Defesa & Geopolítica

País fez 'revolução racional', diz economista

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POR ELEONORA DE LUCENA

Steve Dunwell – A economista Alice Amsden

Alice Amsden era uma das mais importantes economistas heterodoxas da atualidade. Mergulhou no processo de industrialização asiático e destrinchou o papel do Estado como indutor do desenvolvimento. Professora de economia política no MIT (Massachusetts Institute of Technology), ela morreu no dia 15, em Cambridge (EUA), aos 68 anos.

Um mês antes, deu esta entrevista à Folha. Nela, fez elogios ao desenvolvimento brasileiro, afirmando que o país realizou uma “revolução racional” e enfatizando a importância da Petrobras.

Sua avaliação era que o país, que tem “empresários de primeira linha”, precisa ter um setor nacional forte — público e privado. Em recente trabalho, apontou as diversas razões para isso: empresas nacionais são mais empreendedoras e conhecem melhor o mercado, por exemplo.

Seu livro mais importante é “A Ascensão do `Resto’, os Desafios ao Ocidente de Economias com Industrialização Tardia” (Unesp, 2009).

Folha – Como a sra. analisa o desenvolvimento brasileiro hoje?
Alice Amsden – Finalmente as coisas estão indo bem no Brasil, depois de 500 anos? O que está indo certo até o ponto em que o modelo brasileiro está começando a ser copiado pelo México e pela África lusófona?

Os novos países produtores de petróleo da África estão copiando o “nacionalismo de recursos” da Petrobras, em que uma companhia de propriedade nacional, em vez de uma empresa internacional, é o centro de um negócio gigante de petróleo.

Petróleo suficiente está sendo produzido no Brasil, não em algum país distante por alguma multinacional, de forma a dar ao governo brasileiro receitas de impostos suficientes para financiar o seu Estado de bem-estar social. Decisiva para esse Estado de bem-estar é o Bolsa Família, que começou no México, mas agora é o México que usa o modelo brasileiro.

Quais foram as mudanças de longo prazo?

O que mudou no Brasil para colocá-lo no caminho certo? A primeira coisa e a mais importante foi que o Brasil teve uma mente rebelde: fez uma mudança radical no aprendizado e no pensamento sobre desenvolvimento. Parou de olhar na direção da teoria do mercado para buscar inspiração para as suas políticas.

Em vez de se dirigir para o beco sem saída das políticas universais — como o livre comércio e as vantagens comparativas — e que eram supostamente boas para todos os países, começou a pensar com linhas dedutivas. Seu guia passou a ser as “experiências” de muitos países, não as teorias. O Brasil se tornou um laboratório intelectual para experimentações cuidadosas.

Como é esse novo modelo?

Agora o Brasil incentiva indústrias não com base nas vantagens comparativas, mas com base no “conhecimento do negócio”. Se o conhecimento existe no Brasil, o governo pode avançar e apoiar uma nova indústria. Não necessariamente com as rígidas linhas da velha fórmula da substituição de importações, mas com novas linhas, de acordo com o que os brasileiros sabem sobre como a indústria realmente funciona.

Por exemplo?

Um exemplo agora é o da construção naval. Parabéns ao Brasil por fazer uma revolução racional.

E a questão da inovação?

Está conectada com essa revolução. O Brasil começou inovando na fronteira mundial guiado pelo modelo de suas necessidades específicas (álcool, perfuração em águas profundas), não por um modelo, como no passado, que era baseado no que a ciência determinava como necessário a ser feito em pesquisa e desenvolvimento.

Como a sra. avalia o processo de privatização e as relações entre o Estado e os empresários?

O Brasil melhorou as relações entre o setor de negócios privado e os servidores públicos de alto nível. Agora, por causa da “privatização de veludo”, os dois se complementam, em vez de cortar as gargantas uns dos outros.

O Brasil não fez uma privatização louca das joias da coroa, abrindo mão das melhores empresas públicas para executivos e engenheiros medíocres do exterior.

Em vez disso, fez uma fórmula de compromisso. O setor privado pode ter ações numa propriedade estatal lucrativa, enquanto o governo pode manter o controle do conselho de administração dessas empresas.

Qual o papel do setor privado no desenvolvimento?

Para ampliar o conteúdo nacional, a gestão pública pode assumir a liderança. Agora, por exemplo, a Petrobras está começando usar navios de fornecedores nacionais e a Vale está se movendo na direção da produção de aço. No passado, o setor privado no Brasil era muito fraco. Houve muitas aquisições de empresas por estrangeiros nos anos 1980 e 1990. Agora, graças aos gastos governamentais em pesquisa e desenvolvimento — já que poucas empresas privadas no Brasil são ativas em pesquisa e desenvolvimento — e à expertise do BNDES, o setor privado está se fortalecendo.

É muito importante para um país emergente como o Brasil ter um setor nacional forte — público e privado– em vez de depender de empresas multinacionais, como aconteceu no passado.

Como a sra. analisa o empresariado nacional?

Finalmente vemos o que sempre soubemos e que não podíamos provar. O Brasil tem um grande número de empresários de primeira linha. Eles vão continuar a liderar a indústria brasileira desde que sejam disciplinados — pelo BNDES, que atribui padrões de desempenho a seus empréstimos.

O empreendedorismo ganancioso e orientado pelas finanças que existe nos EUA e no Reino Unido precisa ser evitado. Ou a inquietação social vai voltar e a parcela da manufatura no PIB vai cair — e é lá onde estão os empregos e os lucros.

Como a sra. define o Brasil?

O Brasil é pró-capitalista, nacionalista e anti-imperialista. Com manobras inteligentes na OMC, mostrou uma forma brilhante de luta contra as tendências imperialistas do mundo desenvolvido.

Ficando mais rico, o Brasil não se pode se esquecer de que é ainda um país muito pobre. Não pode imitar as políticas de livre mercado dos países mais ricos e esperar se desenvolver.

Fonte: Folha de S.Paulo

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