Um ano de Primavera Árabe: a revolução inacabada

A Primavera Árabe deu início ao fim das ditaduras, mas democracias estáveis, sociedades pluralistas e desenvolvimento econômico ainda são utopia na região. Confrontos no Cairo continuam, deixando mortos e muitos feridos.

A capital do Egito foi palco neste sábado (17/12) mais uma vez de violentos protestos contra o Conselho Militar e o governo de transição, após mais um turno das eleições parlamentares. Forças de segurança bloquearam o acesso à sede do governo com arame farpado, depois que as manifestações da sexta-feira (16/12) foram consideradas as mais violentas das últimas três semanas. Houve confrontos entre manifestantes e policiais, com vários veículos incendiados nas imediações do Parlamento. Segundo informações fornecidas pelo ministério da Saúde do país, os tumultos deixaram um saldo de pelo menos nove mortos e 300 feridos.

Mudança de curso

Há 12 meses, o contexto no mundo árabe era bem distinto. Gamal Mubarak, Saif al-Islam Kadafi e Ahmed Saleh ainda tinham boas chances de seguir carreira. Como filhos de ditadores árabes no poder, eles detinham as melhores qualificações para o cargo de chefe de Estado em seus respectivos países, já que o presidente egípcio Hosni Mubarak, o autoproclamado líder revolucionário líbio Muammar Kadafi e o chefe de Estado iemenita Ali Abdullah Saleh tinham a inteção de deixar seu cargos políticos como herança.

Eles já haviam preparado seus filhos para a sucessão. Afinal, essa parecia ser a forma mais fácil de assegurar a influência e a riqueza das próprias famílias. E, durante décadas, esse era um de seus principais interesses.

Fracasso das ditaduras republicanas

Mas os ditadores erraram em seus cálculos. Desde o início da Primavera Árabe, quatro deles foram expulsos de seus cargos, e as perspectivas de carreira de seus filhos se desmancharam há muito tempo no ar. E mais: o modelo das ditaduras republicanas, que dominava o mundo árabe desde os anos 1950 e 1960, parece ter fracassado.

Os mais afetados pela onda de protestos da Primavera Árabe foram principalmente os países que tentaram estabelecer uma sucessão dinástica dentro de uma república – como o ex-presidente sírio Hafez al-Assad havia demonstrado. Seu filho, Bashar, ainda defende o poder com todos as forças, mas também seus dias como presidente parecem estar contados.

A saída dos ditadores abriu o caminho para eleições verdadeiramente livres. Participação foi uma exigência central dos manifestantes no mundo árabe, que, durante vários dias, até mesmo por semanas e meses, foram às ruas contra os regimes em seus países. Mas logo após as primeiras eleições livres na região, o clima eufórico inicial se dissipou em vários lugares.

Nas eleições para a Assembleia Constituinte na Tunísia, por exemplo, o partido islâmico Ennahda saiu como a principal força política. Da mesma forma, nas eleições parlamentares no Egito, uma vitória eleitoral dos islâmicos se anuncia. Os salafistas radicais obtiveram resultados surpreendentemente positivos. Em contrapartida, as vozes dos democratas, blogueiros, das mulheres emancipadas e dos islâmicos moderados parecem desvanecer-se. Pelos menos nas urnas, elas sofreram uma derrota inicial.

Decepção democrata

“Não são os democratas que se beneficiam do colapso ou do enfraquecimento dos regimes no mundo árabe”, diz Guido Steinberg, especialista em Oriente Médio do Instituto Alemão de Relações Internacionais e de Segurança (SWP), “mas principalmente os movimentos islâmicos, que são bem organizados e foram melhor financiados até mesmo durante a crise. A maioria destes movimentos surgiu da Irmandade Muçulmana”, explica o especialista. Também no Iêmen e na Líbia, os islâmicos parecem ser os que mais se beneficiaram do colapso do antigo sistema.

Muitos democratas estão decepcionados com o atual contexto. A construção de uma verdadeira democracia, caso realmente tenha sido iniciada, está progredindo lentamente. Ainda não se pode vislumbrar uma sociedade pluralista nestes países e ainda não existe solução para os graves problemas econômicos e sociais. Desde o início da Primavera Árabe, a economia da Tunísia se encontra arruinada e os egípcios também estão enfrentando enormes problemas econômicos.

