Pressões externas e internas põem Netanyahu em situação cada vez mais difícil em Israel
O anúncio de Ancara de que haveria um um corte total no relacionamento econômico entre Turquia e Israel teve efeito imediato na Bolsa de Valores de Tel Aviv, de terça-feira. O Índice Maof caiu 2,8%, mesmo que, horas depois, o governo turco tenha voltado atrás e anunciado apenas a suspensão da compra e venda de equipamentos militares. O vaivém não ajudou a aliviar as perdas econômicas de Israel devido à decisão de sexta-feira do premier Recep Tayyip Erdogan de expulsar o embaixador israelense do país e reduzir a relação com Israel ao nível mínimo. Desde domingo, a bolsa de Tel Aviv caiu 9%.
A verdade é que o premier Benjamin Netanyahu está entre a cruz e a espada – ou, para usar uma expressão da dramaturgia judaica, se equilibra como um violinista no telhado. A referência à obra do escritor Scholem Aleichem – que conta a história de um judeu ortodoxo dividido entre tradição e modernidade – cabe como uma luva na encruzilhada enfrentada pelo premier, que balança entre agudas pressões externas e internas. A deterioração no relacionamento com a Turquia, aliada à iminência do reconhecimento da Palestina pela ONU e à incerteza quanto ao futuro da Primavera Árabe, compete com o histórico movimento popular pela queda no custo de vida, que levou 450 mil israelenses às ruas das principais cidades do país no sábado à noite.
O protesto contou com mais de 250 mil pessoas só em Tel Aviv – uma cidade de 600 mil habitantes – para reclamar dos preços dos aluguéis, dos imóveis, da educação, do combustível, dos alimentos e de tudo mais que faz com que a classe média nacional sobreviva em constante negativo bancário. Os indignados exigem que Netanyahu desvie recursos usados em segurança para serviços públicos, o que alguns partidos da coalizão direitista do premier – como o Israel Nossa Casa, do chanceler Avigdor Lieberman – tendem a rejeitar. Outras legendas que apoiam Netanyahu, no entanto, como o partido religioso Shas (historicamente voltado para questões socioeconômicas), prometem deixar o governo caso o premier não atenda às demandas do movimento social.
“A crise no relacionamento com a Turquia é uma luz vermelha em relação aos ataques que estão por vir nas frentes diplomática, de segurança e econômica. Vai afetar as vidas dos 450 mil manifestantes que demandam justiça social”, escreveu o analista israelense Akiva Eldar, do jornal “Haaretz”. “De que orçamento os manifestantes sociais propõem financiar os prejuízos causados pela tsunami diplomática?”, pergunta.
General adverte para risco de guerra
Aparentemente congelado diante de tantos desafios, Netanyahu tem sido criticado até mesmo por seu maior aliado: Washington. Segundo artigo publicado na terça-feira pelo colunista Jeffrey Goldberg, da agência Bloomberg, o ex-secretário da Defesa americano Robert Gates, que acaba de deixar o cargo, chamou o premier de ingrato ao não retribuir os esforços dos EUA em defender o Estado judeu do isolamento mundial. Segundo Goldberg, em encontro recente do Conselho de Segurança Nacional, Gates listou tudo que os americanos fizeram por Netanyahu – acesso a armas de alta qualidade, assistência no desenvolvimento do escudo antimíssil Domo de Ferro, colaboração das agências de inteligência. O retorno, no entanto, foi nulo, principalmente na falta de avançou nas negociações de paz com os palestinos – ponto-chave, segundo os americanos, para a manutenção da paz regional.
O ressentimento pode levar Washington a fazer vista grossa ao reconhecimento da Palestina na ONU, em votação que deve acontecer até o fim do mês. O temor, em Israel, é de que, além das consequências políticas da medida, haja uma explosão de violência na região, com ataques mútuos entre palestinos e israelenses na Cisjordânia, aumento nos lançamentos de mísseis contra Israel por extremistas de Gaza, e tentativas de cruzamento da fronteira por ativistas egípcios, sírios, libaneses e até jordanianos. A convulsão também pode levar o governo Netanyahu a tremer nas bases.
