Desafios e dilemas do enfrentamento ao Estado Islâmico

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Por Antonio Henrique Lucena Silva*

Os últimos atentados terroristas perpetrados pelo grupo autodenominado “Estado Islâmico” em Paris, França, no dia 13 de novembro deixou 130 mortos e outra centena de feridos. A materialização desse ataque levantou dúvidas sobre a eficácia do setor de inteligência francês que não conseguiu prever os golpes desferidos contra a casa de shows Bataclan, o Stade de France e outros pontos da cidade. O massacre dos 12 cartunistas do semanário Charlie Hebdo, no dia 7 de janeiro, realizado pelos irmãos Said e Cherif Kouachi, e outra investida, no mesmo dia, ao um supermercado Kosher da comunidade judaica também foram reivindicados pelo grupo extremista. A organização terrorista assumiu a autoria do atentado a bomba que derrubou o avião russo na península do Sinai.

Esses recentes movimentos do grupo ilustram uma capacidade de projetar dano além da área em que ele está inserido, o Iraque e partes da Síria, para outras localidades. O Estado Islâmico se tornou um desafio global. Estados Unidos, Europa e Rússia possuem estratégias diferentes, e divergentes, para enfrentar o grupo na região onde atua. Embora esses países tenham interesses geopolíticos diversos na guerra civil síria e no gerenciamento da situação, fica latente a necessidade de uma articulação dos governos para fazer frente a essa ameaça. O somatório do poder militar de Rússia, EUA, França, Reino Unido e Irã é um ativo importante que deve ser empregado para atacar o Daesh. Durante a 2ª Guerra Mundial, a aliança improvável entre URSS, EUA e Inglaterra se tornou uma realidade devido a um inimigo-comum: a derrota que deveria ser imposta ao nazi-facismo era maior que as diferenças entre eles. Um alinhamento entre esses estados é imperiosa na atualidade. Mas a pergunta que permanece é: como enfrentar de forma adequada esse ator não-estatal (apesar do nome, o EI não é um estado) das relações internacionais?

O combate ao terrorismo ao longo da história e esse início de ataques ao EI trazem algumas evidências. Primeiramente, os ataques aéreos de EUA, França e Inglaterra foram importantes para frear o avanço territorial do Daesh no Iraque. Na Síria, eles ainda controlam uma boa parte da banda oriental do país. A Rússia, depois do ataque ao Airbus que vitimou cidadãos do seu país, empreendeu contínuos ataques aéreos com aviões Su-25, Su-24, Su-30, além de bombardeiros pesados Tu-22 em qualquer lugar que os terroristas busquem refúgio. Essa estratégia de bombardeio é necessária para evitar que o grupo se fortaleça e o coloca na defensiva. Uma articulação das campanhas aéreas de Washington, Paris, Londres e Moscou contribui para o enfraquecimento do adversário.

Um pequeno grupo de forças especiais ocidentais já estão em operação no Iraque. Para se derrotar militarmente o EI, em algum momento será indispensável um contingente de tropas em combate direto. No entanto, essa opção se mostra difícil de se concretizar no curto prazo. Os estados estão relutantes em colocar “botas” na região devido ao custo político desse processo. Ano que vem haverá eleições presidenciais nos Estados Unidos e algum equívoco pode servir de munição para a oposição republicana. Potências regionais como a Arábia Saudita preferem continuar suas lutas por influência, como o bombardeio incessante aos rebeldes houthis que o país têm feito do que engajar o grupo.

Para se combater o terrorismo, assim como a organização, apenas o braço militar é insuficiente. Associadas ao mano militar, uma estratégia mais ampla deve ser adotada contra os terroristas. Inviabilizar economicamente o EI é imprescindível. O grupo consegue fazer 40 milhões de dólares com a venda ilegal de petróleo e distribuição. Evitar que esse recurso chegue a mão dos extremistas é importante. Convém ressaltar que haverá um pós-guerra quando os embates cessarem. Preservar parte das instalações de refino para que possam ser usadas posteriormente para financiar a reconstrução dos países, negando sua utilização aos membros do Daesh é outro desafio a ser enfrentado. Diminuir o território do EI favorece que os terroristas tenham uma área menor para cobrar impostos (leia extorsão) de populações.

Identificar grupos de vulnerabilidade que possam servir de base de legitimação ao EI é outro desafio. Durante o longo conflito da Irlanda do Norte, os britânicos utilizaram de policiamento intensivo, boas fontes de inteligência, e em algumas vezes cooperação com a República da Irlanda. Mesmo esses métodos sendo usados não garantiram um sucesso imediato. Houve um reconhecimento que, em grande medida, o apoio dado ao Exército Republicano Irlandês (IRA) vinha da comunidade católica minoritária na Irlanda do Norte que tinha uma posição socioeconomicamente inferior, além de ter pouco poder político por gerações. As autoridades britânicas trabalharam para que houvesse uma maior emancipação da comunidade nacionalista, incluindo medidas econômicas e sociais. Ocorreu uma melhora dessas sociedades ao longo de duas décadas e isso possibilitou que o processo de paz se tornasse viável em meados dos anos 1990. O EI tem usado comunidades fragilizadas, seja na Europa ou no próprio Oriente Médio, como base de atuação para conseguir combatentes. Prometer glórias, vida de ação, dinheiro, respeitabilidade, entre outros incentivos seletivos, se tornou uma estratégia persuasiva eficaz no recrutamento. Trazer custos a entrada do grupo é um duelo entre as forças estatais que combatem o EI e o grupo em si.

Por último, o trabalho mais árduo e incerto: derrotar a ideologia. Mesmo que o grupo possa ser aniquilado militarmente, as suas ideias ainda podem permanecer. O fim da 2ª guerra mundial também marcou a derrocada no nazi-fascismo. Completa-se 70 anos do término do conflito bélico e, em algumas localidades, a ideologia do NSDAP persiste em ressurgir. A ascensão do fundamentalismo islâmico, ou islamofascismo, como conceituou o filósofo Slavoj Zizek, é fruto da queda de regimes seculares no Oriente Médio. Esses grupos buscam implantar a sua visão distorcida do Islã, como o Daesh está fazendo. Neutralizar essa vertente é outro problema.

A guerra civil síria já entra em seu quinto aniversário. Quando ela vai acabar? Não se sabe ao certo. Há inúmeras variáveis nesse caso. O conflito do Líbano durou 15 anos. Cessar as hostilidades naquele país parece ser a única saída para reduzir o movimento dos refugiados e, quem sabe, eles possam retomar as suas vidas com dignidade.

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* Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor de Relações Internacionais da Faculdade Damas da Instrução Cristã. Atua na área de Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política Internacional. E-mail para contato: antoniohenriquels@gmail.com.

Fonte: Vox Magister

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