Ele governou a Alemanha ao longo de 16 anos, mais do que qualquer outro chanceler federal. A queda do Muro de Berlim e a Reunificação são os pontos altos de sua carreira política.
Morreu nesta quinta-feira (16/06), aos 87 anos, o ex-chanceler alemão Helmut Kohl. Ele governou a Alemanha ao longo de 16 anos, mais do que qualquer outro chanceler federal. A queda do Muro de Berlim e a Reunificação são os pontos altos de sua carreira política.
A informação foi inicialmente dada pelo tabloide Bild, e mais tarde confirmada, no Twitter, por seu partido, a União Democrata Cristã (CDU). Kohl estava há anos com a saúde debilitada e morreu em sua casa na cidade de Ludwigshafen, no oeste alemão. Desde 2008, estava em cadeira de rodas.
A União Social-Cristã (CSU), a ramificação bávara da CDU de Angela Merkel, também se expressou pelo Twitter: “Estamos de luto pelo ex-chanceler Helmut Kohl. Kohl era um grande estadista, as suas conquistas para o nosso país são incalculáveis.”
O ex-chanceler encontrava-se desde 2008 afastado da atividade pública e dependente de uma cadeira de rodas para se locomover, após cair de uma escada e sofrer um traumatismo cranioencefálico.
Trajetória
Kohl saltou à política nacional em 1976, quando se tornou chefe da oposição, e chegou à chancelaria federal em 1982, após ganhar uma moção de censura contra o então chefe de governo, o social-democrata Helmut Schmidt. Um ano depois, foi ratificado pelas urnas no posto de chanceler.
Nos primeiros anos de seu mandato, no entanto, a insatisfação se espalhou pela população, e Kohl ganhou a fama de não resolver os problemas internos. Às críticas, reagiu com inúmeras reformas ministeriais. A comparação entre o então líder soviético Mikhail Gorbatchov e o ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, também suscitou críticas.
Em 1989, Kohl foi literalmente surpreendido pela queda do Muro de Berlim. Ele estava em viagem pela Polônia quando os cidadãos da antiga Alemanha Oriental invadiram a fronteira interna alemã, com a anuência dos guardas do lado oriental.
Kohl lançou um plano de dez pontos que visava a uma reunificação rápida dos dois Estados alemães. Ele tentou refutar medos externos diante de uma Alemanha poderosa, nacionalista e reunificada. Mas, mesmo com a introdução de uma taxa de solidariedade para a reconstrução do Leste, não foi possível uma rápida equiparação dos padrões de vida entre Leste e Oeste. A frustração era geral, e a popularidade de Kohl caiu rapidamente.
Apesar disso, ele é considerado o “chanceler federal da reunificação” e um “grande europeu”, porque no continente continuou exercendo um importante papel até o fim de seu mandato. Juntamente com o então presidente francês, François Mitterand, fez avançar a integração política e econômica da Europa – para muitos até hoje o maior tratado de paz da história do continente.
Mais longevo chanceler alemão do pós-guerra, Kohl foi um dos principais patrocinadores da introdução do euro, convencendo os alemães mais céticos a abrirem mão do marco, a moeda de então.
Ele se manteve no cargo até 1998, quando foi derrotado pelo social-democrata Gerhard Schröder, que se aliou com o Partido Verde pela primeira vez para recuperar o governo da Alemanha.
Mais tarde, Kohl foi alvo de investigações sobre supostas doações partidárias ilegais e de uso de caixa dois em seu partido, a CDU. Ele tentava pôr panos quentes na história, fazia-se de inocente e reiterava sempre não ser corruptível. Finalmente, a CDU retirou-lhe o cargo de membro honorário. Ao final, Kohl admitiu que sabia, mas nunca divulgou o nome dos doadores anônimos.
O processo contra Kohl foi arquivado em troca de uma multa milionária. Nos anos seguintes, ele se retirou completamente da política.
