Major-brigadeiro da Aeronáutica defende punição aos torturadores da ditadura

O Major-Brigadeiro-do-Ar Rui Moreira Lima, de 92 anos, participou de 94 missões de guerra na Itália. Em petição, ele pede punição de militares que praticaram crimes durante a ditadura


O major-brigadeiro pede punição de militares que praticaram crimes durante a ditadura (Foto: Stefano Martini)


A Comissão da Verdade aprovada pelo Congresso é uma novidade positiva para esclarecer o passado, mas é fundamental punir quem torturou e matou durante a ditadura militar. Mais: é “burrice” das Forças Armadas defender o contrário, já que a maior parte dos que fazem parte delas hoje não participou das violações de direitos humanos. As opiniões não são de nenhum militante de esquerda ou familiar de morto ou desaparecido político. São de um militar da Força Aérea Brasileira (FAB), detentor da segunda maior patente da Aeronáutica e herói da Segunda Guerra Mundial.

Maranhense radicado no Rio de Janeiro, o Major-Brigadeiro-do-Ar Rui Moreira Lima, 92 anos, participou de 94 missões de guerra na Itália. Ele não gosta de se definir nem como de esquerda nem como de direita, mas como um democrata. Em 1964, foi um dos poucos militares a resistir ao golpe que deu início a 21 anos de ditadura. No dia 31 de março, pegou um avião e foi localizar as tropas que o general Olympio Mourão Filho guiava de Minas Gerais para derrubar o presidente João Goulart, no Rio de Janeiro. Chegou a fazer alguns voos rasantes sobre as tropas de Mourão. Sem autorização para atirar, voltou para a base de Santa Cruz, no Rio. Cassado, passou cerca de quatro meses preso e ficou proibido de voar por mais de 17 anos.

Com a volta da democracia, Moreira Lima retornou à Aeronáutica. No fim dos anos 70, fundou Associação Democrática e Nacionalista de Militares, entidade que luta pelos direitos de cabos cassados durante a ditadura e defende posições que destoam das que são comumente defendidas por seus colegas de Forças Armadas. Como presidente da entidade, protocolou uma petição para que o Supremo Tribunal Federal mudasse a interpretação da Lei da Anistia, de 1979. No documento, ele advoga pela punição de militares que praticaram crimes durante a ditadura. O STF acabou decidindo manter a interpretação que perdoa as violações ocorridas entre 1964 e 1985.

Amigo do comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, e frequentador dos eventos promovidos pela FAB, Moreira Lima finaliza a tradução para o inglês de seu livro Senta a Pua!, que narra a expedição da Força Expedicionária Brasileira na Itália. Hit them hard! tem previsão de ser lançado ainda neste ano.


Época – Como surgiu a ideia de fundar uma associação de militares para a democracia?


Rui Moreira Lima – Foi em 1979, quando veio a anistia do Figueiredo (João Figueiredo, presidente entre 1979 e 1985). Eu e outros colegas que foram impedidos de trabalhar queríamos garantir os nossos direitos. Quando o Figueiredo anistiou aqueles torturadores, ele cometeu um erro. Qual a lei que pode ajudar um torturador? No mundo inteiro, por meio de diversas convenções, da OEA, ninguém atura a covardia do torturador. É um bandido, um desgraçado, um covarde.


Época – O senhor defende a punição de quem praticou crimes na ditadura?


Lima – Em 1964, me tiraram da Aeronáutica e me proibiram de voar, que era o que eu sabia fazer. Fiquei 17 anos sem poder voar. Fui vender fubá, grão de bico, farinha. O meu retrato estava na base aérea de Santa Cruz (no Rio de Janeiro) para eu ser preso se entrasse lá. Hoje a FAB me estende tapete vermelho, é a minha casa. Mas alguns poucos caras da FAB fizeram isso comigo e eles deveriam pagar por isso.


