Há 60 anos, golpe derrubava premiê iraniano Mohamed Mossadegh

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Primeiro-ministro iraniano Mohamed Mossadegh

Orquestrada pela CIA, destituição de chefe de governo eleito democraticamente é considerada por historiadores semente da desconfiança mútua que caracteriza até hoje o relacionamento entre EUA e Irã.

Para os Estados Unidos, o Irã é “um regime fundamentalista com ambição de ter a bomba atômica” e “parte do eixo do mal”. Já para Teerã, Washington é sede do “grande Satã ateu” e “a raiz de todos os males”. Poucas relações entre duas nações são tão carregadas como a existente entre Irã e EUA: a desconfiança mútua é profunda. Os motivos dessa inimizade remetem à Revolução Islâmica de 1979. Já em 1953, os Estados Unidos intervieram na política iraniana pela primeira vez, com consequências que repercutem até hoje no Oriente Médio.

Medo do comunismo

No entanto, logo após a Segunda Guerra Mundial os laços entre as duas nações eram bastante amistosos. A prestigiada revista Time chegou até a eleger o primeiro-ministro iraniano Mohamed Mossadegh “Homem do Ano de 1951”, por ter ousado nacionalizar a exploração de petróleo no Irã, até então em mãos britânicas.

A medida suscitou também elogios de personalidades políticas norte-americanas. “Na época, havia nos EUA grande simpatia pelos movimentos anticoloniais de libertação no Terceiro Mundo”, recorda Jürgen Martschukat, professor de história dos Estados Unidos na Universidade de Erfurt. “Mossadegh foi até tratado como uma espécie de Benjamin Franklin iraniano”, ressalta.

Já os britânicos, que dominavam a exploração petrolífera do país desde o início do século 20, se mostraram menos entusiasmados. A Anglo-Iranian Oil Company (AIOC) fornecia ao Império enormes lucros ano após ano. “O petróleo iraniano foi literalmente roubado pelos britânicos durante décadas”, acusa Bahman Nirumand, jornalista iraniano baseado em Berlim. “O Irã só recebia uma pequena compensação financeira pelo petróleo que os britânicos exploravam.”

Por isso, desde o final dos anos 1940, os políticos de Teerã exigiam veementemente uma distribuição mais equitativa dos dividendos. Mas o Reino Unido se mostrava irredutível, insistindo no cumprimento dos lucrativos contratos. Quando Mohamed Mossadegh foi eleito primeiro-ministro, em 1951, a situação se agravou. Em seu primeiro ato oficial, ele rescindiu unilateralmente, em 20 de março de 1951, o contrato com a AIOC e nacionalizou a indústria do petróleo.

Londres reagiu com indignação, ameaçando com uma invasão e pedindo ajuda a Washington. Mas o governo do presidente Harry S. Truman, rejeitou o pedido. Embora os britânicos fossem aliados, Washington não tinha interesse em continuar enfraquecendo Teerã. O medo era grande de que o Irã caísse nos braços da União Soviética. Além disso, Truman era da opinião que a atitude inflexível dos britânicos colaborara para agravar a situação.

CIA e o golpe

A posição dos EUA mudou quando Dwight D. Eisenhower sucedeu Truman no final de 1952. Iranianos e britânicos haviam negociado sem sucesso durante dois anos, a situação entrara num impasse, o clima era hostil. O Reino Unido impusera um embargo total ao petróleo iraniano. A economia do país estava arrasada; forças radicais, como o partido comunista Tudeh, ganhavam cada vez mais popularidade.

No governo Eisenhower, anticomunistas linha-dura tomaram as rédeas da administração: John Foster Dulles assumiu como secretário de Estado e seu irmão, Allen, era chefe da CIA. Eles viam com preocupação os acontecimentos no Irã, e consideravam Mossadegh mesmo um “lunático”, que, com seu curso de confrontação, poderia colocar nas mãos dos russos o país rico em petróleo.