Em julho de 2001, teve de suportar um duro golpe: a esposa, Hannelore, se suicidou com uma overdose de pílulas para dormir. Ela sofria de alergia à luz.
Com o passar do tempo e o distanciamento do escândalo de financiamento partidário, Kohl voltou a ser lembrado e reconhecido pelos seus feitos. Na Europa, é celebrado, acima de tudo, como o pai da Reunificação e como força motriz da integração europeia.
Fonte: DW
Helmut Kohl, o arquiteto da Reunificação alemã
Com uma biografia marcada pelas terríveis consequências da Segunda Guerra Mundial, ex-chanceler federal soube guiar a Alemanha para a Reunificação e a integração europeia.
Ao lado do ex-chanceler Willy Brandt em Berlim, em 10 de novembro de 1989
Anos atrás, ao ser indagado sobre o que achava de todos os memoriais erigidos em sua honra, Helmut Kohl reagiu com humor: quando os visitantes vão embora, primeiro vêm os pombos, depois os cães, e “o que ambos fazem, sabe-se bem”, disse.
Com a queda do Muro de Berlim e a forma enérgica como ele organizou a Reunificação da Alemanha, o ex-chanceler federal, morto nesta sexta-feira (16/06), foi alçado ao posto de figura histórica. O fato de ter ganhado um memorial ainda em vida por si só já o destaca no meio de tantos poderosos.
Na verdade, porém, no histórico ano de 1989 o democrata-cristão já se encontrava no fim de sua trajetória política. Os críticos dentro de seu partido fizeram campanha contra ele, num verdadeiro motim. Só com muito esforço ele retomou as rédeas de sua União Democrata Cristã (CDU): mesmo com a saúde abalada, uma grande força de sobrevivência o caracteriza.
Além disso, Kohl foi um realizador astuto, que soube combinar um infalível instinto de poder com um modo de proceder estratégico. A isso, acrescente-se a chegada do momento certo, o destino e a história, com o colapso da Alemanha Oriental e a queda do Muro. Kohl reconheceu a oportunidade única e age. E agiu certo.
Amizade franco-alemã: Mitterrand (esq.) e Kohl em 1984
Unidade interna, consideração com os vizinhos
Apenas três semanas depois da acorrida às fronteiras em Berlim, Kohl apresentou no parlamento o roteiro para a Reunificação alemã: seu plano de dez pontos é um trabalho de mestre. Sua meta, a unificação do país até então dividido entre o comunismo e o capitalismo, ainda despertava reações mistas no exterior.
Mas o então chanceler alemão enfrentou os céticos na qualidade de europeu. Por exemplo, em 19 de dezembro de 1989 em Dresden, diante de dezenas de milhares de alemães orientais eufóricos. Na manifestação não planejada, ele escolhe com cuidado as palavras diante da multidão e gera confiança. A ênfase no discernimento e moderação ganha força, as reações contrárias se esvaziam, em grande parte.
Ao lado da configuração da Reunificação da Alemanha, a política externa foi também um ponto alto dos 16 anos de Kohl no governo federal. A amizade com a França, a reconciliação com a Polônia e uma relação marcada por compreensão e sensibilidade com a debilitada União Soviética foram características de sua política prudente em relação às nações vizinhas.
Europa como tarefa alemã
A experiência da Segunda Guerra Mundial marcou de forma definitiva a biografia de Kohl. A morte como soldado do irmão mais velho, Walter, o ocupou por toda a vida. A divisão da Europa em Leste e Oeste também foi decisiva para ele, que tinha 15 anos de idade ao fim do conflito mundial.
Sendo tão jovem, ele não se tornara culpável na Alemanha nazista. Esse fato o político denominava “a bênção do nascimento tardio”, o que por muito tempo lhe valeu críticas severas.
Tendo passado a infância na guerra e a juventude entre os escombros, Kohl foi um clássico representante da “geração nunca mais”. Consequentemente, a integração da Alemanha na Europa, em especial da nação expandida a partir de 1990, é uma espécie de segunda linha mestra na vida do homo politicus.
