Crises em Gaza: Implicações Humanitárias e Geopolíticas

E.M.Pinto

Como resultado dos conflitos desencadeados pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, A resposta das IDF à faixa de Gaza já causaram um deslocamento de mais de 80% da população palestina daquela região, O número é impressionante e preocupante, cerca de  1,8 milhão de pessoas foi deslocada desde o início das operações de retaliação de Israel contra o Hamas.

Pelo menos 70% dos edifícios e moradias da faixa de Gaza já  foram destruídos ou estão parcialmente inutilizados, transformando grande parte da região norte numa pilha de escombros e areia. Mesmo antes da pausa nos combates iniciada em 24 de novembro, Israel deslocou seu foco para o sul. Com o reinício dos combates, vilas e cidades no sul de Gaza foram evacuadas.

Israel instou aos habitantes da região norte a se deslocarem para o sul como forma de se protegerem dos ataques iniciados nas primeiras semanas do conflito,  Mas, e agora que estão no sul sobre pesado fogo da artilharia e força aérea?

Egito uma opção viável?

Desde o inicio do conflito, Israel solicitou ao Egito a permissão para instalação de campos temporários de refugiados no deserto do Sinai. O que foi prontamente negado pelas autoridades egípcias por questões óbvias,  se os “deslocados” de Gaza se tornarem refugiados no Egito ou em outro local, isso só agravaria a crise dos refugiados palestinos, existente há 75 anos, com previsíveis e duradouras repercussões globais. Provavelmente estes refugiados jamais regressariam ao seu país de origem e criariam uma série de problemsa econômicos, sociais e políticos para o Egito.

Forçar os palestinos a sair de Gaza só alimenta as narrativas sobre a anexação israelense de longo prazo dos territórios palestinos, potencialmente desencadeando uma escalada para uma guerra regional no Oriente Médio e de quebra não só destruiria ainda mais a sua reputação no cenário internacional como levariam os EUA para o mesmo caminho.

Esta medida agravaria ainda mais as perspectivas de paz de longo prazo com seus vizinhos, incluindo um acordo de normalização pendente com a Arábia Saudita e o andamento dos chamados “Acordos de Abraão” congelados devido ao conflito iniciado em 7 de outubro.

Sisi venceu as eleições presidenciais no Egito e afirma que a guerra em Gaza é uma ameaça à segurança nacional

No meio internacional a questão dos refugiados em países estrangeiros é sensível, estudos feitos por organizações independentes apontam que apenas cerca de 30% dos refugiados retornam ao seu país uma década após o fim das hostilidades. Estes dados são computados para  conflitos encerrados como por exemplo o conflito nos Balcãs (Iugoslávia), porém estes percentuais são ainda muito menores para conflitos  em curso ou não resolvidos como é o caso deste.

Portanto, se o plano idealizado pelo gabinete de crise de Netanyahu tivesse tido  êxito, poder-se-ia imaginar que os campos de refugiados  estabelecidos no Sinai, seriam praticamente a morada definitiva dos habitantes de Gaza. A situação pode ser ainda  pior e a diáspora palestina contribui para esta precaução.

A soma dos descendentes de palestinos (filhos, netos e até bisnetos de palestinos) deslocados em 1948, durante a criação do Estado de Israel, e em 1967, após a Guerra dos Seis Dias, totalizam hoje 5,9 milhões de pessoas.  Segundo dados de agências independentes dedicadas a causa dos refugiados, cerca de 1/3 desta população ainda vive em 58 campos em Gaza (alguns dos quais foram destruídos), na Cisjordânia, em Jerusalém Oriental, na Jordânia, no Líbano e na Síria, ou seja, cerca de quase 2 milhões de pessoas.

Observadores internacionais classificam estas condições as quais estão sujeitos os jovens e crianças palestinas como a munição para o recrutamento de mais e mais “terroristas” engrossando as fileiras dos “inimigos de Israel” como classifica o primeiro ministro Benjamin Netanyahu.

Este é um preço do qual o Egito não quer pagar, já que enfrenta o Estado Islâmico no Sinai, e o Hamas é um desdobramento da Irmandade Muçulmana, considerada pelo Egito como um grupo terrorista. Algumas populações de refugiados no passado tornaram-se radicalizadas como na década de 1970, onde os refugiados palestinos contribuíram significativamente para as escaladas da guerra civil na Jordânia e para a insurgência no sul do Líbano.

