Ecos do Afeganistão na Líbia

ABDEL BARI ATWAN

Tradução de Clara Allain

O coronel Gaddafi, na Líbia, está parecendo cada vez mais vulnerável, na medida em que as forças rebeldes, com o respaldo da Otan, seguem adiante com uma campanha bem planejada para cercar e isolar sua base de poder, em Trípoli. As cidades chaves de Zawiyah e Surman, ao oeste da capital, e Garyhan, ao sul, já caíram nas mãos dos rebeldes. A aparente deserção do ministro do Interior, Nassr al-Mabrouk Abdullah –que chegou ao Egito no fim de semana com nove familiares– representa mais um golpe forte contra o regime. Gaddafi está cercado, exausto e à procura de uma saída com dignidade.

É apenas questão de tempo, portanto, até que o regime líbio reconheça sua derrota. Mas o que vai acontecer depois disso? O Ocidente está perdendo confiança no Conselho Nacional de Transição (CNT), que parece ser incapaz de unificar e controlar os elementos diversos no interior da rebelião, que não apenas não se entendem como parecem estar prestes a se digladiarem. O elemento islâmico entre as forças rebeldes é forte, bem armado (graças a incursões nos depósitos de munições do regime) e se opõe implacavelmente à Otan. A principal milícia islâmica –a brigada Abu Ubaidah bin Jarrah– negou-se a combater as forças de Gaddafi sob a bandeira “infiel”, mas cuida da “segurança interna”. São seus integrantes os mais prováveis culpados pelo assassinato, em 28 de julho, do comandante-em-chefe dos rebeldes, general Abdul Fatah Younis, que havia desertado do regime de Gaddafi na fase inicial do levante. Younis foi ministro do Interior de Gaddafi e presidiu sobre uma supressão particularmente brutal de um levante islâmico em meados dos anos 1990.

As diversas outras explicações possíveis para o assassinato de Younis são todas viáveis, oferecendo uma boa ilustração do caos e das brigas internas que caracterizam a oposição. De acordo com uma facção, Younis não teria sido um desertor legítimo do campo de Gaddafi, mas um espião do regime que foi morto pelo CNT. Já a brigada islâmica Mártires do 17 de Fevereiro, liderada pelo clérigo Ismail al-Sallabi, afirma que Younis foi morto por agentes de Gaddafi infiltrados. O ex-coronel do exército líbio e associado à CIA Khalifa Hifter –que havia entrado em choque aberto com Younis pelo controle do braço militar do CNT, a União de Forças Revolucionárias– também foi acusado do assassinato.

Sob pressão da poderosa tribo Obeidi, à qual pertence a família de Younis, e também da Coalizão 17 de Fevereiro (um grupo de profissionais de direito preocupados com a influência crescente dos islâmicos), o presidente do CNT, Abdel Mustafa Jalil, demitiu o gabinete inteiro na semana passada, com a exceção do primeiro-ministro, Mahmoud Jibril.

A intenção era que a iniciativa acalmasse os receios crescentes entre os apoiadores ocidentais do CNT. Embora os líderes dos EUA, Reino Unido e França tivessem consciência de um elemento islâmico presente nas forças rebeldes, pensavam que ele fosse controlável. O receio agora é que esse setor islâmico prevaleça em um conflito civil (e tribal) grande entre os rebeldes seculares e grupos islâmicos, alguns dos quais têm vínculos estreitos com a Al Qaeda.

A despeito de suas preocupações justificadas em relação ao CNT, o Reino Unido, os EUA e 28 outros países reconheceram o conselho como o governo legítimo da Líbia. Na semana passada, apesar da ausência de um gabinete, o CNT foi convidado a assumir as embaixadas líbias em Londres e Washington. Enquanto isso, enviados do cercado Gaddafi vêm ativamente procurando cenários aceitáveis para a saída do coronel. Um tema cada vez mais persistente, em uma tentativa de combater a influência islâmica, envolve um arranjo de algum tipo entre Gaddafi e os rebeldes, potencialmente levando a um governo de unidade. Representantes de
Gaddafi se reuniram com delegados do CNT na ilha tunisiana de Djerba na semana passada, e, na segunda-feira, o enviado à Líbia do secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, juntou-se a eles –um indicativo de que esse seria um cenário que teria a preferência da ONU. Consta que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, estaria organizando uma conferência dos dois lados em Paris para o próximo mês.

Ironicamente, o principal empecilho para que a situação se resolva dessa maneira é o filho de Gaddafi, Saif al-Islam, que decidiu endossar os islâmicos, presume-se que em uma tentativa de garantir poder pessoal para si. Ele vem tendo uma série de encontros fartamente divulgados com líderes islâmicos e disse ao “New York Times”, em entrevista recente, que uma Líbia pós-Gaddafi deve ser um Estado islâmico.

A Líbia corre o risco de terminar com um governo central fraco, não democrático, apoiado pela Otan e encabeçado por um presidente submisso, assediado por militantes islâmicos. Exatamente como o Afeganistão.

Abdel Bari Atwan é editor-chefe do jornal “Al-Quds Al-Arabi”, de Londres.

Fonte: Folha

2 Comentários

  1. O kadafi e familia já eram, questão de horas, foi só ele abrir mão do seu projeto da bomba atômica p varrem ele do mapa, os mesmos q o criou e o sustentou durante esses anos todos.Mt cuidado BRASIL.Sds.

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