Com sua característica habilidade de unir política e simbolismo histórico, o conservador alemão estendeu a mão ao socialista francês François Mitterrand por sobre as trincheiras da Primeira Guerra Mundial em Verdun.
Kohl encarou a Europa como uma tarefa alemã. Ele empregou seu poder na luta pelo euro, visando tornar irrevogável a unificação do bloco. E impõs a ampliação da União Europeia com os países do Leste – mesmo ao preço de uma sobrecarga das estruturas europeias.
Durante a campanha eleitoral de 1990 na cidade de Erfurt, no lado oriental da Alemanha
Um europeu simplesmente alemão
Também fica na lembrança o ser humano Helmut Kohl. Ao contrário de seus antecessores social-democratas – o visionário Willy Brandt e o perito em economia Helmut Schmidt –, durante muitos anos ele permaneceu subestimado, como homem e político.
Também devido a sua origem provinciana, que nunca tentou esconder, e a seu jeito um tanto desengonçado de caminhar, grande parte da sociedade alemã não o considera digno de ser levado a sério como personalidade pública. Ele é visto como um tipo inadequado à época – e isso apesar de a CDU ter apresentado nessas décadas resultados eleitorais com que hoje só pode sonhar.
O sucesso de Kohl no período anterior à Reunificação alemã deveu-se justamente a sua qualidade de alemão mediano – na melhor acepção do termo, de quem se identifica com os gostos e o jeito de ser da média da população. Ele incorporou a essência do homem alemão na segunda – e melhor – metade do século 20. E por isso revelou tanto sobre o seu povo.
“Helmut Kohl é uma parte considerável de mim”, comentou certa vez um colaborador próximo. A descrição procede: ele era simplesmente alemão. E, no entanto, um grande europeu.
Fonte: DW
Helmut Kohl e os EUA, uma relação de confiança
Durante seu governo, ex-chanceler federal alemão manteve linha direta com três presidentes em Washington. Confiança dos americanos foi particularmente importante durante o processo de reunificação da Alemanha.
Helmut Kohl e George H. W. Bush em encontro na Casa Branca em 1990
“De Bonn saiu um grande chanceler federal”, escreveu em verso o ex-presidente americano George H. W. Bush em 1990, durante uma conferência de dois dias em Paris, em que ele estava supostamente entediado. Somente seu antigo chefe de gabinete John Sununu conhece a continuação do poema, cujas primeiras linhas foram divulgadas recentemente em livro. Mas não é nenhum segredo que Bush tinha muito apreço por Helmut Kohl, morto nesta sexta-feira (16/06), aos 87 anos.
Em entrevista à Deutsche Welle, o ex-presidente americano falou de uma “relação estreita e de confiança” entre ele e Kohl. Por esse motivo, no início do processo de reunificação, não foi difícil para ele tomar “a decisão de maior alcance” que poderia haver nesse contexto: apoiar, em princípio, a Unidade Alemã – contra todas as ressalvas de britânicos e franceses.
“Eles eram unidos, nutriam um apreço mútuo e sabiam que precisavam um do outro”, afirma sobre os dois estadistas Stephen Szabo do think tank Fundo Marshall Alemão, baseado em Washington. A aptidão de Kohl de travar amizades permitiu que ele lidasse da mesma forma confiante com três presidentes americanos tão diferentes, como Ronald Reagan, George W. Bush e Bill Clinton – e isso além das linhas partidárias.
“Na memória dos americanos, Kohl não ficou somente como um amigo próximo de Reagan, mas, curiosamente, também de Clinton”, explica Jackson Janes, do Instituto Americano de Estudos Alemães Contemporâneos. “A relação com Bush foi a mais intensa, pois foi ela que fez história”, diz Janes, aludindo à Unidade Alemã.
Confiabilidade de Kohl
Kohl é visto pelos americanos, em primeira linha, como “o chanceler federal da unificação dos dois Estados alemães”, afirma Michael Werz, do centro de investigação Center for American Progress.
