O Brexit e a paz na Europa

Para a UE, esta semana é decisiva. Os britânicos votam, enquanto os alemães enfrentam um dilema. E decisões erradas podem ter consequências fatídicas e duradouras, opina Dagmar Engel, chefe da sucursal de Berlim da DW.

Guerra e paz na Europa: isso é o que está em questão no referendo desta quinta-feira (23/06), sobre a eventual saída do Reino Unido da União Europeia. No governo alemão, em que europeus convictos e experientes são maioria, sabe-se disso – só que não se pode dizê-lo em voz alta. Uma amarga amostra do que espera os alemães e os demais europeus: numa questão de importância existencial para todos, só os habitantes do Reino Unido votam, os demais nada têm a dizer.

O governo Angela Merkel sente esse dilema de forma especialmente pronunciada. Ele sabe ter o apoio da maioria dos alemães, de forma como raramente se vê. Mas não importa o que os ministros alemães e a própria chanceler federal digam: é praticamente certo que será usado contra eles e contra a UE no Reino Unido germanófobo.

O ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, tido como linha-dura – basta perguntar aos gregos – resumiu esse dilema numa triste frase. Quando indagado, em março, em Londres, sobre o que a Alemanha faria, se os britânicos se retirassem da UE, disse: “A gente choraria.”

Angela Merkel se impôs um voto de silêncio público na questão do Brexit. Ouve-se pouco mais do que a formulaica asseveração de que todos em Berlim concordam que o Reino Unido é parte da União Europeia – sempre acompanhada da observação que cabe aos britânicos decidir.

Mas, num momento em que não há nenhum microfone por perto, escapam à chefe de governo palavras mais claras: seria “um horror”, se houvesse um Brexit.

De chorar e um horror. Não só no aspecto econômico, os custos da saída seriam elevados para todos, de Londres e Manchester até Paris, Berlim e Varsóvia – sobretudo dentro o Reino Unido.

Que o Brexit é uma idiotice econômica, disso já desconfiam até mesmo os seus defensores. Por isso, no momento seus argumentos visam, acima de tudo, as emoções, o retorno ao que é nacional, por supostamente ser autárquico e mais simples. E nesse ponto eles se encontram com os populistas de direita da Europa, seus irmãos e irmãs em espírito. Nacionalistas de todos os países, uni-vos – para separar-vos.

Horror mesmo poderiam ser as consequências políticas de um Brexit. A Europa da CECA, da CEE, da CE e da UE foi e é – apesar de todo o papo da historicamente amnésica geração dos voos baratos – um projeto de paz. Em última linha, não se trata de carvão, mas sim de canhões.

O difícil equilíbrio só é possível se todos os grandes Estados europeus participam no quotidiano, com todas as grandes questões e os muitos pequenos detalhes que ele traz. Uma Europa da UE sem Londres geraria um descompasso: Berlim seria colocado numa posição de dominância que não quer e com que não é capaz de arcar. O ministro alemão das Finanças já vivenciou em que isso pode resultar. Pergunte-se novamente aos gregos: a Alemanha está desacreditada de agir no interesse da Europa.

Na primeira metade do século 20, as questões europeias primeiro trouxeram guerra. Na segunda – também graças aos acordos de Roma, Maastricht e Lisboa – elas trouxeram tanta paz, que ela já parecia coisa garantida. Mas não é: soluções militares voltaram a ser socialmente aceitáveis, ocorrendo por todo o Leste Europeu.

Não em três, nem em cinco, mas talvez dentro de 30 anos pode ser que navios de guerra inimigos estejam novamente cruzando o Canal da Mancha. Isso porque, lá em 2016, sem necessidade, as perguntas erradas receberam a resposta errada. E ninguém no governo alemão pode dizer isso em voz alta, agora.

Fonte: DW

Como o Brexit afetaria também a América Latina

A poucos dias de referendo, especula-se sobre consequências de uma saída do Reino Unido da UE para economia latino-americana, levando em conta volumes de importação e exportação e acordos comerciais com o bloco europeu.

Às vésperas do referendo que deve decidir o futuro do Reino Unido na União Europeia (UE), o mundo aguarda com grande expectativa o desfecho da votação. Também na América Latina teme-se que um Brexit (saída do Reino Unido da UE) tenha consequências.

Em primeiro lugar, os acordos de livre-comércio vigentes entre o bloco europeu e México, Chile, Peru e Colômbia deixariam de valer no Reino Unido. Ou seja, os britânicos não teriam mais nenhum tratado comercial com países latino-americanos.

Como negociações comerciais costumam se estender por muito tempo, no curto prazo, as trocas com os países da América Latina poderiam diminuir. No longo prazo, a negociação de acordos com cada país poderia ser mais difícil do que com a UE como bloco. Por outro lado, os governos latino-americanos poderiam exigir do Reino Unido mais concessões do que as que conseguiriam obter da União Europeia.

Nos países com os quais o bloco europeu não tem acordos comerciais, incluindo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, um Brexit poderia ter efeito no caso de uma desvalorização da libra em relação ao dólar, prevista por economistas e que poderia baratear as exportações britânicas. Por outro lado, nos muitos países latino-americanos que desvalorizaram suas moedas frente ao dólar, o efeito seria menor.

Comércio exterior

Outro aspecto importante das relações comerciais entre Reino Unido e América Latina são os volumes em jogo, independentemente da existência ou não de trados de livre-comércio com a União Europeia. Peguemos como exemplo as duas maiores economias latino-americanas, Brasil e México.

Para o Brasil – com quem a UE não tem acordo de livre-comércio, por exemplo – o Reino Unido exporta 4 bilhões de dólares em bens e serviços por ano, e importa outros 4,2 bilhões de dólares. Antes da crise, em 2014, as exportações totais do Brasil somaram 225 bilhões de dólares, e as importações, 229 bilhões de dólares. Isso significa que a participação do Reino Unido nas exportações brasileiras é de apenas 1,6%, e nas exportações, de 1,8%.

Já para o México – com quem a UE tem acordo de livre comércio –, o Reino Unido exporta cerca de 2,2 bilhões de dólares por ano em bens e serviços, e os importa do México por cerca de 1,8 bilhão de dólares. Em 2014, as exportações totais do país americano somaram 410 bilhões de dólares, e as importações, 400 bilhões de dólares. Ou seja, a participação do Reino Unido nas importações mexicanas é de apenas 0,5%. Como destino das exportações mexicanas, a participação britânica é ainda menor, de 0,4%.

A parcela representada pelo Reino Unido no comércio exterior com esses dois países é, portanto, pequena, e, por isso, um Brexit passaria praticamente despercebido nas duas grandes economias latino-americanas. Nos demais países da região, os volumes de exportação e importação britânicos são ainda menores.

Novas prioridades

Para evitar alterações nos fluxos comerciais hoje decisivos para a economia britânica, o Reino Unido deverá negociar acordos com a UE e com países não pertencentes ao bloco, como Estados Unidos, Índia, China, Japão e Austrália.

É provável que essas negociações tenham prioridade para o Reino Unido, e não a América Latina. Isso porque mais da metade do comércio britânico é realizado com a UE, e o comércio com outros 60 países estão regulamentado por acordos fechados por meio do bloco europeu.

Fato é que, dado o volume pequeno de comércio entre o Reino Unido e os países latino-americanos, é improvável que estes fiquem mais relevantes para os britânicos no caso de um Brexit. Afinal, os tempos em que o Reino Unido tinha um grande peso econômico na América Latina ficaram há muito tempo no passado.

Fonte: DW

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