Época – A Argentina recentemente condenou na Justiça diversos militares por crimes ocorridos durante a ditadura militar do país. O Brasil deveria fazer o mesmo?


Lima – Devia. Isso é fazer justiça. O Figueiredo era um comandante, um homem de cavalaria, mas era soldado, não entendia nada disso. Deu anistia para quem torturou. Não pode fazer isso. A Justiça é uma coisa séria.


Época – A maior parte das Forças Armadas se posiciona contra a punição de militares envolvidos em crimes durante a ditadura. Existe algum constrangimento quando o sr. defende esse posicionamento na instituição?


Lima – Não, todos me tratam muito bem, mesmo. O brigadeiro Saito (Juniti Saito, comandante da Aeronáutica) é amigo meu, é uma pessoa dócil, boa. Sou convidado para diversos eventos. Sou membro do Conselho Cultural da Aeronáutica. Considero a Aeronáutica a minha casa. Nem deveria, mas sou tido lá como um sujeito fora de série.


Época – E por que a maior parte das Forças Armadas é contra rever a lei da anistia?


Lima – Por burrice, corporativismo burro. O mundo inteiro está acabando com isso. Estão mandando os torturadores e matadores para a cadeia. Eu não sou revanchista. Não tem revanche nenhuma. O camarada que não tem nada com isso não tem culpa.


Época – Rever a Lei da Anistia não vai reabrir uma ferida, como dizem os defensores da atual legislação?


Lima – Eu espero que abra uma porta. Não é possível esconder a verdade. Tem muitos companheiros do Exército e da Aeronáutica que não estão de acordo com isso. Não dizem por causa do tal do corporativismo. Mas isso cedo ou tarde vai vir à tona.


Época – O que o senhor acha da Comissão da Verdade, recém-aprovada?


Lima – Ela tem que estar presente. Mas ela é comissão da Verdade, tem que ser de verdade. Eu estou na expectativa. A Comissão da Verdade é obrigatória. Ela tem que dizer quem fez as coisas. E aí quem fez tem que pagar uma prenda por causa disso. Botar o sujeito na cadeia se for o caso.


Época – Mas a ideia da comissão não é colocar ninguém na cadeia.


Lima – Não, a ideia é dizer onde estão os corpos. É um crime não mostrar onde o cara foi enterrado. A verdade tem que ser dita. Ela é feito a rolha, você pode botar ela no fundo do tanque, mas ela salta.


Época – Muitas vezes, quando questionados sobre os militantes que desapareceram durante a ditadura, os militares dizem que os documentos relativos ao período foram destruídos. O senhor acredita nisso?


Lima – Tem muita coisa que foi destruída mesmo. Mas só o fato de existir a comissão e de chamar os caras que estão vivos para falar já é um alento para as famílias que perderam parentes.


Época – Mas o senhor acha que a comissão pode obter resultados concretos?


Lima – Sim, eles podem saber onde estão as ossadas. Alguma evidência vai se conseguir. E aí acaba com isso. Porque quem fez isso (tortura e assassinato de militantes) não foi o Exército nem a Aeronáutica nem a Marinha. Foram sujeitos que nasceram ruins, mal caráteres, com ódio no coração e inveja.


Época – Esporadicamente, ouvem-se notícias de tortura em quartéis e de violações aos direitos humanos nas Forças Armadas. Na opinião do senhor, isso está ligado ao treinamento que era oferecido aos militares durante a ditadura?


Lima – Está ligado sim. Tem um sujeito, Dan Mitrione (americano que ensinou técnicas de tortura a militares brasileiros), que chegou a ter uma rua em Belo Horizonte como o nome dele. Depois mudaram para colocar o nome de um estudante morto. Eu conheço gente, colegas, que foram fazer estudos no Panamá. Sujeito que chegou na polícia do exército e fez tortura. Conhecidos, porque eu não fui amigo desses caras. Mas eles estavam soltos, absolutos, pensando que a revolução (a ditadura militar) ia durar eternamente.