Segundo ele, o antigo presidente Bush apoiou a Reunificação alemã por “legítimo interesse nacional”. No entanto, diz Werz, muitos conservadores nos EUA interpretaram o processo de Reunificação também como “um signo da vitória sobre a União Soviética”.
No caminho rumo à Reunificação alemã, Kohl teria “garantido que a Alemanha não se distanciasse dos europeus”, assegura Jackson Janes. “Foi um ato de equilíbrio, que funcionou em grande parte.”
Bill e Hillary Clinton (e) visitam Berlim em 1994
Mas, além da habilidade de estadista de Kohl, os americanos apreciavam principalmente a sua confiabilidade. O fato de Margaret Thatcher não poder ter convencido o ex-presidente americano Ronald Reagan a apoiar a sua política de rejeição aguda à Unidade Alemã tem a ver também com a grande confiança que Kohl conseguiu junto a Reagan.
À época da decisão da Otan de instalar mísseis nucleares na Europa em oposição às armas soviéticas, o especialista Szabo explica que, junto a Reagan, Kohl “passou por um momento muito difícil”.
“Em 1982, Kohl se tornou chanceler federal e o país todo estava em alvoroço. Muitos aqui se perguntavam como o chefe alemão de governo conseguiria lidar com a situação”, resume Szabo a posição dentro do governo Reagan.
“Ele [Kohl] disse simplesmente, nós vamos fazer isso” – e não vacilou. Isso impressionou tremendamente Reagan e criou um “laço de confiança” entre os dois políticos, explica o especialista.
Unidade em primeiro plano
Enquanto nos EUA Kohl deverá ficar na memória principalmente como o chanceler federal responsável pela Reunificação, seus esforços pela unidade europeia e introdução do euro ficam em segundo plano. Também o infame escândalo de financiamento partidário chama atenção somente de especialistas, ressalta Janes.
O mesmo vale para a sua controversa doutrina da “revolução espiritual e moral”, que Werz diz ver de forma crítica, já que “tem como objetivo uma revisão do movimento estudantil inspirado nas manifestações contra a Guerra do Vietnã e na cultura de protesto dos EUA”.
Para Werz, o chamado movimento de 1968 seria uma continuação do processo de desnazificação da República Federal da Alemanha. Por esse motivo, do ponto de vista americano, era difícil entender a “atitude agressiva de Kohl contra tal movimento”.
“Dedicado às pessoas”
Szabo avalia que, em termos relativos, Kohl permanece na memória somente de poucos americanos. “Faz bastante tempo, e as pessoas têm memória curta.” Por outro lado, acrescenta Szabo, a chanceler federal Angela Merkel goza hoje de grande popularidade, até mesmo entre os taxistas americanos.
Para todos aqueles que se lembram dele nos EUA, Kohl foi um parceiro acessível e simpático. “De certa forma, ele era como Clinton”, aponta Szabo. “Ele era dedicado às pessoas e sabia lidar com elas.”
Para alguns também ficaram na memória as comilanças de Kohl e Clinton no Filomenia, um restaurante nobre italiano em Washington. “Era quase lendário que ele e Clinton fizessem grandes refeições no Filomenia, com um enorme apetite”, recorda Szabo.
Fonte: DW
Helmut Kohl soube compreender a França
Aperto de mão em Verdun e lágrimas no réquiem para o falecido François Mitterrand: Na França, Helmut Kohl é visto como personificação do bom alemão. Mas nem sempre as relações franco-alemãs foram livres de conflito.
Aperto de mão entre François Mitterrand e Helmut Kohl em Verdun ficou para a história
“Helmut Kohl, um francófilo?” Quando o político democrata-cristão Helmut Kohl sucedeu ao social-democrata Helmut Schmidt, em 1° de outubro de 1982, não somente o jornal francês Le Monde indagou com preocupação sobre o futuro das relações franco-alemãs. Naquele momento, o conservador Kohl era um desconhecido para os franceses.