“Eles chegaram à conclusão de que não era possível resolver com Mossadegh aquela situação complicada”, afirma o historiador Jürgen Martschukat. Os EUA ainda continuavam rejeitando uma intervenção militar no Irã. “A administração Eisenhower, no entanto, estava disposta a atuar com meios diferentes dos da administração Truman.” Foi quando a CIA entrou no jogo.

No verão de 1953, a inteligência dos EUA lançou em Teerã a Operação Ajax. A CIA subornava políticos, oficiais e clérigos, incitando-os a fazer oposição a Mossadegh. Ao mesmo tempo, convenceu o xá Reza Pahlavi a destituir Mossadegh por decreto. Em 19 de agosto ocorreu, diante residência privada do primeiro-ministro, uma batalha de rua entre seus partidários e adversários seus.

“Nós nos surpreendemos ao ver as pessoas que protestavam contra Mossadegh”, recorda Bahman Nirumand, que testemunhou o golpe de perto, como estudante em Teerã. “Havia entre eles quadrilhas de marginais assassinos e gente pobre da zona sul da cidade, que havia sido subornada com dinheiro.” Quando os militares, fiéis ao xá, intervieram, Mossadegh foi derrubado, e a experiência democrática no Irã teve um fim abrupto.

Revolução islâmica

“Já durante o golpe, havia suspeita de que ele não fora organizado pelos iranianos”, ressalta Nirumand. Rapidamente a suspeita virou certeza, pois o xá recebeu apoio maciço dos EUA. A nacionalização da indústria petroleira foi revertida: metade das receitas do petróleo passaram a ser destinadas ao Irã, a outra metade, a um consórcio de 17 empresas, a maioria americanas e britânicas.

O xá Reza Pahlavi estabeleceu uma ditadura, com apoio militar, financeiro e de pessoal dos Estados Unidos. “Havia na época mais de 10 mil consultores americanos no Irã”, lembra Bahman Nirumand. “Eles praticamente dominaram o país durante 25 anos.”

O xá foi derrubado no início de 1979 pela revolução islâmica liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini. “A lembrança de Mossadegh esteve foi muito presente durante os protestos”, afirma Martschukat. Em meio às manifestações contra o xá, em 1978, muitos manifestantes empunhavam retratos do ex-primeiro-ministro. E quando, no final de 1979, iranianos invadiram a embaixada dos EUA em Teerã, tomando 52 diplomatas ocidentais como reféns, o lugar tinha um grande poder simbólico: naquele edifício fora tramado o golpe contra Mossadegh.

Desconfiança recíproca

“A derrubada de Mossadegh deixou um trauma, sentido até hoje na sociedade do Irã”, crê Bahman Nirumand. Ele atribui ao sentimento popular após a destruição da democracia iraniana pela CIA, grande parte do sucesso da propaganda antiamericana dos mulás no país, mesmpo 60 anos depois do golpe. “Os ativistas muçulmanos do Irã tocam no assunto até hoje e dizem ‘simplesmente não dá para confiar nos americanos’.”

Por outro lado, a invasão da embaixada em 1979 solidificou para Washington a imagem do Irã como um inimigo dos Estados Unidos”, considera o especialista Martschukat. Na sequência, os EUA e o Irã têm cultivado de tal forma a antipatia mútua, que negociações diretas entre os dois países são até hoje quase impossíveis.

A curto prazo, o golpe de 1953 foi de grande benefício para os norte-americanos, ao garantir aos EUA, por 25 anos, a lealdade do xá e o acesso quase irrestrito às reservas de petróleo iranianas. Mas a longo prazo, o golpe provou ter sido um grande erro. “Nós, historiadores, somos relativamente unânimes quanto a isso”, assegura Martschukat.