Época – E o senhor acha que essa cultura permanece ainda hoje?


Lima – Olha, ninguém foi para a cadeia porque torturou e ninguém morreu por causa disso.


Época – Quais são os principais desafios das Forças Armadas hoje?


Lima – Hoje as Forças Armadas estão fazendo o que devem fazer: defender a Amazônia, o mar, o Brasil.


Época – O senhor participou da Segunda Guerra Mundial e se recusou a participar do golpe de 1964. Que princípios guiaram sua carreira como militar?


Lima – Eu entrei nas Forças Armadas no dia 31 de março de 1939. Nesse dia, recebi uma carta de meu pai, juiz, em que ele dizia: “Sê um patriota verdadeiro e não te esqueças que a força somente deve ser empregada ao serviço do Direito. O povo desarmado merece o respeito das Forças Armadas”. Essa carta norteou toda a minha trajetória. Já me perguntaram se eu era comunista. Eu nunca fui comunista, eu fui brasileiro, fui defender o meu país e continuo defendendo.

Fonte: Revista Época

9 Comentários

  1. 1maluquinho disse:


    perfeito malukete,visão realista e pragmatica dos fatos, assino em baixo,assim como o que foi dito pelo Nelson de Azevedo Neto tambem.

  2. Que bom seria se tivessemos FFAA comandadas por Oficiais Generais da estirpe do Major Brigadeiro do Ar, Sr. Moreira Lima, um verdadeiro democrata e Acima de tudo um grande Brasileiro. É sem dúvida, um Homem preparado, com dna de guerreiro, digno da farda que usou, ao longo de sua brilhante carreira. Este destemido e honrado militar espelha os ideais da nação brasileira que deveria ser encontrado nas fileiras das FFAA, do recruta aos oficiais generais. Parabéns Sr. Rui Moreira Lima, MAJOR-BRIGADEIRO DO AR, pelas excelentes declarações e nos dar um alento de que ainda existem oficiais generais BRASILEIROS!!!.
    Beto, parabéns pelo seu comentário, bastante lúcido; também pelo senso de humor, também gosto de boas piadas!!!
    Um abraço

  3. Esse militar sozinho vale por TODOS os que assinaram o manifesto dos generais de pijama. Não há um único militar no Brasil seja da reserva ou da ativa que tenha mais autoridade moral que o Major Brigadeiro Rui Moreira Lima.

  4. Chego a sentir nojo de ler comentários de pessoas que não tem a dignidade das fezes do cachorro do Major Brigadeiro Rui Moreira Lima criticando o mais digno e combativo herói de guerra vivo no Brasil. Ainda bem que o Brasil escolheu a Comissão da Verdade e rejeitou os generais de pijama. E vai rejeitar de novo. A única coisa ruim da internet é que as pessoas podem tecer os comentários mais indignos sem medo de nada. Essa turma que critica a Comissão da Verdade teria medo de um debate ao vivo sobre o tema porque são covardes como os torturadores.

