Desafios Geopolíticos no Leste Asiático: Tensões, Disputas e a Ascensão da China

Autores
E.M.Pinto & Jin –  Plano Brazil


Prefácio

Disputas territoriais, animosidades históricas, forças armadas poderosas e armas nucleares constituem uma geopolítica de alto risco na região do leste asiático, cenário desta análise.

À medida que a China se tornou mais poderosa económica e militarmente, esta nação procurou afirmar o seu domínio em todos os campos que vão desde o comércio até instituições internacionais como as Nações Unidas. A grande nação asiática também tem sido mais assertiva na apresentação das suas reivindicações especialmente as referentes ao Mar da China Meridional.

Para os demais vizinhos geográficos, lidar com uma China em ascensão é uma grande preocupação, um desafio para décadas e isto tem se mostrado um grande problema especialmente para os países do Sudeste Asiático que constituem coletivamente a Associação das Nações do Sudeste Asiático conhecido como o (ASEAN).

Associação fundada para promover a paz na região, a ASEAN conseguiu impedir até o momento que qualquer Estado Membro desta associação de nações ingressasse em um conflito militar desde a sua fundação, mesmo quando as abordagens discordam das da Chinesa, maior potência desta região.

Diante desta realidade este artigo abordará alguns dos pontos relevantes que envolvem a geopolítica naquela região do planeta.


ASEAN e a difícil consolidação

A Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) tem como objetivo promover a segurança, a prosperidade e a colaboração em toda a região. Até o momento, a ASEAN tem sido eficaz em cumprir sua missão de evitar conflitos entre seus países membros. Contudo, o grupo enfrenta desafios para estabelecer um consenso sobre sua relação com a China, que é o maior parceiro comercial da região.

Alguns membros, como o Camboja, recentemente se aproximaram da China, buscando investimentos e equipamento militar chineses. No entanto, outros países, como o Vietnã, mostram relutância em aceitar a crescente influência chinesa na região, expressando preocupações sobre a possível dominação chinesa das principais rotas comerciais no Mar do Sul da China. Alguns países do Sudeste Asiático, incluindo as Filipinas, solicitaram o apoio dos Estados Unidos para proteger a liberdade de navegação em águas regionais.

A ASEAN requer unanimidade em votações de seus membros para tomar decisões sobre qualquer questão. Diante das divergências internas, a ASEAN enfrenta a necessidade de buscar outros meios para resolver disputas entre seus membros até que consensos sejam alcançados.

Instabilidade e corrida armamentista

A região do Leste Asiático abriga algumas das forças armadas mais robustas do planeta, destacando-se países como China e Coreia do Norte, ambos detentores de armas nucleares entre os nove países com tal capacidade. Surpreendentemente, até a pequena Singapura mantém uma força aérea e marinha poderosas, com requisitos de serviço militar obrigatórios para cidadãos do sexo masculino.

O contínuo fortalecimento e aprimoramento das forças armadas chinesas, com um orçamento anual declarado como superior a US$292 bilhões, o segundo do planeta, contrastam ainda com o gigantesco orçamento militar anual dos Estados Unidos, que ultrapassa os 887 bilhões de dólares.

Os EUA, como detentores das forças armadas mais poderosas da região, desempenham um papel crucial na segurança de seus aliados, como Austrália, Japão, Filipinas e Coreia do Sul. Contudo, a região é marcada por intensas disputas territoriais entre vizinhos poderosos, a crescente assertividade chinesa e incertezas em relação ao compromisso dos EUA, tem experimentado uma crescente instabilidade nos últimos anos. Esses elementos convergentes contribuem para uma situação com implicações significativas para a segurança global.

Coreia do Norte  e a segurança regional e global

Apesar de sua dimensão reduzida e situação econômica precária, a Coreia do Norte emergiu como uma ameaça significativa à segurança regional e global, impulsionada pelo desenvolvimento de seu programa nuclear e regime ditatorial.

A posse de armas nucleares tornou-se crucial para proteger a dinastia Kim no poder, servindo como um elemento dissuasivo contra intervenções estrangeiras e fortalecendo a posição da Coreia do Norte em futuras negociações sobre a reunificação da Península Coreana.

Diversos países, como Estados Unidos, China e Japão, empreenderam esforços de negociação para conter o programa nuclear norte-coreano, no entanto, essas iniciativas resultaram repetidamente em fracassos.

Especialistas expressam preocupações quanto à possibilidade de um erro de cálculo ou a rápida escalada das tensões, potencialmente levando a Coreia do Sul e Japão a buscar armas nucleares, desencadeando assim uma perigosa corrida armamentista na região. Essa situação aumenta o temor de um possível uso de armas nucleares pela Coreia do Norte, que demonstrou capacidade de atingir extensas áreas do território dos Estados Unidos.

