Defesa & Geopolítica

Bolsonaro e o problema da Venezuela

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De Leon Petta para o Plano Brasil

            Cada vez mais a situação na Venezuela puxa o Brasil para alguma posição desconfortável. É muito comum após declarações agressivas do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, contra o recém-empossado presidente Jair Bolsonaro ver vários comentários nas redes sociais exaltando a capacidade militar brasileira e chamando para o “pau” os venezuelanos ou ainda diminuindo e subestimando a capacidade venezuelana.

Porém, a situação é bem mais complicada do que apenas a comparação de força militar entre os dois países, Brasil e Venezuela.

            Em 2017, durante a conferência anual da AAG (American Association of Geographers) em Boston, apresentei uma simulação de uma possível crise geopolítica na fronteira brasileira, apontando dois problemas principais. Primeiro, o risco de uma enxurrada de refugiados venezuelanos em Roraima, que pioraria em muito a situação já que o estado não tem grande capacidade de infraestrutura (algo que acabou se concretizando); Em segundo, em caso de guerra civil na Venezuela, alguma facção rebelde poderia vir a atravessar a fronteira arrastando consigo ações militares do governo venezuelano em território brasileiro.

            Neste segundo caso, a questão seria como as forças armadas brasileiras responderiam a isso. Uma vez que a capacidade aérea e antiaérea das forças armadas venezuelanas poderiam eventualmente neutralizar a capacidade logística área do Brasil na região, podendo facilmente levar a um confronto na fronteira, embora não a uma guerra total. Neste caso isso ainda não aconteceu.

            Na plateia um coronel dos Fuzileiros Navais Americanos assistia bastante interessado sobre como isso poderia respingar nos interesses norte-americanos na região, principalmente no Caribe e na Colômbia. Por outro, lado um professor de uma universidade federal de Minas Gerais que também estava presente, logo descartou que aquilo era bobagem, afinal de contas “a Venezuela está muito bem e não existe risco nem de crise de refugiados nem de guerra civil. Não entendo por que você iria simular uma coisa tão fantasiosa como essa”.

 Risco de guerra?

            Para quem quer guerra (mas provavelmente não está disposto a lutar nela), tenho más notícias. Como disse o General Augusto Heleno em Outubro de 2018: “Para declarar guerra não é fácil assim, não. Se para uma missão de paz é complicado para caramba, imagina para declarar guerra”.

            A complexidade de uma guerra é ABSURDA. No Brasil não temos absolutamente nenhuma experiência ou capacidade técnica para uma Guerra Total. Aliás, são poucos os países que possuem essa capacidade de forma unilateral.

            As guerras não são como eram até a Primeira Guerra Mundial. Colocar um capacete, uniforme e fuzil no soldado e manda-lo para o conflito desejando boa sorte não é o suficiente. Além dos custos exorbitantes que cada combate vale nos dias de hoje (lembre-se, ainda não nos recuperamos da crise) ainda há questões como logística, inteligência, apoio político (interno e externo) e etc.

            É um erro muito comum as pessoas pegarem os “números crus” das forças armadas de diferentes países e ver quem é o mais forte. Porém, toda guerra supera apenas a questão militar. Aliás, cada vez menos o fator “soldados” é importante para a guerra, cada vez mais toda uma estrutura anterior ao combatente se faz tão importante quanto o próprio combatente em si. Sem entrar em detalhes para o texto não ficar longo, o Brasil não possui capacidade de invadir e ocupar a Venezuela e a Venezuela obviamente também não o tem contra o Brasil.

Problemas indiretos

            O grande problema então não é um conflito aberto que se algo acontecesse estaria limitado a embates fronteiriços, mas sim os efeitos colaterais do regime venezuelano sobre a região norte e nordeste do Brasil.

            Em 2011, o então presidente Hugo Chávez que de bobo não tinha nada e aprendia lições. Assistiu a intervenção da OTAN que após meses de bombardeios sobre a Líbia acabaram por ruir com o governo líbio e terminaram com Gaddafi sendo linchado nas ruas. Preocupado de que estaria na fila para ser deposto no futuro, prontamente tomou três medidas preventivas e que se mostraram frutíferas ao seu sucesso Nicolás Maduro:

            A primeira, a repatriação das 160 toneladas das reservas de Ouro da Venezuela bem como outros ativos. Blindando o país de eventuais confiscos por governos estrangeiros em caso de sanções ou intervenção externa.

            O segundo, a compra em larga escala de diversos sistemas antiaéreos para causar danos insustentáveis a qualquer força aérea que eventualmente tentasse se meter na Venezuela. Dentre os equipamentos militares comprados, os sistemas antiaéreos eram a prioridade.

            E finalmente, a compra de milhares de fuzis Kalashnikov (AK-47 e outros) para serem distribuídos por entre as milícias bolivarianas. Compra que Nicolás Maduro iria repetir.

            Este terceiro é o grande soco no estomago do brasileiro entusiasta que subestima o tamanho do problema venezuelano e de Maduro. Pois essa compra dirigida as milícias bolivarianas geram como efeito preocupante não só o aspecto de que as próprias forças armadas venezuelanas fiquem limitadas caso resolvam se rebelar ou tentem um Golpe de Estado, como ainda para a preocupação do Brasil, um fornecimento quase ilimitado de armamento pesado para o Crime Organizado na região norte e também no nordeste.

            Ou seja, se por um lado tanto o Brasil como a Venezuela não conseguiriam invadir um ao outro. Por outro, a Venezuela consegue projetar sua capacidade de instabilidade de forma indireta, não importa se intencional ou não, sobre uma região que já vinha sofrendo com altos índices de violência (apesar de ser longe, os problemas recentes no estado do Ceará não são uma coincidência).

            Abastecidos por armamento pesado venezuelano, com refúgio e passe livre garantido em terras venezuelanas (uma vez que as autoridades venezuelanas fazem vista grossa para a presença do Crime Organizado e do narcotráfico) estas facções possuem o potencial de tumultuar toda a região desgastando pesadamente o novo governo. Deixando de ser um “mero” problema de Segurança Pública para evoluir a uma crise militar dentro do próprio território brasileiro.

 

Sobre o Autor:

De Leon é Autor associado ao Plano Brasil e Professor das Faculdades Integradas Rio Branco. Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo. Com estágio sanduíche na Virginia Commonwealth University (Estados Unidos) e University of Hong Kong (China). Tem experiência na área de Geopolítica e Crime Organizado. 

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