  5. Essa estoria “Comissao de Verdade” soa para mim que esta fora do pais, como uma tentativa de desviar atencao publica de alguma coisa que esta preocupando o governo federal. E eu creio que que a crise economica do capitalismo mundial comecando afetar a economia brasileira. Existe precedentes. Na Africa do Sul, os negros vendidos, que tomaram o poder apos a derrota dos defensores do apartheid, criaram uma “comissao de verdade” precisamente para desviar a atencao popular das traicoes que estavam cometendo. Isto e parando o processo revolucionario antes que as masss africanas tivessem conseguido seus objetivos final que era criar as bases para uma Africa Socialista. Os negros na direcao dos processos revolucionarios trairam as massas africanas e fizeram compromisso com os racistas. Dai essa comissao de verdade. Dai a exclusao de Winnie Mandela. Na Argentina a mesma coisa. O regime esta em crise economica, nao tem alternativa mas seguir os ditados que lhes impoem os imperialistas e a burguesias nacioanal argentina, dai essa comissao. Manda prender um general ou outro, ja aposentados, e portando gente ao pe da cova. O objetivo nao e justica, impossivel de qulquer maneira de ser atraves desse tipo de tribunal, mas propaganda. No Brasil esta ocorrendo o mesmo processo. Quando os militares abandonaram o poder, foi o momento para trazer os torturadores a uma justica popular. Se o PT, PCB, PCdoB, Polop, Morenistas, Lambertistas, Posadistas, etc realmente fossem revolucionarios, nao teriam parado o processo revolucionario antes que este tivesse atingido seu climax. E este so podia ser umaconfrontacao final entre as Forcas Armadas defensores do sistema burgues imperialista e as forcas populares. Mas nao. Desde o inicio Lula e sua gente estavam dizendo que o movimento popular que surgiu contra o regime militar nao ultrapassaria o sistema capitalista. Era um movimento pro-democracia. Um movimento que ainda que teve oportunidade para criar um novo sistema social no Brasil, com uma Nova Forca Armada baseada nos escombros daquela que poderia ter sido derrotada, como ocorreu na Russia em 1917, optou concientemente pela manutencao do status quo, e portanto permitiu que o exercito entao desmoralizado, se retirasse para os quarteis a fim de se recomporem e melhor se preparar para quando uma nova oportunidade surgir, retomar o poder e com maior eficiencias poder mante-lo. O momento de justica, que nunca teria sido atravez dessa farsa chamada “comissao de verdade” ja passou. Nao sou sanguinario, oxala, os que creem que o capitalismo no Brasil sera diferente, estabelecera um paraiso terrestre no sul do equador estejam certos. Enquanto a crise nao atingir o Brasil, de uma forma violenta que torna o sistema democratico inviavel, nao ha porque tentar ressucitar defunto, que e o que essa comissao de verdade esta aparecendo para mim. Ha, mas Dilma necessita desviar a concentracao popular de seus fracassos administrativos, e de sua bajulacao a Obamas, onde ela parece esta seguindo a mesma politica pro americana que aqueles que ela agora quer mandar prisao estavam seguindo durante o regime militar: O que e bom para os EUA e bom para o Brasil. O Olavo do Blue Eyes pode querer matar uma mesma pessoa comunista duas vezes ou mais. Ouvi uma sua palestra no Youtube, quando diz que o arquiteto Niemar, o criador de Brazilia, deveria ser assassinado duas ou trez vezes. Mas eu creio que nao faz sentido fora do fator propagandista, esse tipo de tribunal.

  6. PQP!!! Tai!!! jojo, um comunista de verdade, mas que falou exatamente o que esta acontecendo… o PT esta jogando para a sua galera de idiotas uteis para que não percebam que a “vaca foi pro brejo, mas antes disso, farinha pro meu pirão que a festa acabou”… PIB a 2,7%… RSRSRSRSRSRSRSRSRSRSR… nem o perdeuquistão tem um indice de crescimento tão pífio… RSRSRSRSRSRSRSRSRSR… qndo não fazemos a coisa certa, o melhor é arrumar logo um culpado… esquerdistas idiotas… RSRSRSRSRSRSRSRSRSRSRSRS…

  7. Os dois extremos da ferradura ideológica fazem uma parceria boa, como se fossem uma dupla sertaneja afinada. Ajudaria se soubessem quando foi que os partidos de esquerda abriram mão do centralismo democrático no Brasil e numa aliança com o centro promoveram a maior redução da desigualdade social já vista no país. E com o pibinho 2,7% (maior que muita gente com doutorado não conseguiu quando fazia o papel de capacho na presidência) ainda estamos no pleno emprego e nem vale entrar no jogo da chantagem que a dupla mídia-banca aplicou para manter nossos juros artificialmente inflados em favor deles.

  8. André, a dupla midia-banca são os donos do partidão… ou vc não sabia?… ingenuos uteis ou vendidos ao partidão?…

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