Ao longo dos anos, as tensões envolvendo os testes nucleares da Coreia do Norte têm sido uma fonte constante de preocupação e instabilidade na arena internacional. Diversos eventos significativos marcaram essa trajetória:

  1. Teste Nuclear de 2006: A Coreia do Norte realizou seu primeiro teste nuclear em outubro de 2006, desafiando as proibições internacionais e a condenação global. Esse evento marcou o início de uma série de ações provocativas.
  2. Série de Testes em 2016-2017: A Coreia do Norte intensificou sua atividade nuclear durante esse período, realizando múltiplos testes em rápida sucessão. Esses eventos desencadearam fortes reações da comunidade internacional, incluindo resoluções condenatórias das Nações Unidas e sanções adicionais.
  3. Teste da Bomba de Hidrogênio em 2017: Em setembro de 2017, a Coreia do Norte afirmou ter testado com sucesso uma bomba de hidrogênio, um avanço significativo em sua capacidade nuclear. Essa ação levou a uma escalada nas tensões, com ameaças retóricas entre o líder norte-coreano Kim Jong-un e o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
  4. Diálogo Intercoreano e Suspensão Temporária: Em 2018, houve uma notável mudança no clima diplomático com a realização de cúpulas históricas entre Kim Jong-un e os líderes da Coreia do Sul e dos Estados Unidos. Esses encontros resultaram em compromissos vagos de desnuclearização, mas a suspensão temporária dos testes nucleares.
  5. Retorno aos Testes em 2019-2020: Apesar dos esforços diplomáticos, a Coreia do Norte retomou os testes nucleares em 2019, demonstrando sua insatisfação com a falta de progresso nas negociações. A realização de testes de mísseis balísticos de longo alcance aumentou as tensões regionais.
  6. Continuidade em 2021 e Alívio em 2022: O ano de 2021 viu a Coreia do Norte realizar testes adicionais, incluindo mísseis balísticos lançados a partir de submarinos. Entretanto, em 2022, houve indícios de uma pausa nos testes nucleares, alimentando esperanças de retomada do diálogo internacional.

As disputas do Mar do Sul da China 

O Mar da China Meridional, uma rota estratégica vital e rica em recursos como o gás natural, testemunha anualmente um movimento comercial que ultrapassa os 3 trilhões de dólares. Seis nações asiáticas estão imersas em disputas acirradas relacionadas às pequenas ilhas desabitadas e às águas circundantes. As alegações da China sobre o Mar do Sul da China são delineadas pela controversa linha de nove traços, abrangendo cerca de 70% dessa vasta extensão marítima, uma afirmação que é amplamente contestada por todos os países vizinhos.

A fim de reforçar sua presença, a China empreendeu a construção de ilhas totalmente novas na região, equipando-as com pistas de pouso, instalações militares e portos. Em resposta a essas ações, os Estados Unidos deslocaram navios para a área, defendendo a liberdade de navegação e argumentando que as águas em questão são de natureza internacional, não pertencendo a nenhum país específico. As Filipinas também levaram a questão a um tribunal internacional, que julgou que a linha de nove traços proposta pela China carecia de validade legal.

O resultado desse veredicto contribuiu para transformar o Mar da China Meridional em uma das regiões mais disputadas, evidenciando a relação tensa entre a China e muitos de seus vizinhos. Isso também ressalta a possibilidade de envolvimento dos Estados Unidos em um conflito, caso as tensões continuem a se intensificar.

Senkaku/Diaoyu e as relações China-Japão

Em 2010, uma embarcação de pesca chinesa colidiu com dois navios-patrulha japoneses nas proximidades de um conjunto de ilhas rochosas e desabitadas no Mar da China Oriental.

O Japão deteve os pescadores chineses, desencadeando protestos em larga escala na China, onde as pessoas clamavam “Oponham-se ao Japão, China para sempre!” Como parte de sua resposta, a China chegou a bloquear as exportações para o Japão de minerais de terras raras, essenciais para a fabricação de carros e mísseis.

O incidente teve um impacto profundo em ambos os países, pois ocorreu em território disputado. No Japão, as ilhas em questão são denominadas Ilhas Senkaku; a China as refere como Ilhas Diaoyu. Ambas as nações reivindicam a soberania total sobre essas ilhas, visando controlar as vastas reservas de petróleo e gás no Mar da China Oriental.

Um componente histórico também está presente, uma vez que o povo chinês é sensível ao que considera ser a ocupação contínua do território chinês pelo Japão, que colonizou grande parte da China antes da Segunda Guerra Mundial.

Para complicar ainda mais a situação, qualquer disputa militar sobre as ilhas envolveria os Estados Unidos, vinculados pela obrigação de defender o Japão, conforme estabelecido pelo tratado de aliança entre as duas nações.

