O Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), no dia 13 de abril de 2017, através da resolução 2350, deliberou pela última extensão do mandato da Missão das Nações Unidas pela Estabilização do Haiti (MINUSTAH) em seis meses. De acordo com o plano de desmobilização aprovado pelo CSNU, a MINUSTAH deve ser substituída pela Missão das Nações Unidas para Apoio à Justiça no Haiti (MINUSJUSTH), composta exclusivamente por forças policiais, com o objetivo de apoiar as instituições da Justiça haitiana e de zelar pela aplicação dos Direitos Humanos. A decisão pelo encerramento da MINUSTAH proporciona momento ideal para a análise de seus feitos, assim como permite ensaiar as implicações futuras de seu término para as Forças Armadas brasileiras.
Estabelecida em 2004, após a remoção do presidente Jean-Bertrand Aristide, a MINUSTAH foi caracterizada pela liderança latino-americana na tentativa de estabilizar a porção oeste da Ilha Hispaniola. Sob a liderança militar das Forças Armadas brasileiras desde 2004, a missão prolongou-se por treze anos e ficou marcada por duas catástrofes naturais que expuseram as carências da população haitiana à comunidade internacional. Ainda que seja empregada como um modelo de intervenção bem-sucedida, convém analisar o progresso da operação de paz no Haiti, atentando às dificuldades em promover a recuperação da sociedade local.
A participação brasileira na missão de paz para o Haiti pode ser compreendida a partir do paradigma de política externa que buscava “autonomia pela diversificação”. Argumenta-se que durante os mandatos presidenciais de Lula da Silva, a condução da política externa brasileira buscou maior equilíbrio nas questões internacionais, atenuando iniciativas unilaterais. A ampliação do engajamento brasileiro nas questões de segurança internacional foi considerada como elemento necessário para a satisfação dos interesses nacionais, por exemplo o pleito pela reforma do CSNU.
Ao longo dos treze anos de presença militar no Haiti, foram enviados cerca de 36.000 militares brasileiros. O governo brasileiro investiu cerca de 2,55 bilhões de reais nas operações, e foram reembolsados cerca de 930 milhões de reais pelas Nações Unidas. Ao longo dos anos é possível observar a variação no contingente de militares brasileiros enviados ao componente militar da missão, como informa o gráfico a seguir:
É notável a maior intensidade da participação brasileira após o terremoto que afligiu a população local. A partir de 2012, no entanto, é possível identificar a redução do contingente brasileiro, seguida pelo plano de desmobilização da missão.
No discurso oficial brasileiro exaltou-se a divergência da operação liderada pelas Forças Armadas brasileiras em relação às missões conduzidas sob a liderança de países centrais. A operação se distanciaria, então, do padrão de intervenções conduzidas sob a liderança de países centrais ao fundamentar-se em uma “diplomacia solidária”, desprovida de interesses materiais ou estratégicos. Durante a condução de seu mandato, a operação enfatizaria o processo de reconciliação nacional e o desenvolvimento do país.
Ao longo dos anos, contudo, a operação foi alvo de críticas por condutas excessivamente autoritárias, violação de direitos humanos e por acusações de envolvimento de seus membros em crimes de abuso sexual. E, apesar do enfoque oferecido ao desenvolvimento da sociedade haitiana, o país caribenho ainda é carente em necessidades básicas, como saneamento e acesso a serviços de saúde pública.
Apesar da potencialidade da liderança por países latino-americanos proporcionar mudanças positivas no modus operandi das operações de paz, argumenta-se que a MINUSTAH não concluiu a modificação do paradigma de intervenção internacional. Com efeito, é possível somar os problemas identificados na operação no Haiti aos problemas de outras missões habilitadas a empregar de recursos coercitivos para a realização dos objetivos expressos nos mandatos do CSNU. Posteriormente, as ocupações dos Complexos de Favelas do Alemão e da Penha, no ano de 2011, e do Complexo de Favelas da Maré, no ano de 2015, por forças policiais e militares, seriam comparadas às operações conduzidas pelas Forças Armadas brasileiras em ambientes urbanos no Haiti.
Com o encerramento das atividades da MINUSTAH, indaga-se sobre a possibilidade de novos engajamentos brasileiros em missões de paz das Nações Unidas. Contemporaneamente, o continente africano recebe o maior número de operações de paz conduzidas sob a égide da organização. Assim, o teatro de operações africano revela-se como potencial espaço para o envio de tropas brasileiras. Convém recordar que, entre os anos de 2013 e 2015, o país destacou o general de divisão Carlos Alberto Santos Cruz para o comando militar da Operação das Nações Unidas para a Estabilização do Congo (MONUSCO). O engajamento das Forças Armadas brasileiras em conflitos no Oriente Médio também é um horizonte possível. Atualmente, o Brasil mantém uma fragata e cerca de 270 militares na Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL). Com efeito, o Brasil ocupa a posição de comando da Força Tarefa Marítima da UNIFIL desde 2011.
Reitera-se, portanto, que a ocasião do encerramento da MINUSTAH proporciona momento propício para refletir sobre o desenvolvimento das atividades das Forças Armadas brasileiras no Haiti. Convém analisar em detalhe o discurso favorável aos resultados da missão, atentando às acusações de violações de direitos e liberdades fundamentais dos indivíduos. O encerramento da missão abre horizonte para novos engajamentos brasileiros em iniciativas internacionais para a manutenção da paz. Ainda que a participação do país nas questões de segurança internacional seja recomendável, é preciso ponderar com cautela os custos, financeiros e sociais, associados ao envio de tropas ao exterior.
Leonardo Dias de Paula é graduando em Relações Internacionais na Universidade Estadual Paulista (UNESP) campus de Franca, pesquisador do Gedes e possui financiamento da FAPESP.
Fonte: GEDES