O relacionamento precário entre Israel e o Egito nascido da Primavera Árabe – que derrubou o ditador Hosni Mubarak, entre outros líderes regionais – engorda a lista de preocupações externas. Sem Mubarak, maior defensor do Acordo de Camp David, que estabeleceu a paz entre os dois países em 1978, existe a possibilidade de a chamada “paz fria” que caracterizou o relacionamento bilateral nos últimos 33 anos transformar-se numa “guerra quente”. “A democratização vai obrigar qualquer Parlamento e governo eleitos a adotarem políticas e posições consistentes com a opinião pública egípcia”, explicou Ghassan Khatib, diretor do Centro de Mídia Palestino em artigo no site Bitterlemons. “O acordo de paz assinado em 1978 nunca foi popular no Egito”.
O quadro externo toma contornos ainda mais preocupantes com os protestos na Síria, que ameaçam o governo de Bashar al-Assad, outro ditador por um fio que mantém uma paz de fato com Israel. Por tudo isso, o general israelense Eyal Eisenberg afirmou que a Primavera Árabe pode se transformar num “Inverno do islamismo radical”, com potencial cada vez maior de deslanchar uma guerra regional que conte até mesmo com armas de destruição em massa.
‘Temor de novo conflito entre Israel e vizinhos deve fortalecer Netanyahu’, diz especialista
O professor israelense Shmuel Bar, diretor do Instituto para Política e Estratégia do prestigiado Centro Interdisciplinar Hertzleyia, afirmou ao GLOBO que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, precisa se preocupar mais com a manifestação social que sacode o país há dois meses caso queira manter-se no poder. Segundo ele, as ameaças externas podem até fortalecer sua imagem entre a população do país, temerosa em relação a um novo conflito regional.O
GLOBO: O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, enfrenta pressões internas e externas. Qual delas deve ser combatida primeiro?
SHMUEL BAR: As pressões externas são mais perigosas para o Estado de Israel. Mas as pressões internas são mais perigosas para o governo Netanyahu. Quer dizer, as manifestações sociais podem derrubar o governo atual, enquanto as questões externas podem levar apenas a um prejuízo estratégico para Israel, independentemente de quem seja o primeiro-ministro. Caso haja uma guerra ou um conflito maior entre Israel e os vizinhos, pode ser até mesmo que Netanyahu se fortaleça em meio ao temor interno, que sempre causa uma espécie de união nacional.
O GLOBO: Os desafios da política externa e da política interna se interligam?
BAR: Acho que são desafios bem distintos. A pressão americana, dos palestinos, dos turcos, a ameaça do programa nuclear iraniano são latentes, não creio que têm a ver com as pressões internas pelo custo de vida. Alguém acha que as demandas dos manifestantes sociais afetam as decisões de Netanyahu diante do programa nuclear do Irã? Se a frota turca decidir ameaçar navios israelenses no Mar Mediterrâneo, isso vai afetar o preço do queijo cottage? Não acho.
O GLOBO: Mas caso o premier tenha que escolher em qual dos problemas focar, em qual deles investir mais verbas…
BAR: Não creio que chegamos ainda ao ponto em que Netanyahu precise escolher entre dar dinheiro para a segurança ou para os serviços sociais.
O GLOBO: Quanto ao relacionamento com a Turquia, Israel tem como consertar o que aconteceu?
BAR: Não creio. Acho que o governo turco tem agenda própria, que é acumular força para se tornar um líder regional. Talvez Israel pudesse ter administrado essa crise de maneira mais inteligente, mas não acho que o resultado seria diferente.
O GLOBO: O senhor considera que setembro será um mês decisivo para o país?
BAR: Não será tão traumático como se pensa. Acho que o presidente palestino Mahmoud Abbas pode até declarar a independência, mas daí a ter um país independente é muita estrada. Ele vai, por exemplo, formar um Exército, o que é vetado pelo Acordo de Oslo? E se ele decidir suspender esse acordo, como vai sobreviver sem o dinheiro de impostos cobrado por Israel e com o qual paga seus funcionários públicos?
O GLOBO: Será que ele desistirá por causa disso?
BAR: Não vai desistir. Os palestinos vão buscar o reconhecimento unilateral na ONU de qualquer maneira, mesmo que isso os prejudique, na prática. Porque entre eles há a tendência de preferir passos declaratórios, menos práticos e mais simbólicos.
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