Amyra El Khalili: “Quando lidamos com o meio ambiente não podemos tratar deste direito fundamental como se fosse um produto empresarial, uma mercadoria, quando contratos e regras são determinados a portas fechadas em reuniões entre pares. Pelo contrário, devem acontecer com o coletivo da sociedade”.
Por Eliege Fante – Redação da EcoAgência A Conferência de abertura do Fórum Internacional de Gestão Ambiental – Água, o Grande Desafio, Figa 2010, aconteceu no início da noite de ontem, 22, no Centro de Eventos do Hotel Plaza São Rafael. A economista e ativista ambiental Amyra El Khalili, da Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras, abordou a temática da “Geopolítica da Água: Água para a Guerra – Água para a Paz”.
Conforme explicou, o principal ponto de conflito no país e no mundo está relacionado à água e sua comoditização. Uma das questões, é a exportação de grãos e carne no Brasil, por exemplo, que implica a exportação dos recursos naturais empregados nesta atividade, como água – em sua maior parte -, sol, terra, minerais, dentre outros recursos naturais. Além do conceito de água como commoditie, há também outros três que podem ser confundidos e utilizados por interesses que não os do bem comum. Amyra se propôs a esclarecer estas diferenças, de modo a instrumentalizar o cidadão para que busque os seus direitos e possa garantir o futuro da espécie humana no planeta.
Água como commodity
A água não é e nem pode ser considerada uma commodity, mas Amyra denuncia que o sinônimo de vida no planeta já está sendo negociado na Bolsa de Valores de Mercadorias. Não oficialmente, mas no mercado paralelo, no mineral, no informal, através do agronegócio. “Quando nós compramos as garrafas de 500ml no mercado, o lucro vai para a empresa, para o mercado. Tudo que está na prateleira do supermercado está comoditizado. Porém, por a população não conhecer os direitos e as regras a serem respeitados, há exploração deste bem comum. Neste sentido, não poderia ser comoditizada, já que o significado de commodity é ‘mercadoria padronizada para compra e venda’. Imaginem um rio ou uma cachoeira. Eu não posso pegar este rio ou esta cachoeira e privatizar, pois ela pertence a um ecossistema,” definiu.
Água como ecossistema
Segundo Amyra, este conceito esclarece que, por a água ser um bem que existe dentro de um ecossistema, e ser pertencente à União, por ser de uso público, jamais poderia ser privatizada. O fato de haver um ecossistema implica a interligação e interdependência entre todos os seres, os vivos e os inanimados. Pois, quando um ser adoece, gera consequências em variados níveis a todos os outros.
Ela lembrou o trabalho dos ativistas Ricardo Petrella e Daniele Miterrand, contra a privatização da água, contra o controle do ecossistema pela iniciativa privada, contra a cotização da água, para que este recurso finito e fundamental para a existência dos seres vivos, não sofra taxação como o petróleo. “O petróleo é substituível, independente de custar caro mudar a matriz energética de fóssil para renovável. Mas a água não é. E, a Organização dos Estados Americanos já divulgou que, em 30 anos, o barril de água estará mais caro que o de petróleo,” alertou. A economista que “operou”, em suas palavras, ouro e petróleo no mercado financeiro como commodities, está convicta de que cotar a água seria uma tragédia mundial. Neste sentido, insiste para que sejam feitas leis que determinem que a água é um direito humano e de todos os seres. “A sociedade deve assumir os comitês de bacia hidrográfica; se não existir um em sua cidade, reúnam as lideranças de todos os setores e façam o seu,” conclamou.
Água como direito fundamental
Sendo a água fundamental à vida no planeta e fundamental à própria existência da Terra, Amyra entende, que devido a esta importância, a água deve ser um direito constitucional como é o acesso à saúde ou à escola. Assim, toda a população deve ter o direito de acesso, ao menos, no nível da quantidade de segurança de consumo.
Água como commodity ambiental
Este conceito tem sofrido a distorção por parte de especuladores e outros interessados na privatização deste recurso, na medida em que tentam disfarçar o uso de commoditie convencional que fazem da água. Por exemplo, o caso de uma fábrica de refrigerantes que instala uma fábrica e explora água do Aquífero Guarani, impondo o risco à humanidade de desperdício e contaminação desta água – sendo que já há suspeitas de contaminação em certos locais no país. A economista explica que, a água como commoditie ambiental, é uma mercadoria originária dos recursos naturais em condições sustentáveis, cujas matrizes são: água, energia, biodiversidade, madeira, minério, reciclagem e controle de emissão de poluentes – na água, no solo e no ar. Portanto, diz Amyra, o objetivo é incluir o trabalhador, buscar a igualdade, resgatar princípios e valores universais. A meta neste modelo é o desenvolvimento de uma sociedade digna, ética e participativa. Como exemplo deste sistema, ela citou o trabalho cooperativo nas áreas indígenas e quilombolas, onde todo o fruto do trabalho coletivo é revertido para a comunidade.
Esta economista está convencida de que é imprescindível mudar o modelo econômico vigente, de que é preciso termos um olhar holístico, integral da realidade. Hoje, a soberania das nações está ameaçada, como é o caso do Brasil, onde a água vem sendo roubada dos rios da Amazônia e transportada em navios para abastecer a Europa e o Oriente Médio. “Quando lidamos com o meio ambiente não podemos tratar deste direito fundamental como se fosse um produto empresarial, uma mercadoria, quando contratos e regras são determinados a portas fechadas em reuniões entre pares. Pelo contrário, devem acontecer com o coletivo da sociedade. Se a sociedade não aderir, não há projeto socioambiental que possa ser concretizado,” concluiu, ela que estará presente a todos os paineis do Figa 2010, que acontece até amanhã, 24. O Brasil precisa seguir o exemplo dos seus vizinhos bolivianos, equatorianos e uruguaios, e lutar pelo direito à água.
Mais informações:
http://amyra.lachatre.com.br/
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