado e o iene japonês continua a perder seu valor. “A principal coisa trabalhando em favor do dólar é a ausência de alternativas viáveis”, opina Eichengreen.

No entanto, se um impasse no Congresso se repetir em fevereiro e os EUA deixarem de pagar suas obrigações, a confiança do investidor no dólar pode se dissipar. “Este evento é potencialmente um grande negócio, porque ele põe em dúvida a estabilidade do dólar e pode lançar dúvidas na liquidez do mercado.”

Fonte: DW.DE

4 Comentários

  1. O moderno sistema monetário, desenvolvido pela burguesia européia (de promissórias e de títulos ao portator) é fundamentado apenas numa coisa: Confiança.

    Temos na história o registro de vários Bancos quebrados pela retirada intempestiva de depósitos por seus clientes, influenciados pelo boato de que estavam na iminência de quebrar.

    Esse processo de falta de confiança em finanças é o pior pesadelo de todo Banqueiro, pois é sempre um processo rápido demais, assim mesmo no caso de Bancos com bom patrimônio físico, isso acaba não importando pois a velocidade dos acontecimentos atropela a lógica dos clientes, que só têm olhos para o cofre vazio anunciado no boca a boca.
    Assim, mesmo no caso de um Banco estar endividado, mas em processo adequado de renegociação de dívidas, por ter patrimônio como aval. Ele acaba sendo engolido pela brutalidade do mercado financeiro que não admite falta de confiança.

    Esse caso americano de enorme dívida interna acontecendo dentro da maior economia mundial, se assemelha ao de um Banco endividado que ao mesmo tempo é dono de grande patrimônio… Nas mãos de bons economistas e políticos, essa crise interna americana, pode ser revertida de negativa para positiva, sem maiores danos sociais. Porém, há algo no ar sobre o dólar (títulos ao portador de enorme liquidez internacional)…… lentamente está virando fumaça sua CONFIANÇA.

    E se essa confiança finalmente for quebrada aí babaus hegemonia mundial num simples piscar de olhos histórico.

    Um dos motivos para a confiança internacional no dólar ser mantida será o governo americano não se descuidar de seus depósitos de ouro (apesar de tudo a vinculação monetária ao ouro é persistente), como também do fortalecimento de todo seu patrimônio industrial, urbano etc.




    Favelizações em geral são um péssimo aval para qualquer moeda. Não é o caso estadunidense ainda, mas………. ??????!!!!!!!!!

    Percebam… que um dos motivos de manter nosso país subdesenvolvido por meio de toda sorte de manipulações sociais, é de também influenciar na fraqueza da moeda brasileira. O tabuleiro do jogo de Poder Internacional é muito complexo, porém de regras e peças claras, pena que nossa governança e diplomacia estejam ainda verdes para tais partidas. Prova foi nossa Presidente reclamando de ter sido espionada (coitadinha: ela nem desconfiava). Da mesma forma como aqui, nos sites de Defesa, tem neguinho que não desconfia que os estudos quantitativos de meios para nossa Defesa nos são disfarçadamente empurrados de fora.

  2. Lembram da importancia do Niobio basta o Brasil saber valorizar tal elemento que nenhuma crize podera afetar o Brasil pois SOMOS DETENTORES DE 98% DESTE ELEMENTO só temos é que saber colocar preço em tal elemento exemplo Canada.

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