Os investimentos estrangeiros cessaram desde o começo dos protestos e o turismo também foi afetado. Ao mesmo tempo, o desemprego aumentou ainda mais e os déficits orçamentários atingiram uma amplitude perigosa. No Iêmen e na Líbia, toda a economia entrou em colapso juntamente com a produção petrolífera.

Muitos jovens já deixaram seus países de origem: devido à crise social, ao elevado desemprego nesta feixa etária e à falta de perspectivas econômicas. Principalmente a Irmandade Muçulmana se beneficiou da atual situação. Apesar de proibidos em diversos países árabes, eles são tolerados e dispõem de boa estrutura organizacional. Há décadas eles também mantêm atividades sociais, recebendo, por isso, a confiança da população, em primeiro plano, quando se fala em estabelecer uma direção correta na condução do Estado.

Apesar disso, Norbert Lammert, presidente do Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão), alerta para o pessimismo exagerado: “Devido aos difíceis confitos e aos problemas significativos que existem agora nesses países, não devemos cometer o erro de não perceber as chances que surgem a partir de então. Esperemos que, depois de eleições livres no Egito, possamos chegar a um nível de relações parlamentares. Isso vai mudar muita coisa e estabelecer novos focos na questão das relações econômicas”.

Monarquias estáveis

Dos levantes no Norte da África e no Oriente Médio, as monarquias árabes – com exceção de Barein – saíram praticamente ilesas. No entanto, também houve maiores protestos no Marrocos e na Jordânia contra o aumento do custo de vida, contra a corrupção e contra o governo. No entanto, esses protestos não se voltavam contra o rei e não levaram à derrubada do regime. Ao contrário, o rei Mohammed 4° do Marrocos e o rei Abdullah da Jordânia conseguiram apaziguar os tumultos por meio de reformas, da formação de um novo governo e, no caso do Marrocos, através de um referendo e de eleições antecipadas.

É também provável que o apoio das seis monarquias do Golfo tenha desempenhado um papel no caso. Sob a liderança saudita, o Conselho de Cooperação do Golfo não somente interveio militarmente em Barein, mas também apoiou os membros mais pobres Omã e Barein com 10 bilhões de dólares cada. O Conselho ofereceu ainda ao Marrocos e à Jordânia a adesão ao grêmio e concedeu grandes ajudas financeiras a essas duas monarquias.

Também no Omã, na Arábia Saudita e no Kuwait, houve protestos esporádicos. As casas reais puderam acalmar a população com grandes doações em dinheiro, criação de novos postos de trabalho, introdução do seguro-desemprego e mais direitos de participação. Somente no Barein houve confrontos violentos entre partidários do governo e a oposição, que se transformou num conflito entre a maioria xiita e a família governante sunita.

Esse conflito parece ter ecoado na Síria. Ali, a liderança alauita, considerada aliada próxima do Irã predominantemente xiita, luta contra a própria população, que é sunita em sua maioria. Os temores de uma guerra civil crescem a cada dia que passa, pois os protestos sangrentos continuam. Como no caso da Líbia, também nesse conflito, as monarquias do Golfo estão do lado dos insurgentes. Elas os apoiam através de propaganda nas emissoras de TV Al Jazeera e Al Arabiya, que chegam a todos os países árabes. Com a Arábia Saudita e o Catar à frente, as monarquias árabes desempenham também um papel central na política de isolamento da Síria por parte da Liga Árabe.

Consequências de conflito regional

“Sempre presumimos que estávamos lidando com uma onda democrática”, observa Guido Steinberg do Instituto SWP. “Mas esquecemos que o conflito real dominante na região é entre o Irã, de um lado, e seus adversários no mundo árabe, de outro”. Agora, já que o regime na Síria – principal e único aliado estatal do Irã – ameaça cair, está cada vez mais evidente que este grande conflito regional paira sobre os acontecimentos. “A região se tornará mais conservadora e um pouco mais plural, o que nao significa que ela vai se tornar necessariamente mais pluralista e mais democrática”, conclui Steinberg.

