Acordos militares com os EUA: Enfraquecimento do Conselho de Defesa Sul-Americano?

Sede da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) cidade de Quito – Equador

O Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS), da União de Nações Sul-Americanas, foi criado em dezembro de 2008, em uma conjuntura regional marcada por lideranças políticas dispostas a criar um novo processo de cooperação em defesa, capaz de abranger os doze países da América do Sul e desenvolver uma institucionalidade multilateral e uma maior autonomia estratégica. O documento assinado designa o Conselho como um órgão de consulta, cooperação e coordenação dos assuntos de defesa, com respeito à soberania, à autodeterminação, à integridade territorial dos Estados e a não intervenção em assuntos internos. Seus objetivos gerais abrangem: a) consolidar a América do Sul como zona de paz; b) construir uma identidade de defesa sul-americana, respeitando as características sub-regionais e nacionais; c) criar consensos para o fortalecimento da cooperação regional na vertente de defesa.

Dois eventos tiveram efetiva influência sobre o projeto de criação e de aperfeiçoamento do Conselho. Primeiramente, o caso Colômbia, Equador e Venezuela, de 2008, originado pelo ataque colombiano ao acampamento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, estabelecido em território equatoriano, próximo à fronteira. Consequentemente, o Equador efetuou uma declaração, apoiada pelo governo venezuelano, de que a Colômbia havia violado sua soberania. Ademais, como segundo elemento, tem-se os acordos, firmados em 2009, referentes a sete bases militares no território colombiano com a presença de tropas dos Estados Unidos, voltadas à luta contra o narcotráfico e terrorismo, sendo que, em 2010, a Corte Constitucional da Colômbia rejeitou os mesmos.

Nota-se assim, a busca de um órgão capaz de solucionar os conflitos e efetuar, de forma complementar, a construção de medidas de confiança mútua em defesa, sem a presença de potências extrarregionais. Contudo, após quase oito anos de criação do CDS, verificam-se mudanças nas políticas dos Estados da região e instabilidades domésticas, tanto políticas como econômicas. Notoriamente constata-se o caso do Brasil, responsável pela articulação do Conselho, em que sua atuação no órgão sofreu considerável diminuição ao longo dos anos, especialmente com o advento do governo de Dilma Rousseff. Como também em relação à Argentina, membro ativo e expressivo do CDS, mas que apresentou uma mudança de postura com o governo do atual presidente, Mauricio Macri.

Em maio deste ano, Macri intensificou as relações bilaterais e de intercâmbio militar com os Estados Unidos, destacando entre os temas tratados: trabalhos conjuntos entre suas forças de paz, cursos de formação militar, intercâmbios de efetivos em situações de emergência e catástrofe, e fortalecimento de relações na Conferência de Ministros de Defesa das Américas. Concomitantemente, houve um acordo para a instalação de bases logísticas estadunidenses, com finalidade científica, em Ushuaia e na Tríplice Fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai.

De início, podemos justificar tais ações por meio do conhecimento de que outros países sul-americanos, inclusive o Brasil, possuem acordos militares com os Estados Unidos, o que não tem impedido o funcionamento do CDS. Contudo, vale ressaltar, como primeiro ponto, que o Conselho, em 2014, sancionou a criação de um Protocolo de cooperação entre os Ministérios de Defesa da região, voltado a ações conjuntas frente desastres naturais, estabelecendo um sistema online que pode ser acessado pelo país afetado para a verificação das capacidades oferecidas pelas Forças Armadas de cada Estado sul-americano, podendo solicitar auxílio. Observa-se então que o intercâmbio estipulado entre Argentina e Estados Unidos sobrepõe o Protocolo criado anteriormente pelo CDS, colocando em questionamento sua prioridade e funcionamento.

Como segundo elemento, tem-se a busca pela intensificação de interações entre Argentina e Estados Unidos na Conferência de Ministros de Defesa das Américas, situação que põe em perspectiva o CDS, já que o mesmo deveria apresentar, ao menos, igual importância, visto o anseio por uma cooperação dos Estados da América do Sul frente aos processos existentes que abarcam todas as Américas, algo anunciado desde sua criação. Entretanto, devemos considerar que até agora nenhum posicionamento comum entre os países sul-americanos em cúpulas de defesa foi conquistado, persistindo ainda divergências e visões nacionais.

Como terceiro ponto, talvez o mais polêmico devido sua proximidade com o caso colombiano de 2009, temos as bases logísticas dos Estados Unidos, também chamadas de base militares por alguns especialistas, que serão inseridas em pontos estratégicos do cone sul e que poderão criar, como consequência, percepções de ameaça para os países da região. Uma das bases será implantada na Terra do Fogo, local com limites territoriais que se estendem até a Antártida, composta por grandes reservas de água doce e minerais. Outra deverá ser estabelecida na Tríplice Fronteira, zona de interligação entre três países sul-americanos, com proximidade ao aquífero Guarani, e considerada, pelos Estados Unidos, localidade de recrutamento e financiamento de organizações terroristas. A existência de bases militares estadunidenses na região não é uma novidade, sua presença se dá com maior destaque na sub-região andina, especialmente na Colômbia e no Peru, sendo que no cone sul, se encontra no Paraguai. Além disso, um fato que merece destaque é que, quando analisamos os planos de ação do CDS, nota-se que tais países não são os mais atuantes dentro com órgão, sendo o Paraguai o menos ativo.

Nesse sentido, devemos questionar se tais acordos não enfraquecerão ainda mais o Conselho, o qual tem passado por uma situação de continuidade de seus avanças conquistados anteriormente, porém com iniciativas e consensos debilitados. Ademais, devemos considerar que o grande articulador do CDS, o Brasil, tem apresentado uma baixa participação e iniciativa no órgão, situação que pode se agravar especialmente agora com o Ministério de Relações Exteriores comandado por José Serra. Fornecendo-nos uma perspectiva de que tal posicionamento brasileiro pode proporcionar um menor comprometimento por parte de outros países membros, que passam a buscar outros parceiros militares mais atuantes, como potências extrarregionais.

Compreende-se que anteriormente as lideranças políticas buscavam a elevação da autonomia nacional e regional em questões de defesa, algo que sofreu alteração devido o agravamento de problemas domésticos e a ocorrência de mudanças governamentais. Por conseguinte, houve um posicionado de suas políticas externas sem mais a priorização da América do Sul e de sua cooperação em defesa, e sim de suas autonomias nacionais associadas à aproximação com parceiros com grandes capacidades militares e econômicas, como no caso dos Estados Unidos.

Tamires Aparecida Ferreira Souza – Doutoranda em Relações Internacionais pelo PPG San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.

Fonte: ERIS

3 Comentários

  1. ………………….ou seja, em outras palavras, só quem não reza pela cartilha dos Estados Unidos são Venezuela,Bolívia e Equador,o resto está amarrado pela coleira econômico-ideológica sob o rótulo de países lacaios…..pobre Pindorama, quem eras e agora….quem és?……………

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