No início de 1950, os EUA eram populares não só no Irã, mas em todo o Oriente Médio. “Como um Estado que se tinha libertado de seu status de colônia em relação à Europa, os EUA serviam como um modelo.” Até o país decidir derrubar uma democracia, por interesses puramente econômicos, e substituí-la por uma ditadura. “Nesse ponto, os EUA certamente cometeram um erro”, conclui o historiador.

Fonte: DW.DE

5 Comentários

  1. “Os ativistas muçulmanos do Irã tocam no assunto até hoje e dizem ‘simplesmente não dá para confiar nos americanos’.
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    É a pura verdade…!

  2. Uma ditadura é boa quando ela lhe convém, os EUA derrubaram o Cara e colocaram lá o tal do Xá.
    O xá Reza Pahlavi era um ditadorzinho não muito diferente dos que ainda perambulam pelo resto do oriente médio com apoio dos EUA. Só para citar a poucos dias uma norueguesa foi condenada por denunciar seu estuprador em Dubai, que mundinho hipócrita.
    Não sei se o Irã hoje é muito diferente do que era quando o xá mandava lá, mas também acho que não é muito diferente do resto do oriente médio. Então caso haja uma faxina por parte da OTAN/EUA eles poderiam começar pela Arabia Saudita e seguir o baile oriente médio adentro.

  3. Nao so ativistas mulssumanos nao esquecem o assunto. A literatura dos militantes Mujahadin e Fedains que combatiam o regime do Shah na decada de 1960 e 1970discutiam esse assunto constantemente. A publicacao de materiais recente quando a CIA admite ter utilizados agentes para cometer atos terroristas como se fosse membros do partido comunistas iranianos, nao e novidade. Assunto velho e ja muito discutido. O que e novo, nao tao novo, pelo menos uns 15 anos e que e que em 1979 Khomeini estava sendo apoiado pela propria CIA e pelo MI6 britanico. Por volta dos meados da decada de 1970, a CIA teria chegado a conclusao que o Shah nao teria condicao de vencer a luta contra os Fedains e os Mujahedins, grupos politicos de esquerdas, influenciados pelaas teorias maoistas, e e contra o movimento operario que estava influenciado pelo partido comunista. O Shah teria se tornado um limao exprimido, sem serventia. Dai ter-se aproximado de Khoumeni, um fanatico religioso, violentamente anticomunista. Os EUA preferiram ignorar as declaracoes anti norte americana proferida por Khoumeni. Tal qual ocorreu recentemente com o apoio de Obama a Irmandade mulssumana no Egito. A irmandade mulssumana e radicalmente anti-comunista, pro-neoliberal em economia politica e decidamente anti civilizacao ocidental. Mas a administracao norte americana decidiu apoia-la, como um meio de combater a politizacao das massas pobres no Egito. Quando os EUA perceberam que Morsi nao estava em condicao de terminar as agitacoes populares, greves, demonstracoes etc, decidiram que ele teria que ser demitido e um regime a la Pinochet era o que a situacao requer. No Irao, Khoumeni sucedeu em terminar com a esquerda, que por sinal colheu o que tinha semeado. Marcharam atras de Khoumeni, gritando Deus e Grande, mesmo quando esse pregava que quando assumisse o poder, ele iria cortar as maos dos esquerdistas. Morreram surpresos e diziam antes que a bala das metralhadoraes lhes silenciassem para sempre, que Khoumeni lhes trairam, foi um ingrato. Eu ja na epoca dizia, Nao, ele nao traiu ninguem. Ele advertiu o que fazer com os esquerdistas. Mata-los. Eles preferiram ignorar essa advertencia, e ai foi tarde.O mesmo se deu com a relacao de Khoumeni com os EUA. Ele advertiu que iria cortar as maos dos nortes americanos, esses os que lhe ajudaram assumir o poder, com dinheiro, e uso da BBC, para transmitir sua mensagem ao povo iraniano, quando ele residia em Paris. Nao traiu ninguem. Tolos foram os que ignoraram o que ele estava dizendo

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