Por Tito Lívio
Embargo nas compras da Rússia dificulta as ações do Pentágono em fortalecer a frota de Cabul.
CABUL — As sanções norte-americanas destinadas a punir a Rússia pela sua intervenção na Ucrânia estão tornando difíceis os esforços para reconstruir a combalida Força Aérea do Afeganistão.
Em 2014, a ordem do presidente Barack Obama proíbe os EUA de fazer negócios com a indústria de armas de Moscou, deixando o Pentágono incapaz de substituir os helicópteros de transporte operados pelas forças afegãs Mil Mi-17, de fabricação russa, que estão sendo perdidos em um elevada cadência, devido ao fogo inimigo e falhas mecânicas.
Com os militantes do Talibã ganhando terreno, comandantes dos EUA no Afeganistão têm pressionado o Pentágono nos últimos meses para chegar a uma solução, mas o Departamento de Defesa ainda não encontra uma posição definitiva. As principais opções poderiam incluir o levantamento das sanções para permitir a aquisição de novos helicópteros russos ou a completa renovação da força aérea afegã para operar aeronaves de transporte feitas no Ocidente.
“Já existe demanda significativa e pressão significativa sobre a frota existente,” disse o Major-General Jeff Taliaferro, comandante aéreo sênior das forças aliadas no Afeganistão. “Isso é uma exigência que não se perdeu em alguém no Departamento de Defesa. Acho que a urgência é clara.”
O governo do Afeganistão não possui condições de adquirir suas próprias aeronaves; estes helicópteros custam aproximadamente US$ 19 milhões cada e estão disponíveis apenas na Rússia.
O General Taliaferro encontra-se na esperança de obter uma decisão de Washington nas próximas semanas, mas se recusou dizer qual opção ele havia recomendado. Um porta-voz do Departamento de Defesa não quis falar a respeito de quais opções estavam sendo consideradas.
“Devido ao fato que isto ainda está sendo trabalhado, não temos nenhuma informação adicional para fornecer neste momento,” disse o porta-voz.
O Mi-17s preenche um papel fundamental na luta de Cabul contra o Talibã e outros grupos insurgentes. O Afeganistão é um país montanhoso, cujas estradas pobres muitas vezes são semeadas com minas e explosivos improvisados. As tropas governamentais são mais propensos a se desdobrar contra os insurgentes com o uso de helicópteros do que as viaturas Humvee.
Em 2014, o Mi-17s voou quase 4.500 missões; no ano passado eles voaram mais de 16.000.

Um helicóptero de transporte Mi-17 em manutenção em Cabul, em 2015. Foto: MICHAEL PHILLIPS/THE WALL STREET JOURNAL
A Força Aérea Afegã, com um efetivo de 7 mil homens, também opera aviões brasileiros EMB-314 Super Tucano e helicópteros norte-americanos MD 530F Cayuse Warrior capazes de combater os insurgentes no solo. Os afegãos tornaram-se cada vez mais hábeis em usá-los para auxílio às tropas terrestres.
“Ter esse poder aéreo é uma vantagem significativa para as forças afegãs que seus adversários não dispõem,” disse o General Taliaferro.
Mas ao lado desse sucesso tem sérios problemas. Aviões exigem uma sofisticada mecânica e pilotos altamente treinados, mas tais conhecimentos são raros no Afeganistão.
A frota de helicópteros sofreu desgaste elevado. A força aérea afegã tinha 56 Mi-17s, um ano atrás, adquiridos pelo Pentágono, antes das sanções; Agora tem 47 helicópteros, representando uma queda de 16%. Um desses helicópteros explodiu em pleno ar, vítima de um acidente suspeito de granada a bordo; outro foi destruído quando outro helicóptero acidentalmente abriu fogo na pista; outros quatro foram destruídos pelos rebeldes.
“Se você sustentar esse nível de atrito, obviamente você eventualmente vai descer até zero,” disse o Brigadeiro-General norte-americano Dave Hicks, assessor para a força aérea afegã.
