O Poder Diplomático da Índia: Entre Rivalidades e Parcerias no Cenário Geopolítico do sudeste Asiático

Autor:  E.M.Pinto  


Prefácio

Certa vez, Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos, declarou que a fronteira entre a Índia e o Paquistão era seguramente  o lugar mais perigoso do planeta. Desde a conquista de sua independência, Índia e Paquistão se envolveram em três sangrentas guerras, porém, pelo menos duas delas foram relacionadas ao disputado território da Caxemira. Esta fronteira permanece como uma das regiões mais militarizadas do planeta e é o ponto de atrito mais “quente” do planeta pois envolve duas potências nucleares, o que previsivelmente torna qualquer eventual conflito, potencialmente catastrófico.

A região do sudeste da Ásia é bastante delicada, basicamente todas as nações ali presentes possuem contendas territoriais com seus vizinhos o que torna a região um potencial palco de muitos conflitos fronteiriços.

A índia, uma nação emergente que tende a ser a maior economia do planeta em algumas décadas, não enfrenta problemas apenas com o Paquistão. A China a segunda maior economia e a terceira potência nuclear do planeta também possui contendas fronteiriças com a Índia.

Ocorre que à medida em que a China fortalece suas relações com o Paquistão e expande sua presença no Oceano Índico, a Índia busca reforçar suas próprias parcerias regionais e traça seu caminho de forma independente, servindo de um bom referencial geopolítico e diplomático para um quarto elemento fundamental para os BRICS, o Brasil. 
Neste artigo será apresentado um panorama das condições atuais e desafios desta importante região do planeta.


“O jeito Índia de ser”

Ao longo da Guerra Fria, muitos países escolheram alinhar-se aos dois poderosos blocos militares e políticos de seu tempo, algumas nações automaticamente ou por força da pressão diplomática e militar, aglutinaram-se ao bloco liderado pelos Estados Unidos, o líder natural do chamado Bloco Ocidental, mas o mesmo ocorreu também por nações que forçosamente ou unilateralmente aderiram à União das repúblicas socialistas Soviéticas, conhecido como o Bloco Oriental liderado pela Rússia.

No entanto, nações como a Índia, buscaram uma alternativa estabelecendo o Movimento dos “Não-Alinhados”, cujos membros comprometeram-se a manter neutralidade na grande luta pelo poder que caracterizou a Guerra Fria.

Desde então, a Índia tem mantido esse princípio de independência em sua política externa, permitindo-lhe colaborar com países que frequentemente estão em conflito entre si. Mantém boas relações com ambos os lados e uma vez superadas as dificuldades do ciclo de sanções a qual foi submetido por não se alinhar ou por tomar iniciativas independentes como o desenvolvimento do seu programa Nuclear, agora é cortejada por todos que a veem como um parceiro indispensável e estratégico.

Um exemplo ilustrativo disso e o fato de que, apesar de se aproximar  dos Estados Unidos nos últimos anos, a índia continua sendo um dos principais parceiros e principal das armas da Rússia. Ao mesmo tempo a Índia é atualmente o maior investidor  em projetos de infraestrutura no Irã.

Para demonstrar a complexidade do modelo independente de ser, basta lembrar que a Índia considera a China um parceiro estratégico, mesmo sendo este  o seu maior rival militar, industrial, econômico, geopolítico e diplomático. Ao mesmo tempo, a Índia se firma cada vez mais presente em acordos e transações comerciais com os vizinhos  como Japão, Afeganistão e Taiwan. Até mesmo o Paquistão é considerado em determinadas relações embora as condições previamente expostas dificultem aproximações mais contundentes.


Conflitos / Desafios/ Oportunidades

A Índia é uma das maiores potencias militares do planeta e supera em quase todos os quesitos o seu rival o Paquistão. Quase todos pois o fator dissuasório que traz equilíbrio para o teatro são as armas nucleares.

Ambos os países possuem arsenais nucleares comparáveis, intensificando consideravelmente os riscos de qualquer confronto direto. Até mesmo as tensões no disputado território da Caxemira, onde centenas de milhares de soldados de ambos os lados estão posicionados ao longo da Linha de Controle, são arrefecidos pela constância da ameaça nuclear mútua.

