O mundo emergente está entrando em crise?

emergingDaniel Gallas

Da BBC Brasil em Londres

Quem observa as movimentações do mercado financeiro nos países emergentes neste mês de agosto pode ficar com a impressão de que o mundo voltou algumas décadas no tempo – para uma época em que Ásia e América Latina eram apenas vistos como lugares de ganhos rápidos e altos riscos.

As regiões que na última década conseguiram registrar crescimento econômico em percentuais acima do mundo desenvolvido sofreram neste mês fortes oscilações nos mercados financeiros.

As moedas da Índia, Indonésia e Tailândia desabaram na comparação com o dólar, atingindo o menor nível desde 2009. Com exceção da China, as bolsas de valores asiáticas perderam em poucas semanas quase todos os ganhos do ano.

No Brasil, as autoridades monetárias anunciaram um plano multibilionário para conter a queda do real diante dólar, que já atingiu o patamar mais baixo dos últimos cinco anos.

O “mês do desgosto” fez com que muitos economistas e publicações especializadas passassem a se debruçar sobre uma questão: o mundo emergente está rumando para uma crise? Ou ainda: com que força essa turbulência financeira vai chegar à economia real?

Descolamento ‘às avessas’

Em 2008, muitos economistas debatiam a tese do “descolamento” – a ideia de que o mundo emergente estava imune à grave crise que começava a atingir os países desenvolvidos. Com o tempo, economias como China e Brasil também desaceleraram o seu ritmo, e a tese perdeu força.

Os emergentes e a turbulência

Mulher segura notas de rúpia da Indonésia

Os EUA sequer mexeram na sua política monetária ainda, mas o mero anúncio de que isso será feito no futuro já provocou turbulências em todo o mundo emergente.

Por ora, ainda não há reflexos nos índices de crescimento econômico, mas muitos países já estão mudando juros, tarifas e regras cambiais.

Veja o que está acontecendo em cada nação:

ÍNDIA: A rúpia indiana se desvalorizou 14% nos últimos três meses em relação ao dólar – a maior parte em agosto. A Índia é um dos países mais expostos a essas flutuações, devido ao grande déficit em conta corrente (um dos itens da balança de pagamentos nacional). No último mês, as autoridades prometeram tentar reduzir esse déficit até o fim do ano e anunciaram medidas para controlar a saída de dólares do país.

INDONÉSIA: O país tem os mesmos problemas da Índia – cotação da moeda desabando e déficit em conta corrente. O governo aumentou tarifas de importação e relaxou as cotas de exportação de alguns minérios.

TURQUIA: A lira se desvalorizou 10% nos últimos três meses. Na semana passada, o governo turco lançou um pacote para conter a moeda, aumentando os juros e limitando as operações de câmbio. Um estudo do Deutsche Bank diz que o país é um dos mais sensíveis às oscilações, devido a seu alto endividamento externo e déficit em conta corrente.

BRASIL: O real também está entre as moedas que sofreram forte desvalorização, sobretudo em agosto. O Banco Central anunciou na semana passada um pacote de negociações diárias de dólar, para tentar diminuir a volatilidade. Exportadores podem se beneficiar com o real mais fraco, mas o dólar alto tem efeito negativo na inflação, que está perto do limite superior da meta. Com isso, os juros básicos podem subir, afetando o crescimento.

ÁFRICA DO SUL: Na contramão dos demais, a África do Sul disse que não pretende intervir no rand, a moeda nacional, que está no patamar mais baixo em quatro anos. O governo encara a movimentação como uma “correção”, já que o rand era tido como sobrevalorizado.

No entanto, a ideia voltou à discussão no último mês, mas agora com notícias de recuperação econômica na Europa e nos Estados Unidos, e turbulências nos mercados emergentes.

“Isso [o ‘descolamento’] certamente é o que os números mostram. A Europa parece estar se recuperando e os números saindo dos Estados Unidos são surpreendentemente bons”, disse Markus Jaeger, analista de risco global do Deutsche Bank Research, à BBC Brasil.

“Você tem dificuldades de achar alguma economia emergente que está com bom desempenho. Todos esses países estão com desempenho abaixo do potencial. Imagino que isso é uma espécie de ‘descolamento às avessas’, mas temos que esperar para ver o quão sustentável essas recuperações serão e o que acontecerá nos mercados emergentes. Mas certamente houve um ajuste nas expectativas.”

Tsunami recuando

Ironicamente, é justamente a recuperação nos países desenvolvidos que provoca a instabilidade no mundo emergente neste momento.

No ano passado, o Banco Central americano havia anunciado o maior programa de estímulo financeiro da sua história, prometendo mantê-lo até que o índice de desemprego do país caísse. O programa de “afrouxamento quantitativo” (QE3), como é conhecido, inundou o mundo emergente com dólares, provocando uma queda na cotação das moedas nacionais.