Autora: Anne Allmeling (ca)
Revisão: Soraia Vilela

Fonte: DW-WORLD.DE

9 Comentários

  1. Inacabada sim pois o caminho é tortuoso e o fardo é pesado, porém o futuro de lutas populares só reserva benefícios, enquanto eles serviram a “democracia” estadunidense, estiveram em regime de escravidão, o que chamam “democracia” os escravizou!

  2. muitas divisões tribais… nem mesmo o islamismo e suas vertentes conseguem viver armoniosamente entre si,…
    eu acho que deve haver uma reforma no modo de se pensar religiao e cultura pelos lados de lá… chega de alimentar pessoas vulneraveis e extremistas em potencial….

  3. “eu acho que deve haver uma reforma no modo de se pensar religiao e cultura pelos lados de lá”… estão tentando isso a 10.000 anos…

  4. Textos interessantes sobre o que acontece quando se ataca os interesses do $.

    Analogia às ONGs.
    http://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_Brasileiro_de_Ação_Democrática

    Texto sobre a década de 60, confontações de interesses e seus efeitos no Brasil (o Golpe Mililar de 64)
    No final de 1962, a equipe liderada pelo economista Celso Furtado elaborou em menos de três meses o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social para subsidiar o governo do presidente João Goulart. As crises vividas pelo governo Jango – tanto no plano econômico, com a inflação alta, quanto no plano político institucional – impediram que se consolidassem todos os objetivos traçados. Foram feitas nesse período as chamadas “reformas de base” (reformas administrativa, bancária, fiscal e agrária), além do reescalonamento da dívida externa herdada dos governos anteriores e agravada pela conjuntura internacional.

    Com informações do Núcleo de Pesquisa da Agência Brasil

    Plano Trienal – João Goulart realiza um governo contraditório. Procura estreitar alianças com o movimento sindical e setores nacional-reformistas. Paralelamente, tenta implementar uma política de estabilização baseada na contenção salarial para satisfazer a oposição udenista, o empresariado associado ao capital estrangeiro e às Forças Armadas. Seu Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, elaborado por Celso Furtado, ministro do Planejamento, tem por objetivos manter as taxas de crescimento da economia e reduzir a inflação. Essas condições, impostas pelo FMI, são indispensáveis para a obtenção de novos empréstimos, renegociação da dívida externa e elevação do nível de investimentos.

    Reformas de base – O Plano Trienal também determina a realização das chamadas reformas de base – reforma agrária, educacional, bancária etc. –, necessárias ao desenvolvimento de um “capitalismo nacional e progressista”. O anúncio dessas reformas aumenta a oposição ao governo e acentua a polarização da sociedade brasileira. Jango perde rapidamente suas bases na burguesia. Para evitar o isolamento, reforça as alianças com as correntes reformistas: aproxima–se de Leonel Brizola, então deputado federal pela Guanabara; de Miguel Arraes, governador de Pernambuco; da União Nacional dos Estudantes e do Partido Comunista que, embora na ilegalidade, mantém forte atuação no movimento popular e sindical. O Plano Trienal é abandonado em meados de 1963, mas o presidente continua implementando medidas de caráter nacionalista: limita a remessa de lucros para o exterior, nacionaliza empresas de comunicações e decide rever as concessões para exploração de minérios. As retaliações estrangeiras são rápidas: governo e empresas privadas norte–americanas cortam créditos para o Brasil e interrompem a renegociação da dívida externa.

    Radicalização no Parlamento – O Congresso reflete a crescente polarização da sociedade. Forma-se a Frente Parlamentar Nacionalista em apoio ao presidente, reunindo a maioria dos parlamentares do PTB e PSB, e setores dissidentes do PSD e da UDN. A oposição aglutina-se na Ação Democrática Parlamentar, que reúne boa parte dos parlamentares do PSD, a maioria da UDN e de outros partidos conservadores.

    Financiamento da oposição – A Ação Democrática Parlamentar recebe ajuda financeira do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), instituição mantida pela Embaixada dos Estados Unidos. Setores do empresariado paulista formam o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), com o objetivo de disseminar a luta contra o governo entre os empresários e na opinião pública. A grande imprensa pede a deposição de João Goulart em seus editoriais.