Índia e Paquistão já se confrontaram várias vezes nessa região, e conflitos continuam a ocorrer ao longo da fronteira, como evidenciado em 2019 após um ataque terrorista, originado de um grupo com base no Paquistão, ter como alvo a polícia indiana.

Aliados poderosos

Além disso, a  Rússia, segunda potencia militar do planeta e um ator geopolítico que ganha terreno, resultado dos seus sucessos no conflito Ucraniano e nos recentes embates do Oriente Médio.

A Rússia  desempenha um importante papel de garantidora da segurança das nações da Ásia Central, mantendo boas relações com estas nações, porém,  projeta a Índia como o mais promissor mercado e parceiro estratégico do planeta.

Pós Guerra fria, em 1992, a Rússia uniu-se a Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão para formar uma aliança agora denominada Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO), cuja coalizão foi estabelecida com base na promessa de segurança mútua, comprometendo-se a defender os países membro de quaisquer ameaças estrangeiras.

A CSTO permite que a Rússia mantenha laços estreitos com as antigas repúblicas soviéticas na Ásia Central, além de auxiliar na proteção das fronteiras de países menores, como o Tajiquistão. Embora não exista um acordo equivalente com a Índia, as nações da CSTO começam a despertar um interesse dos Indianos e suas parcerias com a Rússia lhe abrem oportunidades bastante interessantes e seus investimentos nessas nações, começam a aumentar, aumentando suas influências na mesma medida.

O novo jeito Índia de ser

A Índia  que no passado recebia ajudas financeiras, tornou-se nos dias de hoje um fiel doador à medida  que  a sua economia cresceu ao longo da última década. A nação asiática é nos dias atuais  um dos maiores doadores de recursos para o Afeganistão, que a Índia vê como um parceiro importante dada a localização estratégica, na fronteira com o Paquistão. O Afeganistão é um crescente interessante  mercado para índia, mineração, energia , agricultura e bens de consumo são os  alvos preferenciais da Índia naquele país que carece de basicamente e tudo.

A Índia também financia infraestruturas energéticas no Butão e no Nepal nações disputadas com a China, mas que possuem mais afinidade e nas quais a diplomacia indiana tem se mostrado mais assertiva  que a chinesa  porém o poder econômico chinês tem alterado este cenário.

Aqui é importante ressaltar que a ajuda provida para todas estas nações não se trata única e exclusivamente de doações. Tal como outros doadores, a Índia utiliza a ajuda externa para promover os seus interesses nacionais.  Atualmente a Índia mantém-se nesta região com o status de país mais influente da região, uma posição que está cada dia  mais ameaçado devido a crescente  presença chinesa  no Sul da Ásia e no torno do Oceano Índico.

Esta luta pelo poder foi descortinada em 2012, quando a Índia retirou parte da ajuda ao Butão depois de o primeiro-ministro do Butão se reunir  com o líder da Chinês.

Já no Nepal, a china investe na malha ferroviária e pode quebrar a dependência nepalesa da índia, conectando Nepal e China com um corredor ferroviário de carga e passageiros que pode garantir ao Nepal bilhões de dólares com o escoamento de minérios e desenvolvimento regional ao longo da conexão  ferroviária.

Se por um lado o Paquistão é o maior rival territorial terrestre, no âmbito marítimo, a Índia  enfrenta um competidor ainda mais robusto, a China. As tensões entre a Índia e a China têm suas raízes em disputas fronteiriças nos Himalaias, e ambos os países travaram uma guerra em 1962 devido a essas questões.

Recentemente, a China intensificou sua presença no Oceano Índico, historicamente considerado pela Índia como sua área de influência. A China implementou uma série de projetos conhecidos pela estratégia “Colar de Pérolas”, estabelecendo portos em países vizinhos da Índia e fez declarações contundentes de sua presença ao enviar o seu porta-aviões e escoltas para o Oceano Índico, declarando proteger seus interesses.

A China afirma que sua atividade no Oceano Índico é estritamente comercial, integrando esses projetos na Rota Marítima da Seda como parte de sua Iniciativa Cinturão e Rota.

No entanto, muitos observadores indianos e norte-americanos mantêm ceticismo em relação a essas declarações. A estreita relação econômica e militar entre China e Paquistão é uma fonte particular de preocupação para a Índia, que percebe a crescente presença chinesa em todas as direções como uma ameaça ao seu poder regional.

