Kiev perdeu guerra midiática no leste da Ucrânia

Há um ano, protestos e confrontos entre manifestantes e polícia atingiam o ponto alto na capital ucraniana, levando à troca de poder. A influência da mídia russa no leste do país pavimentou as bases para a crise atual.

O conflito entre separatistas pró-Rússia e o Exército de Kiev no leste da Ucrânia já custou milhares de vidas. Mas a guerra com tanques e armas nas regiões de Donetsk e Lugansk não teve início nas estepes ucranianas, mas em outro campo de batalha. Começou como uma guerra pela mente das pessoas e pela maneira como interpretariam os acontecimentos.

Há um ano, o movimento pró-Ocidente da Praça da Independência (Maidan), em Kiev, comemorava uma vitória. Depois de meses de protestos que culminaram em conflitos com a polícia e mortes, em 21 de fevereiro de 2014 chegou-se a um acordo entre a oposição e o então presidente, Viktor Yanukovitch. Na mesma noite, o líder pró-Rússia fugiu do país.

Naquele fevereiro de 2014, a televisão russa era transmitida em toda a Ucrânia. Ela era a principal fonte de notícias para a população do leste do país, segundo sondagens.

“A mídia russa começou a relatar sobre uma divisão da Ucrânia muito antes dos eventos na Praça de Independência e no leste da Ucrânia”, afirma Diana Duzyk, diretora-executiva da ONG Telekrytyka (crítica de televisão). Segundo ela, a Ucrânia ignorou esse fato por muito tempo.

A revolução em Kiev foi vista por muitos ucranianos através das lentes da televisão russa: como um golpe orquestrado pelo Ocidente e executado pelos ucranianos ultranacionalistas.

“Houve uma influência venenosa tanto da mídia pró-Rússia na Ucrânia, como das mídias da Rússia na Ucrânia”, ressalta Andreas Umland, especialista do Instituto de Cooperação Euroatlântica, de Kiev. Essa retórica serviu de base para o apoio ao separatismo na Crimeia e na bacia de Donetsk, diz.

Volodymyr Kipen, sociólogo de Donetsk que hoje vive em Kiev, confirma a afirmação. Ele diz que a influência dos meios de comunicação russos no leste da Ucrânia estabeleceu por um longo período de tempo a base para a aceitação da atual interferência russa na região.

Muitas vezes, jornalistas russos misturaram realidade e ficção em suas coberturas dos fatos na Ucrânia. Um dos noticiários russos afirmou, por exemplo, que os novos governantes em Kiev haviam proibido o uso da língua russa, o que não era verdade.

Além do mais, a imprensa russa divulgou relatos segundo os quais ucranianos extremistas de direita eram um perigo para o leste da Ucrânia. Mas o fato é que não houve um levante dos extremistas de direita, como alertou a mídia.

Umland acusa os meios de comunicação russos de distorcerem a realidade. De fato, havia grupos de extrema-direita nos protestos na Praça da Independência, mas seu significado foi sobrevalorizado, avalia. Em eleições presidenciais e legislativas antecipadas, os nacionalistas ucranianos acabaram angariando pouquíssimos votos.

Manifestantes em Kiev protestaram contra a política pró-Rússia de Yanukovitch

Dilema de Kiev

No leste da Ucrânia, as sementes da suspeita parecem ter caído em solo fértil. Em abril de 2014, cerca de 70% da população na região de Donetsk disse ver a mudança de poder em Kiev como um golpe de Estado organizado pelo Ocidente, segundo uma pesquisa do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev. Em Lugansk, 61% compartilhavam dessa opinião. Quase um quinto dos entrevistados estava disposto a dar as boas-vindas aos soldados russos.

O novo governo ucraniano reconheceu o perigo. No final de março de 2014, um tribunal de Kiev proibiu a transmissão de quatro canais de televisão russos na Ucrânia. Mas muitos outros ficaram. Somente em setembro de 2014, seis meses após o início do conflito no leste ucraniano, o órgão regulador da mídia no país impediu a transmissão de 15 canais de TV russos.

Duzyk fala na existência de um dilema. “Tentamos ser democráticos e estamos diante de uma decisão muito difícil, entre a liberdade de expressão e de segurança da informação”, diz a especialista. Ela considera correto o desligamento dos canais russos. “Não são meios de comunicação, mas de propaganda”, afirma.