Somente a sua origem da região do Palatinado, que faz fronteira com a França, foi digna de menção positiva pelo redator do jornal, que localizou politicamente o novo chefe de governo alemão como pró-ocidental, interessado principalmente nas boas relações com os EUA e a Otan. Naquela ocasião, ninguém podia imaginar que precisamente esse político iria entrar para história como amigo dos franceses.
Mitterrand e Kohl: uma dupla aparentemente diferente
Mesmo assim, Helmut Kohl deixou claro, logo após sua eleição, o quão importante para ele seria manter um bom relacionamento com o país vizinho. A sua primeira viagem internacional o levou à capital francesa. Uma viagem bastante complicada, já que François Mitterrand, um socialista, estava à frente do Palácio do Eliseu e seu programa avesso à economia de mercado pouco tinha a ver com as convicções do político alemão.
No entanto, tais diferenças político-partidárias nunca exerceram um papel decisivo nas relações entre os dois estadistas. O que se deve também ao fato de ambos os políticos terem acordado desde o início nos pontos mais importantes – principalmente na necessidade de uma integração europeia mais profunda.
Símbolo da reconciliação franco-alemã
Uma pequena prova da estreita aliança que iria se formar posteriormente entre dois parceiros aparentemente tão diferentes foi dada pelo político socialista francês no Bundestag, câmara baixa do Parlamento alemão, somente poucas semanas após Kohl assumir o poder em Berlim. Em discurso perante os deputados alemães, Mitterrand defendia a exigência de Kohl com vista ao estacionamento de mísseis Pershing II em território alemão – fornecendo assim munição para a campanha eleitoral recém-iniciada por Kohl contra o Partido Social Democrático (SPD).
Mitterrand e Kohl lembram vítimas das Guerras Mundiais em Verdun
Num local especialmente simbólico, pôde-se ver em setembro de 1984 quão estreitas eram as relações entre os dois políticos já nos primeiros anos do mandato de Kohl. O chanceler federal alemão foi a Verdun para lembrar os mortos das duas Guerras Mundiais. Ali, o pai de Kohl havia lutado na Primeira Guerra Mundial e Mitterrand, na condição de jovem soldado, havia sido ferido na Segunda Guerra.
Sob a chuva, os dois estadistas silenciosamente de pé diante das fileiras intermináveis de sepulturas, Mitterrand estendeu a mão em direção do antigo chanceler federal alemão, que espontaneamente a segurou.
Motor da unificação europeia
A imagem dos dois estadistas segurando silenciosamente as mãos um do outro ficou para história franco-alemã como um grande gesto de reconciliação – e está até hoje consagrada na memória coletiva dos franceses. Em seu livro de memórias, Kohl escreveu mais tarde sobre aquele momento: “Meus sentimentos são difíceis de descrever. Eu nunca havia me sentido tão perto de nossos vizinhos franceses. Fui dominado pelo gesto espontâneo do presidente francês.”
Prêmio Carlos Magno para Mitterrand e Kohl
Na opinião dos historiadores, Kohl e Mitterrand se encontraram finalmente no antigo campo de batalha de Verdun. Nos anos seguintes, a dupla garantiu por meio de diversas iniciativas um maior aprofundamento da integração europeia. Também as relações entre os dois países atingiram um novo patamar. Em 1987, os dois políticos concordaram sobre a criação de uma brigada franco-alemã. Atualmente com cerca de 6 mil soldados, essa primeira organização militar binacional foi montada poucas semanas antes da queda do Muro.
Por seus passos corajosos, os dois estadistas foram condecorados conjuntamente com o Prêmio Internacional Carlos Magno, em 1988.
Aceitação de clara liderança francesa
Foi o ano de 1989 que marcou um ponto baixo nas relações franco-alemãs. Diante da queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989, Mitterrand reagiu com relutância e cautela. Embora os seus assessores tivessem lhe aconselhado viajar para Berlim, o presidente francês preferiu ficar longe daquele grande palco da história mundial.