Na época, houve protestos entre os emergentes contra os efeitos dessa política, que afetou a moeda, os custos e a balança comercial de vários países. As autoridades brasileiras chegaram a acusar uma “guerra cambial” e um “tsunami financeiro”. Apesar dos protestos, muitas economias conseguiram se ajustar e continuar crescendo.

Agora que a economia americana parece estar se recuperando, o programa de estímulo será encerrado. A grande dúvida é sobre quando isso vai acontecer. Especula-se que o QE3 pode terminar em setembro, em dezembro ou talvez só no próximo ano.

O mero anúncio de que haverá uma mudança – sem qualquer alteração ainda na política monetária americana – já provocou toda essa turbulência recente nos países emergentes.

Os investidores estão se antecipando ao que esperam que vai acontecer. Com o fim do QE3, haverá menos dólares em oferta no mundo. Além disso, a recuperação dos Estados Unidos fará com que muitos investimentos migrem de volta para o país, descapitalizando os mercados emergentes.

Com a onda do “tsunami financeiro” recuando de volta para os Estados Unidos, o rastro deixado nos países emergentes é de moedas nacionais desvalorizadas, menos investimento externo, menos capital nas bolsas de valores, custos de importação mais altos e possível inflação.

Longo prazo

Mas nem todos veem com pessimismo esse novo momento.

Um editorial do jornal britânico Financial Times afirma que “as transformações econômicas nos países emergentes [nas últimas décadas] são profundas demais para que possam ser desfeitas por uma mera tempestade nos mercados”. O jornal destaca que os países aprenderam as lições de crises passadas, como a asiática dos anos 1990, e acumularam reservas para lidar com momentos de grande saída de capitais.

Há quem veja na crise até mesmo uma oportunidade.

Markus Jaeger, do Deutsche Bank, diz que os emergentes podem ter perdas no curto prazo com a atual volatilidade, mas ganhos no longo prazo.

“Existe um perde-e-ganha. Por um lado, as condições financeiras ficarão mais apertadas nos mercados emergentes. Mas por outro lado, isso estará acontecendo em um contexto de crescimento mais vigoroso e mais sustentável nos Estados Unidos”, explica Jaeger.

“No curto prazo, provavelmente é negativo, com toda essa insegurança em relação à moeda do Brasil e da Índia, e com todas as potenciais intervenções e um potencial aumento nas taxas de juros. No longo prazo, o crescimento econômico dos Estados Unidos deve dar uma contribuição mais forte e positiva ao crescimento nesses países.”

O analista sênior da Economist Intelligence Unit (EIU) para a América Latina, Robert Wood, concorda.

“Eu acho que o que estamos vendo, essa volatilidade não só da moeda, mas de ações e preços, nesta fase, é que há algo positivo em tudo isso”, disse Wood à BBC Brasil. “É porque a economia americana está mais forte, com previsão de crescer 1,6% este ano, ganhando momento, e podendo chegar perto de 2,5% no ano que vem.”

América Latina

“A crise de 2008 mostrou que esses países conseguem resistir até mesmo a choques enormes”

Markus Jaeger, analista do Deutsche Bank

Ele acredita que o México é o país que pode mais se beneficiar, no longo prazo, com a recuperação americana, dadas as relações próximas entre as duas economias. Mas o Brasil também pode ter um impulso.

“Muito do que acontece na América Latina depende de México e Brasil, que respondem por 60% da economia da região.”

Em tese, a desvalorização do real fortalece os exportadores brasileiros, já beneficiados com a recuperação dos Estados Unidos. Mas há riscos embutidos.

“Uma desvalorização da moeda é bem-vinda até uma certa medida pelos exportadores, mas um aumento muito brusco prejudica a inflação”, diz Wood.

“Na visão da EIU, os países emergentes estão passando por um grande teste, mas ainda há muitas oportunidades. As economias da América Latina provavelmente conseguirão superar esses desafios.”

O analista do Deutsche Bank ressalta que a instabilidade atual mostrou que o mundo de hoje é muito diferente do de dez anos atrás, e que os emergentes estão mais resistentes aos choques que vêm de fora.

“Olhando para os mercados emergentes hoje, é difícil achar uma economia que esteja vulnerável do ponto de vista sistêmico à saída de capitais. No final dos anos 1990, ou até mesmo em 2002 no Brasil, estes choques geralmente derrubavam as economias, desencadeando crises financeiras e econômicas”, diz Jaeger.

“A crise de 2008 mostrou que esses países conseguem resistir até mesmo a choques enormes. Nos últimos cinco anos, isso não mudou. Os países conseguem navegar pelos choques, deixando suas moedas se desvalorizar, e depois disso a vida segue.”