    Autoria: Eduardo F. Miranda

  5. Essa chamada primavera arabe fracassou porque ja surgiu com a meta de nao ir alem de certos limites. E preciso descartar a ideia que foi um movimento popular espontaneo. Foi planejado anos antes, mas nao em solo arabe, mas em Washington. Recomendo que leiam os escritos de Michael Chossodovsky, no Global Research. Tambem William Engdhal, Garvin Marshall no mesmo site. Nao nego que haja um descontentamento da populacao com o regimes politicos economicos arabes. Mas esse descontentamento e incoerente, e quando muito adquire uma forma de radicalismo religioso, que o faz preza facil daquelas organizacoes ligadas ao capitalismo internacional e aos servicos secretos de alguns paises da Otan, cuja intencoes nao sao revolucoes populares, mas manobras controladas, para depor aqueles ditadores que se tornaram muitos odiados antes que verdadeiras revolucoes ocorrem.

  6. Take it easy, BLUE EYES! 10.000 anos eles comecaram e criaram uma civilizacao que espalhou e conquistou o mundo. Europa incluida.. Quer queira ou nao alguns europeus, civilizacao comecou no norte da Africa e na Mesopotania, hoje Iraque, Siria e parte da Turquia. E no bojo dessa civilizacao que forneceu as bases para a civilizacao classica da Grecia e Roma, (ler Black Athena, 3 volumes de Martin Bernal. Google Black Athena summary.) veio o criatianismo. O europeu pode ter embranquecido Cristo e feito dele um homem loiro e feito de Maria uma europeia. Mas o prototipo dessas imagens sao as imagens de Isis carregando eu filho recem nascido Horus. Sugiro a leitura do livro The Natural Genesis de Gerald Massey, onde ele estabelece certo paralelismo entre os dados biograficos de Jesus e o de Horus: ambos nasceram no dia 25 de dezembro, ambos filhos de virgem, ambos tinham 12 discipulos, ambos crufificados e ambos ressucitaram apos tres dias. Nao pode esquecer que o odio religioso nao e tipico daquela area. Nao esqueca Irlanda e o odio racial religioso por segmentos da comunidade protestante nos Estados Unidos.

  7. Bem sabemos q o sectárismo religioso e prevalente nessa parte do mundo,+ temos de dar aos Àrabves a chance de escolherem a forma de governo q ele achem melhor…e sempre pelo voto da maioria…e sem intromissão nos seus assuntos interno, como parece-me está ocorrendo , vide a Líbia e o Egito..Sds.

  8. Meu queridão.. procure extremistas árabes a 10 mil anos que se explodiam em praça pública.. A uns 300 anos eu lembro de gente queimada em praca pública, sem julgamento, por motivos pifios pela igreja católica. Tem gente que só conhece a história a partir desse momento, e fatos como as inquisições e as cruzadas são esquecidos diante dos “novos terroristas”.
    O extremismo islâmico se iniciou em um mundo pós revolução industrial e neo-colonialismo…. Eles estão atrasados sim, precisam mudar suas idéias, mas precisam de gente bem intencionada ao seu lado para que isso aconteça, como no caso da turquia… Mas o fato de serem subdesenvolvidos em todos os aspectos não os deixa menos importante ou mais perigosos que nós. eles somente não tem nossa malícia…
    Eles sempre foram um povo desenvolvido, e até admirado antigamente(nietzche e schopenhouer eram admiradores do islamismo em sua essencia)… mas perderam o bonde da industrialização e deram espaço ao neo-colonialismo.. ficaram pobres, famintos, a mercê da “globalização”, e as mesquitas passaram a ser povoada por gente indignada, que buscava na religião a tão esperada mudança(que os ditadores da época, até então amigos do ocidente, os negavam)… Pronto.. um alí você tem um rebanho gigantesco de homens bomba…
    ME LEMBRA A FAIXA DE GAZA… enquanto tiver desnutrido arremessando bomba de festim no nosso território temos uma disculpa para ampliar nosso poder….

  9. Bem, Gustavo, eu te perdoo por somente conhecer o verniz historico das nações… dai essa sua analise rasa sobre os semitas… o Jojo parece saber do que falo…

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