Quando o socialista decidiu visitar até mesmo Berlim Oriental em dezembro de 1989, impunha-se a impressão de que a França queria bloquear a Unidade Alemã. Na ocasião, François Mitterrand declarou que a nova liderança da antiga Alemanha Oriental podia “contar com a solidariedade da França para com a República Democrática Alemã”. No final, foi o compromisso de Kohl com a fronteira ocidental polonesa e sua anuência à união monetária europeia que fizeram Mitterrand abandonar a atitude hesitante frente à Reunificação alemã.
Planos de Reunificação de Helmut Kohl (d) não tiveram, a princípio, anuência de Mitterrand (e)
O fato de Kohl, na segunda metade de seu mandato, não ter tentado impor abertamente à França o aumento de poder de seu país reunificado é visto com grande apreço no Palácio do Eliseu. O historiador Kohl sabia das sensibilidades do poder de liderança política no continente. Citando o antigo chanceler federal alemão Konrad Adenauer, Kohl costumava dizer que antes de se curvar diante da bandeira alemã, ele saudava duas vezes a bandeira tricolor francesa.
O fim de uma amizade política
A dimensão da coordenação e da confiança no trabalho conjunto entre Helmut Kohl e François Mitterrand ficou clara em 1995, após a mudança de poder em Paris. O fato de Jacques Chirac, um presidente que dividia com Kohl a mesma família partidária, estar à frente do Palácio do Eliseu não trouxe nenhum impulso novo às relações entre os dois países. Pelo contrário: somente quando o social-democrata Gerhard Schröder subiu ao poder na Alemanha, a dupla franco-alemã passou novamente a trabalhar em uníssono.
Na medida em que é possível falar de amizade entre políticos, com a morte de Mitterrand, em 8 de janeiro de 1996, pode-se dizer que Kohl havia perdido um amigo. As lágrimas que lhe vieram aos olhos na cerimônia em memória do falecido estadista francês na Catedral de Notre Dame, em Paris, fazem parte, além de Verdun, da imagem que ficará na memória dos franceses de um chanceler federal alemão, para quem a relação com a França sempre foi uma preocupação sincera.
Fonte: DW
Helmut Kohl e a Rússia: entre a distância e uma nova era
Quatro chefes de Estado soviéticos e um russo foram contemporâneos do mais longevo chanceler federal alemão. Com Mikhail Gorbatchov, ele fez história. Mas o seu melhor amigo no Kremlin era outro.
Helmut Kohl (d) e Gorbatchov (c) se reúnem na Rússia em julho de 1990
“Helmut Kohl se posicionou contra um isolamento da Rússia”, comentou o jornal russo ligado ao governo “Rossiyskaya Gazeta”, em Novembro de 2014. Na época, com a publicação do seu novo livro Aus Sorge um Europa (Por Preocupação com a Europa, em tradução livre), o antigo chanceler federal alemão havia voltado novamente a ser destaque na mídia russa.
Em seu último livro, Kohl escreveu que a exclusão da Rússia do grupo das maiores nações industriais G8, devido à anexação da Península da Crimeia, seria “um fato decisivo e opressivo”. Em 1998, foi ele próprio quem impôs a adesão da Rússia ao grupo informal.
Mas, depois de quase duas décadas de sua saída do governo em Berlim, raramente lhe foi concedida tanta atenção na Rússia quanto em novembro de 2014. Ainda que Kohl, em seus 16 anos de governo, tenha vivenciado mais chefes de Estado em Moscou do que qualquer outro chanceler federal antes e depois dele, há toda uma geração que conhece “o chanceler federal da Reunificação” somente dos livros de história.
Distanciamento na Guerra Fria
Quando Helmut Kohl foi eleito chanceler federal pelo Bundestag, câmara baixa do Parlamento alemão, em 1° de novembro de 1982, a relação entre Moscou e Bonn era tensa. Desde 1979, a decisão da Otan de instalar mísseis nucleares na Europa e o avanço soviético no Afeganistão comprometiam as relações entre o Leste e o Ocidente.