O atual presidente egípcio Abdel Fattah Sisi, se preparou para estes eventos alertando o estado de Israel sobre as possibilidades deste ataque do Hamas, enviou forças militares para a fronteira com Gaza e após o 7 de outubro e continuou a restringir a passagem de refugiados por Rafah na fronteira entre Gaza e o Sinai.

A preocupação de Sisi não é desmedida, o Egito já enfrenta problemas graves de refugiados abrigando quase  9 milhões de migrantes oriundos dos recentes conflitos no Sudão, Síria, Iêmen e Líbia e 2 milhões de novas “bocas” para alimentar não é algo aceitável nem mesmo para economias do G7.

Não bastasse a questão econômica, as questões de segurança, contra terrorismo e unidade nacional, há problemas sanitários e de infraestrutura necessária para instalação destas populações o que não é algo que o Egito está preparado para assumir, na verdade, ninguém está.
Não obstante a isto, o gabinete de Sisi possui uma arma política contundente e que tem ecoado dentro das nações árabes minando o poder retórico de Netanyahu. Sisi se manifestou em diversas ocasiões de que o simples fato do Egito ou qualquer outro país  aceitar ainda que temporariamente o recebimento dos refugiados, esta  ação seria a “pá de cal” definitiva na iniciativa da criação do “Estado Palestino”.

Refugiados um problema global

Atualmente o número de refugiados de conflitos no mundo dobrou na última década, ele é estimado em cerca de 108 milhões de pessoas, especialmente devido aos conflitos no Iêmen, Síria, Nagorno Karabakh, Ucrânia, Geórgia, Tibet, Mianmar, Sudão, Líbia, e mais recentemente as nações do centro da África.  Deste total, cerca de quase 7 milhões ainda vivem em campos de refugiados, apesar de as Nações Unidas terem adotado uma abordagem que desencoraja os acampamentos, provisórios que acabam se tornando definitivos para muitos e que em certos casos se estendem por décadas e até gerações.

Não há aqui portanto nenhuma chama de esperança de que a situação seja diferente para os habitantes de Gaza e o seu retorno para “casa”. Atualmente cerca de 2/3 dos que fugiram do norte estão abrigados em instalações da ONU, sem hospitais, igrejas/ templos, escolas e outras quaisquer instalações públicas que possam dar suporte às condições básicas. Até mesmo a crescente ajuda humanitária tem sido inadequada pela fata de infraestrutura básica de saúde e alimentação.

Um acampamento de tendas para palestinos deslocados surge no sul da Faixa de Gaza, reavivando antigas traumas | AP News

A situação vai se agrava até mesmo com o fim dos conflitos uma vez que se espera que esta população encontrará escombros, armadilhas artefatos explosivos implantados e uma infraestrutura que literalmente terá que ser reconstruída do nada. Mas pior ainda seria retirá-los de lá e levá-los para outro país para depois realoca-los.

A situação dos palestinos de Gaza é mais crítica do que parece, pois nem mesmo os seus apoiadores na causa da sua existência como estado estão dispostos a lhes estender as mãos e dar-lhes abrigo e talvez a menos pior das opções seria mantê-los  em  Gaza sobre uma intervenção internacional (multinacional) o que em parte é rejeitado por Israel.

Mantê-los ali sobre fogo é perigoso e desumano, é por esta razão que Washington lançou sua mais ampla ofensiva contra Netanyahu, solicitando a retirada de suas tropas do território de Gaza, o que se tem visto nestes dias apesar de ser considerado por alguns como uma vitória tática do Hamas e não uma derrota política de Israel.
O gabinete de Biden busca agora um cessar fogo, e extensão da proteção e assistência humanitária aos habitantes de Gaza, e acredita que a manutenção desta população em seu território é a melhor das opções frente as demais.
Biden precisa convencer Netanyahu a abrir mão de suas estratégias especialmente agora em vias de uma eleição, seu governo procura polir a sua imagem destruída pelas constantes incompetências geopolíticas.

Em princípio, Netanyahu recuou, mas o conflito não arrefeceu, os “respingos” extra fronteiriços só aumentam e o tempo está contra todos, especialmente para os refugiados em Gaza.

1 Comentário

  1. Excelente artigo. E Bibi alega que o tempo para afastar um conflito junto ao Líbano está se esgotando. Como se já não houvesse.

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