Segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano, uma amostra será auditada durante dez dias. Decisão pretende “preservar um clima de harmonia”
Sob ânimos arrefecidos pela concordância do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano em auditar 100% dos votos das eleições do último domingo , a Venezuela assiste nesta sexta-feira à posse de Nicolás Maduro na Presidência do país.
Altos representantes de pelo menos 16 países, segundo o governo, estarão presentes na posse do chavista Maduro, entre eles alguns chefes de Estado, como a presidente Dilma Rousseff, a presidente argentina, Cristina Kirchner, e o presidente uruguaio, José Pepe Mujica.
A presença dos líderes sul-americanos foi uma tentativa dos governos regionais de trazer um pouco de estabilidade para uma situação que, ao longo da semana, chegou a ponto de explodir – antes que a oposição, que se recusa a reconhecer a vitória de Maduro , e o governo tomassem atitudes para arrefecer os ânimos.
Na madrugada desta sexta-feira, a mais significativa delas foi a concordância das autoridades eleitorais de auditar 100% das urnas eletrônicas usadas nas eleições venezuelanas de domingo.
Como procedimento padrão, 54% das urnas já são auditadas no próprio dia das eleições; a pedido da oposição, a partir da próxima semana, as 46% restantes passarão pelo mesmo processo, informou a presidente do CNE, Tibisay Lucena.
‘Selecionaremos uma amostra que será auditada durante dez dias, ao final de cujo lapso será entregue ao país um relatório do resultado’, explicou Lucena em uma cadeia de rádio e TV.
‘Este procedimento se repetirá em ciclos de dez dias, até completar 30 dias. Será realizada na presença dos técnicos designados pelos comandos (de campanha)’, disse.
Ela acrescentou que o procedimento não consiste na recontagem total dos votos – que não foi requisitada pela oposição.
‘O poder eleitoral toma esta decisão a fim de preservar um clima de harmonia entre venezuelanos e venezuelanas. Mas também isolar os setores violentos que buscam irresponsavelmente ferir a democracia’, disse.
Oposição concorda
Logo na sequência do anúncio feito por Tibisay, o líder da oposição e candidato derrotado nas eleições de domingo, Henrique Capriles Radonski , disse que a oposição concorda com o procedimento.
‘Quero felicitar nosso povo. Esta luta foi de vocês. Uma luta, porque o caminho continua sendo construído’, afirmou Capriles.
Ele voltou a acusar o governo de buscar gerar violência entre os eleitores do país, e pediu que seus seguidores ponham música nas casas e façam mais um panelaço à hora da posse de Maduro, marcada para as 11h do horário local (12h30 em Brasília).
A oposição alega que encontrará fraude nas cerca de 12 mil caixas de papeletas, emitidas como comprovante pelas urnas eletrônicas, que serão analisadas no próximo mês.
Entretanto, muitos analistas apostam que a oposição na Venezuela já obteve uma dupla vitória política sobre o chavismo. A primeira foi conseguir reduzir a votação bolivariana nas urnas, e a segunda, obrigar o chavismo a revisar a sua legitimidade eleitoral.
Como força política, estaria mais fortalecida para obter assinaturas para convocar um referendo que possa revogar o mandato de Maduro a meio mandato, em três anos, uma possibilidade prevista na Constituição venezuelana.
Ao mesmo tempo, a decisão de optar pelo caminho institucional em vez de insuflar seus simpatizantes a sair às ruas para protestar, foi, segundo alguns analistas, uma decisão acertada para que o resultado não saísse pela culatra.
Na segunda-feira, sob o incentivo de Capriles, milhares de opositores saíram às ruas e, nos conflitos que se seguiram, oito pessoas morreram – uma no hospital, dias depois -e mais de 60 ficaram feridas.
Mas nos dias seguintes, a oposição cancelou uma megapasseata, substituindo-a por um panelaço pacífico, mostrando disposição ao apaziguamento dos ânimos.
Diplomacia
A situação também pode distender os ânimos do ponto de vista da diplomacia regional, que também já formava linhas divisórias em relação a aceitar ou não o governo de Maduro.
Os governos dos países sul-americanos, como Brasil, Argentina e Colômbia, já haviam reconhecido a eleição de Maduro.
‘Os grandes governos sul-americanos queriam Maduro presidente, porque pensavam que alcançar a estabilidade seria mais fácil com ele’, disse à BBC Brasil o diretos do Centro de Estudos Latino-americanos da American University, em Washington, Eric Hershberg.
Especialmente a Colômbia não tem interesse em desestabilizar sua relação com uma Venezuela que tem colaborado nas negociações entre o governo colombiano e a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), ele disse.
‘Se houver uma situação em que o chavismo não tem os incentivos que tem enquanto estiver no poder, então o regime se torna um ator muito mais imprevisível, e isso é a última coisa que os colombianos querem.’
Já outros governos, como os dos países da Alba (Aliança Bolivariana das Américas, um grupo de países formado por Chávez) estão interessados em manter os benefícios das parcerias internacionais petroleiras do chavismo, acrescentou o professor.
Uma reunião da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) em Lima, no Peru, varou a noite na quinta-feira discutindo o tema das eleições venezuelanas.
Em entrevista à rede de TV opositora Globovisión, o especialista venezuelano em política internacional Felix Gerardo Arellano disse que esta ocasião ‘é o grande teste da Unasul’.
Segundo ele, enquanto países sul-americanos do Pacífico estão estabelecendo alianças com os países asiáticos, e o Brasil corteja os EUA em busca de negócios e parcerias, a Venezuela corre o risco de ficar para trás nesse tipo de articulação se permanecer dividida.
‘A Unasul pode conseguir mudar isso se conseguir criar um diálogo dentro da Venezuela’, afrmou Arellano.
A concordância entre governo e oposição também facilita a posição da Organização dos Estados Americanos (OEA) e dos Estados Unidos, que tinham apoiado a opção da recontagem pedida pela oposição.
Uma posição da Unasul em favor de Maduro poderia isolar os EUA na divergência diplomática.
Na quinta-feira o secretário de Estado americano, John Kerry, voltou a defender a auditoria eleitoral na Venezuela, mas pediu que, quem quer que seja o governo no poder, ‘não feche as portas’ para a relação bilateral.
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