Desde 1964, Leonid Brezhnev estava à frente da União Soviética como líder do Partido Comunista. No entanto, ele morreu poucas semanas depois de Kohl assumir o poder. O primeiro chefe do Kremlin, que Kohl conheceu como chanceler federal, foi o sucessor de Brezhnev, Yuri Andropov, chefe do serviço de inteligência KGB.
Eles se reuniram em Moscou, em julho de 1983, sem que o encontro tenha levado a nenhuma distensão. Quando o Bundestag aprovou a instalação de mísseis nucleares americanos na Alemanha, em novembro de 1983, teve início um período de distanciamento entre os dois países, explicou em entrevista à Deutsche Welle Andreas Wirsching, copresidente da Comissão de Historiadores Russo-Alemães e diretor do Instituto de História Contemporânea em Munique.
O fato de Andropov morrer em 1984 e Tchernenko assumir o controle do Kremlin pouco mudou o resfriamento de relações. Uma aproximação aconteceu somente quando Mikhail Gorbatchov assumiu a liderança do partido em 1985.
Comparação com Goebbels
Mas, inicialmente, foi o próprio Kohl quem freou essa aproximação por meio de um escândalo: em outubro de 1986, ele declarou à revista americana Newsweek que não via Gorbatchov como um liberal, mas como um “líder comunista moderno” que entendia de relações públicas. E acrescentou: “Goebbels [ministro da Propaganda de Hitler] também entendia algo de relações públicas.”
Isso enfureceu Moscou, que cancelou planejadas visitas de políticos alemães ocidentais. “Um ponto baixo nas relações entre Kohl e Gorbatchov”, disse o historiador Wirsching. Mas o escândalo não se tornou público na então União Soviética. “Ele passou totalmente despercebido”, explicou Vladislav Belov, diretor do Centro de Estudos da Alemanha na Academia de Ciências de Moscou. A nova e livre política de informação de Gorbatchov, a Glasnost, foi introduzida somente mais tarde.
Com Yeltsin (e), Kohl nutriu uma verdadeira amizade
O avanço em Bonn e Archys
Somente quando Kohl visitou Gorbatchov na capital russa em 1988, o problema parece ser esquecido lentamente. Em entrevista à DW, Belov afirmou que o avanço, no entanto, aconteceu apenas um ano mais tarde em Bonn: “Eu suspeito que, durante sua visita em junho de 1989, Gorbatchov tomou uma decisão fundamental quanto a uma mudança qualitativa nas relações com a República Federal da Alemanha.”
Para Belov, quando o Muro de Berlim caiu em novembro do mesmo ano, Gorbatchov estava disposto a tal. Embora isso nunca tenha sido confirmado pelo ex-líder russo, uma coisa é certa: a União Soviética não se intrometeu. E mais ainda: em julho de 1990, Kohl e Gorbatchov selaram rápida e surpreendentemente a reunificação das antigas Alemanha Ocidental e Oriental – rápido demais, na opinião de Belov e muitos outros na Rússia atual. Eles acusam Gorbatchov de ter presenteado e não negociado a Reunificação.
Reunificação comprada?
Por outro lado, há a tese de Kohl ter comprado a Reunificação por prometer a Gorbatchov assumir os custos da retirada do contingente de 500 mil soldados soviéticos estacionados na antiga Alemanha Oriental. Ex-oficiais soviéticos ainda hoje são gratos a Helmut Kohl: graças ao chanceler federal, os militares soviéticos receberam os seus soldos em marco alemão ocidental até a retirada em 1994. Isso lhes possibilitou o acesso a artigos de luxo ocidentais como máquinas de lavar, sistemas de áudio ou carros.
Além disso, bancos alemães ocidentais e o governo alemão ajudaram com empréstimos bilionários a economicamente abalada União Soviética desde o fim da década de 1980. Mas, mesmo que a forte economia da República Federal da Alemanha tenha ajudado nas negociações políticas, Wirsching considera a tese da “Unidade comprada” errada: “Na época, o pré-requisito foi a mudança política no cenário internacional.”