Fonte: BBC Brasil

7 Comentários

  1. Creio que não e só os emergentes que estão nesta situação.
    O bicho ta pegando também na China, vejam essa matéria sobre as previsões da economia Mundial e noticias vindo da China.

    El GEAB N°76 está disponible! Alerta segundo semestre 2013 – crisis sistémica global II: Segunda Deflagración devastadora/explosión social a escala planetaria.

    http://www.leap2020.eu/Espanol_r53.html

    Crédito fácil seca e afeta economia da China

    Inadimplentes, comerciantes fecham as portas e fogem para evitar a cobrança.
    Mas uma dolorosa crise de crédito está se espalhando por Shenmu e cidades próximas acarretando o fechamento de milhares de empresas, a retomada de frotas de veículos BMWs e Audis, que haviam sido financiadas, e a irrupção de inúmeros protestos de rua.

    Agora, as principais fornecedoras de artigos da moda ocidentais estão desertas, as vendas mensais em restaurantes chegaram a cair 97% e a entrada de mármore do Clube Jardim da Fortuna está fechada. Todas revendedoras de carros da cidade, menos uma, fecharam.

    Fuga. O dono da maior joalheria da cidade foi detido pelas autoridades uma semana atrás quando credores o descobriram empacotando secretamente ouro e joias no valor de milhões de dólares e o acusaram de estar se preparando para fugir da cidade sem acertar suas dívidas.

    Um restaurante chique fechou um dia antes, e seu dono também foi embora da cidade, assim como o fundador do Jardim da Fortuna e muitos outros executivos em dificuldades.

    “É uma crise econômica como a que os Estados Unidos tiveram; exatamente igual”, disse Wang Ting, um operador de um cassino ilegal em Fugu, perto de Shenmu. “Não há dinheiro, todos ficam em casa por falta de emprego, não há maneira de a economia se recuperar.”

    Shenmu e cidades próximas como Ordos e Fugu são indicadores dos problemas mais gerais que estão começando a afligir toda a economia chinesa.

    Desaceleração. Por toda a China, o crescimento perdeu força. Com a desaceleração econômica, vieram os calotes crescentes dos empréstimos feitos fora do sistema bancário convencional,…

    http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,credito-facil-seca-e-afeta-economia-da-china-,1066953,0.htm

  2. “É porque a economia americana está mais forte, com previsão de crescer 1,6% este ano, ganhando momento, e podendo chegar perto de 2,5% no ano que vem.” … “Em tese, a desvalorização do real fortalece os exportadores brasileiros, já beneficiados com a recuperação dos Estados Unidos”… chupem esquerdalhas antiamericanos infantis… o mundo é capitalista, queiram vcs ou não… melhorando a economia lá a política muda e muda aqui por tabela… e a dona coisa não tá dando conta de conter a inflação mesmo, tudo descamba para uma mudança de ares por aqui… tomara…

  3. Dólar alto é bom, e não ruim… Que continue aumentando, assim poderemos recuperar boa parte da nossa capacidade industrial.
    Aumente doleta, aumente!

  4. Vindo da BBC eu só digo : a INVEJA é uma desgraça.

    Aliás esse motivo é o mesmo do primeiro homicídio que se tem registrado na história.

    Bom, é lógico que isso faz parte de uma idéia deles , de desmerecer , menosprezar e

    desvalorizar tudo que nós possuímos .

    Terras Raras, imensa área de solo fértil, minérios de todos os tipos, petróleo, imensos

    cursos de água potável e aquíferos subterrâneos, matas imensas, uma populaçao jovem e enorme e consumidora de classe média e nós temos o mais importante de tudo e que eles NÃO TEM :

    ESPERANÇA REAL de melhorar mais ainda.

    Não existe revolução industrial ou revolução tecnológica sem commodities, aliás

    parabéns pela manipulaçao jogando os preços lá embaixo, estão fazendo o que (?),

    estocando (?). rs rs Que dó.

    Faz o seguinte vai construindo aí hms não o que, queen não sei das quantas … depois

    vem pegar nós, mas não se esqueça, não adianta ficar boiando no marzão rs rs rs,

    vão ter que cair pra dentro.

    Abs.

  5. A justificativa para a nossa “crise” seria a falta de consumidores e crédito nos EUA e na Europa, que derrubaram os preços das commodities. Se eles estão realmente melhorando e voltaram a comprar, então ótimo para nós que vamos voltar a acumular reservas com o aumento do consumo de alimentos, minérios e combustível. Agora com Norte-Sul, vários outros portos e fábricas, novas estradas, novos aeroportos, etc…

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