 Ilhas Curilas e as tensões entre  Rússia e Japão 

Uma das mais antigas porém acesas disputas territoriais da região envolvem o Japão e Rússia e está relacionadas à um conjunto de pequenas ilhas pouco habitadas no arquipélago conhecido como Ilhas Curilas.

Desde a Segunda Guerra Mundial, a Rússia mantém controle total sobre toda a cadeia, estabelecendo portos e bases militares nas ilhas em disputa. Essa condição proporciona à Rússia o domínio sobre o Mar de Okhotsk, ampliando sua capacidade de projeção de poder militar em toda a região.

Contrapondo-se a isso, o Japão argumenta que algumas das ilhas mais ao sul da cadeia são historicamente território japonês sob ocupação russa. Muitos políticos conservadores japoneses têm utilizado a perda dessas ilhas como uma oportunidade para angariar apoio em favor de um fortalecimento das forças armadas.

A resolução desse impasse determinará qual das partes, seja a Rússia ou o Japão, e seu aliado, os Estados Unidos, alcançará uma posição mais robusta no cenário do Pacífico.

Quem para o dragão?

Os intentos da China em consolidar sua influência na região têm enfrentado resistência em diversos outras nações que não somente dos Estados Unidos.

Em Taiwan, protestos eclodiram em 2014 contra um acordo comercial com a China, alegando que tornaria a ilha excessivamente dependente economicamente e, portanto, politicamente vulnerável a Pequim.

À primeira vista, Taiwan aparenta ser um país independente, com governo próprio, exército e moeda. No entanto, Pequim sustenta que Taiwan é uma província chinesa, mantendo a opção de usar a força contra a ilha caso esta declare formalmente independência.

As forças armadas chinesas superam significativamente as de Taiwan, e a modernização destas visa desenvolver capacidades para uma eventual contingência relacionada a Taiwan. Diante dessa realidade, Taiwan tem buscado estreitar laços com os Estados Unidos para assegurar sua segurança, sendo que os EUA vendem armas avançadas à ilha. Contudo, mesmo essa parceria não garante a total proteção de Taiwan, uma vez que os Estados Unidos mantêm uma política de ambiguidade sobre se defenderiam Taiwan em caso de ataque chinês.

Mas não é só em Taiwan que este problema tem sido alardeado, no Vietnã, manifestantes opuseram-se aos planos do governo de permitir que investidores chineses arrendassem terras vietnamitas por noventa e nove anos. Até em locais distantes como a Austrália, houve protestos contra a crescente influência chinesa nos assuntos internos.

Na Austrália especificamente, afiliados do Partido Comunista Chinês doaram milhões de dólares a partidos políticos e candidatos australianos, pressionaram jornalistas a cancelar histórias críticas à China e mobilizaram estudantes chineses na Austrália para defenderem o Partido Comunista.

Esses eventos evidenciam as tensões presentes nas relações entre a China e muitos outros países da região, mesmo quando os governos buscam se aproximar da China visando benefícios econômicos.

Análise

A região do Leste Asiático encontra-se imersa em desafios complexos e de alta magnitude, moldados por disputas territoriais, rivalidades históricas e crescente militarização. O protagonismo da China como uma potência econômica e militar emergente tem gerado preocupações significativas entre os países vizinhos, notadamente os membros da ASEAN, cuja missão histórica de promover a paz enfrenta novos desafios.

A militarização intensificada na região, com forças armadas poderosas e a presença de armas nucleares, representa uma ameaça à estabilidade. O programa nuclear da Coreia do Norte, em particular, é uma fonte de inquietação global, elevando o espectro de uma corrida armamentista nuclear. Enquanto Taiwan continua a ser uma questão de tensão entre independência e integração chinesa, o Mar da China Meridional testemunha contendas territoriais acirradas, exacerbadas pela assertividade chinesa e pela resposta dos Estados Unidos.

Disputas históricas, como as envolvendo Japão, China e Rússia, complicam ainda mais o cenário, ameaçando a estabilidade regional e envolvendo potencialmente os Estados Unidos em conflitos. A resistência à influência chinesa é evidente em protestos e tensões diplomáticas, com a ASEAN enfrentando dificuldades para estabelecer uma posição unificada em relação à China.

Além dos desafios geopolíticos, a região enfrenta uma vulnerabilidade crescente às mudanças climáticas, com ameaças imediatas para populações costeiras e países insulares. Em contrapartida, a China busca adaptar-se estrategicamente ao derretimento do gelo no Ártico, aproveitando novas rotas marítimas e expandindo sua presença em uma fronteira até então inexplorada.

Em última análise, a dinâmica na região do Leste Asiático reflete um equilíbrio delicado entre interesses divergentes, desafios ambientais e a busca por influência geopolítica. À medida que os atores regionais e globais buscam navegar por essas complexidades, a estabilidade e segurança na região permanecem temas centrais, com implicações significativas para a ordem mundial.