Não obstante a isto a Índia iniciou um ambicioso programa naval que avança em todas as componentes, aérea, terrestre, submarina e de superfície, com um ambicioso programa de reaparelhamento que prevê construção d e submarinos nucleares de ataque e lançadores de mísseis balísticos, destroyers, fragatas, corvetas, porta aviões, caças, helicópteros e mísseis de todas os tipos.

Dentre uma das mais relevantes alianças locais a qual difere totalmente do “jeito Índia de ser”, em 2007 a nação asiática aderiu ao QUAD,  uma redediplomática composta por Austrália, Índia, Japão e Estados Unidos, com o objetivo de  abordar as preocupações com o crescente poder chinês.

O QUAD já enfrentou autos e baixos  após ser interrompido em 2008, e reativado posteriormente, voltou com mais força 2017 para contrapor a influência chinesa no Indo-Pacífico.

Em sua declaração o grupo busca promover uma visão compartilhada de um Indo-Pacífico Livre e Aberto e uma ordem marítima baseada em regras. O Quad também se comprometeu a responder à COVID-19 e, em 2023, as nações envolvidas buscaram também uma rota de relações comerciais que pode estender o acordo para uam aliança econômica regional. A China respondeu ao Quad com protestos diplomáticos, apelidando-o de “OTAN asiática”, enquanto alguns temem uma “nova Guerra Fria” na região.Em setembro de 2021, a Índia recebeu com reserva a formação da parceria de segurança “AUKUS” entre Austrália, Reino Unido e Estados Unidos, concentrada no Indo-Pacífico. Isso ocorreu apesar das melhorias nas relações com esses países desde 2017, quando as tensões sino-indianas aumentaram devido a um impasse armado na fronteira. Nova Deli está particularmente preocupada com o potencial aumento de submarinos nucleares de ataque no leste do Oceano Índico a partir da década de 2030, uma vez que a Marinha Indiana deseja adquiri-los, mas não tem um plano claro.

Em 2017, as tensões sino-indianas levaram Nova Deli a participar do diálogo quadrilateral com Austrália, Japão e Estados Unidos, conhecido como “Quad”. Essa decisão representou uma mudança na postura diplomática equilibrada da Índia, historicamente baseada na não aliança durante a Guerra Fria.

O anúncio, em 15 de setembro de 2021, da formação do AUKUS, um agrupamento “minilateral” focado na segurança no Indo-Pacífico, foi recebido com reserva por Nova Deli. Há preocupações sobre possíveis consequências negativas para a Índia, assim como a diminuição da importância do Quad. O Japão, outro membro do Quad, elogiou a iniciativa como uma forma de fortalecer o envolvimento na região do Indo-Pacífico.

Análise

O intricado cenário geopolítico na região do sudeste asiático, centrado na Índia, revela uma nação que, ao longo do tempo, tem desafiado as convencionalidades diplomáticas. Inicialmente forjando sua independência durante a Guerra Fria ao adotar a postura de não alinhamento, a Índia tem se destacado como uma potência regional autônoma, balanceando relações complexas e muitas vezes conflitantes.

A rivalidade histórica com o Paquistão, marcada por conflitos e tensões nucleares, contrasta com a abordagem multifacetada da Índia na construção de alianças e parcerias. Sua relação estratégica com a Rússia, lhe garante um status de aliado preferencial e ainda que não seja membro da colaboração militar  CSTO, a Índia pode desfrutar de garantias de segurança. A Índiase destaca a em um ambiente geopolítico dinâmico.

A ascensão da China como competidor global trouxe à tona desafios marítimos, econômicos e estratégicos para a Índia. Enquanto as tensões fronteiriças persistem, a Índia respondeu fortalecendo laços regionais e participando ativamente em coalizões como o QUAD, uma resposta direta ao expansionismo chinês no Indo-Pacífico.

A Índia, ao adotar uma postura independente e assertiva, se posiciona como um ator crucial no palco mundial, buscando simultaneamente manter sua soberania e promover colaborações estratégicas. A dinâmica “jeito Índia de ser” reflete a capacidade do país em enfrentar desafios, explorar oportunidades e moldar sua própria narrativa em um cenário geopolítico complexo e em constante evolução.