O Futuro da Guerra e da Geopolítica? Parte 2 (Geopolítica, Estado e Governo)

 

Autor- De leon Petta para o Plano Brasil

Na primeira parte destacamos as quatro dificuldades de grandes guerras em escala total no pós-Segunda Guerra (o fator Nuclear, o custo militar, a complexidade além-militar e as mudanças demográficas).

Mas antes de entrarmos na principal estratégia que os Estados desenvolveram para “burlar” essas travas precisamos ver como funciona rapidamente algumas coisas, como a Geopolítica, o Estado e o Governo.

Geopolítica, Estado e Governo

Uma das coisas mais comuns e desanimadoras que observo não apenas em estudantes, mas pasmem em professores, é não saber a diferença entre Estado e Governo. E o pior não apenas no Brasil, mas também observei isso em outros países. De fato, para cidadãos de alguns países como China até entendo a dificuldade em separar as duas coisas, contudo, vi isso também na Europa e nos Estados Unidos (e obviamente no Brasil). Saber separar política de governo de política de Estado é algo fundamental para o geopolítico, pois a geopolítica trata de ESTADO que são situações: 1- em sua maioria permanentes; 2- sua mutação se dá de forma lenta e gradual; 3- não está submetida a interesses temporários; 4- “forças invisíveis” impulsionam aquele grupo ou país a obrigatoriamente ter que lidar com essa realidade; 5- está diretamente ligada a geografia; e finalmente 6- são interesses vitais para o Estado, ou seja, são a confluência simultânea de aspectos econômicos, políticos e militares.

Veja bem, ao falarmos da Geografia (QUE É O FUNDAMENTO) na GEOpolítica, NÃO estamos falando em olhar um mapinha qualquer onde o Brasil está toscamente pintado de amarelo, a Bolívia de verde, o Paraguai de Vermelho e etc.

Estamos falando na Geografia como um TODO. Ou seja, posição das montanhas, altura dessas montanhas, posição dos rios, características desses rios, posição de platôs, onde estão desertos, que tipo de desertos, onde está concentrada a população, o clima, as variações climáticas anuais, o tamanha da costa marítima, as características dessa costa marítima, influência das correntes marítimas, se há ou não florestas, como são essas florestas, a altitude da região, se a região é ou não fértil, onde estão as indústrias e o por que, onde está o setor agropecuário e o porque, as divisões étnicas ou culturais internas, etc. etc. e etc. Olhar um mapa genérico e achar que já sabe as “direções” de um país não é geopolítica de qualidade.

Por isso as políticas do governo eventualmente até influenciam a Grande Geopolítica, mas pouco e de forma pontual.

Por exemplo, por mais maluco e centralizador que eventualmente um líder de governo japonês seja, o Japão ainda será um arquipélago, terá uma política direcionada aos interesses navais e aconteça o que acontecer terá que lidar com China, Coreias e Filipinas. Porém, a forma de COMO irá ser feita essa relação e os MEIOS para atingir eventuais objetivos é que vão variar, ou seja, isso serão as políticas de governo.

Ou seja, falando de forma infantil. O Governo é a roupa que o Estado usa. Ele pode trocar de roupa, mas mudar o corpo demora e é bem mais difícil.

Outra coisa importante é que saber que o Governo NÂO é uma coisa só. Mas está ocupado por um conjunto de grupos que podem ou não ter os mesmos interesses, embora, normalmente eles competem entre si por N fatores como acesso ao orçamento, influência e etc.

Esta noção se faz importante, pois quando olharmos como se dá essa cooperação entre forças do Estado nacional com organizações terroristas ou criminosa, será fácil cair em Teorias da Conspiração que eventualmente não poderão ser provadas. Estas cooperações com estes organismos quase nunca envolvem a estrutura inteira do Estado, mas grupos dentro dos governos (governos dentro dos governos), ou melhor, dizendo o famoso “Deep State”.

Esse conceito de “Deep State” é frequentemente ou exagerado ou ignorado, justamente por estar associado a teorias da conspiração. E de até com razão tendo em vista os papos e textos que geralmente estão envolvidos.

Esse tal de Deep State longe de ser uma conspiração global de Illuminatis ou Ets para dominação mundial, na verdade é algo desanimadoramente mais simples e trivial mas também desanimadoramente difícil de enfrentar. O Deep State nada mais é do que núcleos de funcionários públicos que estão em cargos estratégicos e não eletivos. E que por estarem há muitos anos nesses cargos possuem influência, uma vasta rede de contatos e uma quantidade enorme de informações, eles não podem ser facilmente substituídos sem colocar em risco o próprio funcionamento do Estado. Assim, entra e sai governo, as novas lideranças tem que lidar com esses funcionários públicos e mesmo que decidam muda-los ou substitui-los, terão de fazer aos poucos, pois em alguns casos a própria burocracia do Estado ficou dependendo da atividade dessa pessoa.

Vamos citar como exemplo o Coronel Oliver North envolvido no escândalo do Irã-Contras (posteriormente irei entrar em detalhes). Ainda que houvesse enormes desconfianças e desafetos por parte de congressistas norte-americanos e outras agências rivais, principalmente a DEA, sobre as atuações controversas de Oliver North na América Central. A substituição rápida e forçada dele colocaria em risco uma série de operações dos Estados Unidos na América Central. Afinal, o Coronel era a ponte de conexão com uma vasta rede de informantes além de ser o único (ou na melhor das hipóteses, um dos poucos) que sabia de várias informações cruciais.

Ou seja, não era O Governo dos Estados Unidos envolvido no escândalo, mas sim, algumas PARTES do Governo. Ao passo que OUTRAS PARTES do governo não concordando com aquilo abriram inquéritos e fizeram o que puderam pra evitar as atuações de Oliver North. Até que após algum tempo, ele finalmente foi substituído.

Perceba que a menos que estejamos falando de uma revolução, este quadro de funcionários será difícil de ser substituído por completo ou de forma rápida.

 

Sobre o Autor:

De Leon é Autor associado ao Plano Brasil e Professor das Faculdades Integradas Rio Branco. Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo. Com estágio sanduíche na Virginia Commonwealth University (Estados Unidos) e University of Hong Kong (China). Tem experiência na área de Geopolítica e Crime Organizado.