Entre os Mi-17 sobreviventes, apenas metade estão operacionais, com o resto sem condições de voo por causa dos danos em combate, limite da vida útil, ou requisitos de manutenção não preenchidos. No exército norte-americano cerca de 75% da frota de helicópteros está plenamente operacional para qualquer tempo, de acordo com oficiais dos EUA.
A média de corpo de exército afegão — uma unidade por aproximadamente 16.000 a 20.000 soldados — tem apenas três helicópteros de transporte à sua disposição, cada um capaz de transportar duas dezenas de soldados e três tripulantes.
Os EUA também tinha comprado previamente 30 Mi-17s para uso pelas unidades especiais afegãs.
Enquanto espera por uma decisão sobre a compra de novos helicópteros do Pentágono, a coalizão liderada pelos EUA organizou contratos de manutenção na Bulgária, Eslováquia e Emirados Árabes Unidos para recuperar células envelhecidas do Mi-17, com ajuda australiana no financiamento. A República Tcheca irá reparar aeronaves danificadas em combate.
Essas empresas contratadas usam peças russas e certificação de aeronavegabilidade seguro do Departamento de Engenharia de Aviação do Ministério da Defesa russo, com um levantamento parcial de sanções emitida pelo Departamento de Estado.
Mas o Departamento de Estado norte-americano não emitiu nenhum levantamento de sanções para a compra de novas aeronaves.
Nota do Editor: Historicamente a Força Aérea Afegã herdara cerca de 50 helicópteros Mi-17 adquiridos da então União Soviética na década de 1980, com a adição de 7 helicópteros de segunda mão fornecidos pela Rússia em 2002 e 2005; 20 helicópteros da versão Mi-17V1 em 2009-2011 adquiridos por intermédio de empresas americanas e emiráticas; e um contrato de US$ 1,3 bilhão para o fornecimento de 63 helicópteros Mi-17V5, usando linhas de financiamento norte-americanas.
Algo digno de nota, ignorado pela matéria, é que além dos Mi-17, as forças afegãs possuem helicópteros de assalto Mil Mi-24D (61 adquiridos da URSS entre 1984-1991, e 5 fornecidos pela Rússia em 2002), com apenas 7 modelos operacionais, são tão importantes no combate aos rebeldes, tendo melhores capacidades de ataque ao solo do que os Mi-17.
A notícia alerta para os desdobramentos das sanções comerciais e técnico-militares impostas pelos EUA, a União Europeia e seus aliados a Rússia devido a intervenção dessa na Ucrânia em 2014, com a anexação unilateral da península da Crimeia e seu apoio tácito a insurgência armada do Leste do país. A dependência histórica afegã ao apoio material e técnico russo é intenso, fato que se revela igualmente evidente no Iraque, com o agravante de que no caso do país centro-asiático, a aquisição desses vetores é financiada pelos EUA.
Com as sanções, a Força Aérea Afegã tem sua operacionalidade comprometida, os países do Leste Europeu (historicamente operadores de equipamentos russos) não se mostram capazes de realizar a manutenção adequada dos helicópteros, levando o governo norte-americano ao um duro dilema: repensar as sanções russas, para ter acesso a vetores novos, repotencializando as forças afegãs, ou substituir os modelos russos / soviéticos por congêneres ocidentais, de procedência norte-americana e europeia. Entretanto, essa segunda opção demandaria uma completa reestruturação completa da Força Aérea Afegã, com a conversão de seus poucos pilotos e técnicos, historicamente acostumados na operação de equipamentos russos, para o manuseio dos novos modelos ocidentais, o que exigiria um elevado custo financeiro, muito além do montante bilionário canalizado pelo Departamento de Defesa ao esforço de guerra afegão. Talvez uma opção intermediária seria a aquisição de modelos de segunda mão e peças de reposição da Ucrânia, além de seu know-how para manutenção, recuperação e até modernização desses modelos, mas mesmo assim o peso da indústria russa é grande demais para ser completamente ignorado pelas autoridades norte-americanas.
Fonte: Wall Street Journal
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