Mas, na opinião de Duzyk, Kiev reagiu tarde demais. Os separatistas pró-Rússia agiram rapidamente, desativando canais de TV ucranianos e ativando russos.

“Quando os separatistas assumiram o controle das últimas torres de televisão, ficou claro que a influência da Ucrânia sobre a informação propagada na região era quase zero”, completa Kipen. Para o sociólogo, em meados do ano passado já era visível que Kiev havia perdido a batalha pelas mentes de muitos cidadãos do leste ucraniano.

Fonte: DW.DE

5 Comentários

  1. A comentarista que tem lado, não é isenta, temos que destacar isso. esta certa numa coisa a primeira guerra realmente é a da comunicação. Os russos mostraram a verdade de que houve um golpe estado, não uma pura e simples, como ela tenta descrever, mudança de poder. Fosse a coisa feita dentro de parametros legais e a Russia teria perdido todos os seus argumentos, bem como os legalistas Ucranianos. É como eu escrevi para um energumeno amante da guerra civil cá no Brasil, os países canalhas do ocidente falam em democracia como um panfleto, mas apoiam ditaduras, golpes de estado, e até guerras civis para plantar gente que possam controlar atraves de compromissos feitos com os titeres nesses momentos, que tornarão povos eternamente frageis e cativos. Esses estados não apoiam negociações nem tratados com alto nivel de respeito e soberania, com os estados presa. Predadores que são. não aceitam competidores no mesmo terreno, por isso muitas atomicas são necessarias para lhes impor algum receio e respeito.

  2. “Mas, na opinião de Duzyk, Kiev reagiu tarde demais. Os separatistas pró-Rússia agiram rapidamente, desativando canais de TV ucranianos e ativando russos.”
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    Esta desativação pode ser feita com canais transmitidos por cabo, más não com canais via radiodifusão, tanto de TV, como de rádio…

    A verdade é que a população do leste e sul da Ucrânia sempre foi pró Rússia e votou maciçamente no presidente deposto Víktor Yanukóvytchh , que em algumas áreas, chegou a ter 90% dos votos na eleição para presidente de 2010.

    E isto equivale a dizer que esta maioria que elegeu o presidente, teve os seus votos jogados na lata de lixo pelo golpe de Maidan, que foi apoiado pelas milicias nazis organizadas por Washington, do centro/oeste da ucrânia.

    Quando Yanukóvytchh escolheu manter e estreitar os laços econômicos com a Rússia, UE/EUA não aceitaram, impondo: ou nós ou os russos!

    Quando este ultimato não foi aceito pelo governo da Ucrânia, mantendo o acordo com a Rússia,
    o EUA deflagrou o movimento/golpe de Maidan, roubando com isto a livre determinação da maioria do povo da Ucrânia que era a população pró russa do leste sul da Ucrânia e que tinha votado em Yanukóvytchh.

  3. O fato é que houve um golpe de estado na Ucrânia, e a mídia ocidental tenta esconder isso,inclusive chamando o homem forte da Ucrânia Pyotr Poroshenko de presidente quando na verdade ele é um usurpador um ditador que derrubou um governo democraticamente eleito !

    A Russia usou o mesmos modus operandi que os grandes conglomerados midiáticos ocidentais usam (CNN,BBC,DW,Rádio França, etc),isso não é novidade !

    Inclusive essa matéria da DW,tenta nos induzir a crer que os movimentos na Praça Maidan,se davam naturalmente sem influencias externas, até que o Capeta Putin resolveu incendiar tudo !

    E oque era uma coisa lúdica,virginal se transformou em um caos !

    • Caro César Pereira

      Temos que lembrar de duas coisas:
      – A Revolta da Praça Maidan, não há provas cabais, mas todos acreditam que os EUA estão por trás
      – O mais importante, por mais que queremos culpar o Ocidente pela Guerra Civil, vale lembrar que a Russia, tem a maior culpa, pois ao forçar o presidente deposto a se unir na Aliança Eurasiana, foi o estopim e o Ocidente só aproveitou e colocou mais pólvora.

      Sds

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