Amizade com Yeltsin
Até o final, no entanto, Kohl e Gorbatchov não conseguiram superar certa distância. Quanto à relação entre o chanceler federal da Alemanha reunificada e Boris Yeltsin, o caso foi diferente. Com o primeiro presidente russo, desenvolveu-se uma verdadeira amizade masculina. Em julho de 1993, os dois suaram juntos numa sauna no Lago Baikal.
“A química entre Kohl e Yeltsin funcionou”, disse o especialista moscovita Belov. A Alemanha ajudou a Rússia nos tempos difíceis depois do desmantelamento da União Soviética. Por tal, a Rússia deveria ser grata à Alemanha, afirmou Belov. Mas na historiografia russa, Kohl aparece, em primeira linha, como aquele que reunificou a Alemanha.
Fonte: DW
Helmut Kohl foi um grande estadista
Chanceler federal defendeu tanto a reunificação de seu país como a integração europeia, e isso fez dele uma personalidade especialmente respeitada e valorizada no exterior, opina Alexander Kudascheff.
Kohl com Gorbatchov em julho de 1990 no Cáucaso
Helmut Kohl foi o chanceler da unidade alemã e também europeia. Ele ocupou o cargo de chanceler federal alemão por 16 anos, e durante um quarto de século foi presidente da União Democrata Cristã (CDU) – só isso já mostra uma perseverança incrível, uma influência estupenda, uma vontade de aço pelo poder, mas também sorte democrática nas eleições. Kohl foi eleito chanceler quatro vezes, um impressionante desempenho político.
Como aparentemente eterno líder da CDU, seu faro para mudanças em suas próprias fileiras e sua desconfiança em relação a correntes críticas eram lendários. Aliás, quando em nome da sobrevivência política ele lutou para ser presidente do partido, em 1989, o fim da Cortina de Ferro veio em sua ajuda. E Kohl aproveitou, para si e pela Alemanha, a oportunidade que surgiu com a queda dos regimes comunistas. Ele fez história. Ele aproveitou a janela da oportunidade histórica. Naqueles meses, Kohl se tornou um estadista.
Sem dúvida, Kohl é o chanceler da unidade alemã. Ele foi o político que passou por cima de hesitações, medos, reservas internas e externas – e que, em novembro de 1989, almejou a unidade alemã e a realizou, finalmente, em 3 de outubro de 1990. Ele mostrou instinto político e histórico naquele momento. Por isso algumas pessoas o consideram o Bismarck do século 20.
Kohl não foi apenas um patriota alemão que proveitou a dádiva da mudança histórica na Europa Oriental. O chanceler foi também um europeu convicto. Um político que, durante 16 anos, e em incontáveis cúpulas europeias, esteve sempre pronto a promover a unidade. Isso se aplicou à velha Comunidade Europeia, à emergente União Europeia e às perspectivas de adesão dos países da Europa Central e Oriental, o que se realizou somente em 2004.
Mas o que torna crucial sua posição como estadista europeu foi o fato de Kohl ter sido cofundador da moeda comum, o euro. Porque, ao pensar em termos históricos, ele percebeu que apenas uma moeda comum e o fim do forte marco alemão poderiam ajudar a superar ressentimentos na França, no Reino Unido e em outros países da UE. Uma decisão correta, que tornou a unificação do velho continente irreversível.
Alexander Kudascheff
Kohl foi um estadista. Foi um político que defendia tanto a reunificação alemã como a unificação europeia. Um homem cuja personalidade não se deixava abalar, que reconhecia e realizava o que era certo. Isso fez dele, independentemente de muitas críticas atuais na Alemanha, um político especialmente respeitado e valorizado no exterior.
- O jornalista Alexander Kudascheff é ex-editor chefe da Deutsche Welle.
Fonte: DW