A democracia dos invisíveis

Cristina Mestre

Houve uma altura em que as críticas à democracia me irritavam e assustavam. Pareciam-me meio caminho andado para novos Salazares. Hoje, vendo o que se passa com a democracia representativa em Portugal, já não me assustam tanto.

Começo a ficar descrente daquilo em que antes acreditava.

Há quem, próximo do poder, me tenha aberto os olhos e mostrado como se “cozinha” a nossa democracia. Há quem dê pouco valor à democracia parlamentar, como os meus amigos comunistas, para quem o mais importante são os direitos sociais – direito ao trabalho, à habitação, à justiça – e o resto, a forma como se chega lá, não importa muito.

Sim, quero uma democracia verdadeira, mas já não repito as palavras daquele famoso político que dizia que a democracia é a pior forma de governo à exceção de todas as outras. É a menos má, sim, mas talvez não nos devamos resignar a mantê-la como está porque a situação em que está é péssima.

Provavelmente a maior parte da população de hoje considera a democracia parlamentar como a forma de governo mais legítima. Isto não é muito diferente da forma como antigamente a maior parte (ou pelos uma grande parte) da população apoiava a monarquia ou a ditadura.

As frequentes propostas de “reformar a democracia” parecem-me simplesmente ingênuas. Há quem proponha mudanças de sistema eleitoral, há quem preconize “partidos de segunda geração” que iriam alegadamente “revolucionar o sistema político”.

Valerá a pena repetir o que todos sabemos?

Sabemos que o sistema de partidos cria uma densa teia de privilégios e regalias, que reparte empregos e cargos públicos pelos filhos e amigos, transpondo facilmente todas as barreiras ideológicas.

Sabemos que a partidocracia não gosta da democracia direta. Prefere repartir entre si os privilégios da governação sem deixar que os cidadãos possam participar de uma forma mais ativa na tomada de decisões sobre o seu destino.

Sabemos que as democracias representativas são seriamente ameaçadas pela influência crescente dos lobbies financeiros e empresariais nos partidos, pela transformação das campanhas eleitorais em campanhas de “marketing político”, pela forma como os partidos vivem de generosas doações e os seus dirigentes se vão repartindo pelas estruturas do Estado enquanto se alternam nos governos.

Carlos Candal, político e advogado, escrevia em 1995, “Particularmente difícil é porém ‘fazer carreira política’ em Portugal – sobretudo quando não se dispõe do apoio de qualquer dos lobbies que condicionam quase toda a nossa atual vida pública. (…) Trata-se de organizações ou agregados que mantêm intervenção (direta ou indireta) praticamente em todas as estruturas da nossa vida coletiva – também nos partidos políticos e na comunicação social. Agindo concertada ou avulsamente, os membros de tais lobbies têm grande influência sobre muitas tomadas de posição de quem de direito e sobre a formação da opinião pública. (…) Por definição, as interferências do gênero são discretas ou mesmo subliminares – e passam geralmente despercebidas aos cidadãos influenciáveis.”

Será esta uma situação normal?

O que sucede é que os cidadãos em praticamente todo o “mundo livre” são induzidos na ilusão que têm escolha no governo e podem alterá-lo a seu gosto, mas na realidade não podem.

É conhecido que em sistemas não democráticos existe sempre um grupo ou indivíduo no topo do poder que controla os destinos do país, seja com o apoio da população, seja sem ele. Mas seria ingénuo assumir que tal grupo desaparece momentaneamente num sistema mais representativo (pelo menos nominalmente). Em democracias representativas, esse “grupo invisível”, cujos elementos estão ligados a sociedades secretas e lobbies financeiros internacionais, pode e tem feito passar leis que vão contra a vontade da população. A explicação mais convencional para esse tipo de comportamento tem sido a corrupção, mas nem todos os casos são por essa razão. Apesar de todas as leis terem de ser submetidas a um parlamento ou órgão semelhante, só por si não significa que o processo seja honesto.

A imprensa é de longe quem tem maior poder na formação de opiniões. Todos sabemos que não serão só os jornalistas a escolher os temas abordados e que os próprios jornalistas podem escrever “por sugestão” de terceiros.

Outro dos métodos de subverter a democracia é a criação de “escândalos” com políticos quando estes começam “a sair da linha”. Mesmo que o escândalo tenha uma base verídica, é determinado político a ser escolhido e não outro. Quase sempre esse político havia-se anteriormente recusado a colaborar com determinado grupo de “invisíveis”.

Outros métodos desonestos usados são a infiltração de partidos menos “tradicionais” por agentes hostis, acusar um movimento de cometer um crime ainda não provado; tentar subornar juízes de forma a pronunciar um veredito negativo a determinado ator político, etc.

O que temos atualmente nos parlamentos das democracias indiretas são políticos, que após terem dito tudo o que a população gosta e precisa antes das eleições, são convidados por grupos obscuros com promessas de bens materiais e de pertença a um ideal mais ou menos abstrato. Esta associação a interesses externos afasta-os completamente das suas ideias originais. Estes grupos pouco conhecidos não permitem ser desvendados, sob a ameaça de punição dos possíveis desertores. Quem não aceita esta traição aos princípios que antes defendera tem as suas ligações e fundos financeiros cortados e/ou é perseguido fora da atenção da imprensa controlada. No caso em que esta elite suspeite uma reação negativa da população, tenta esconder certos factos do público ou justifica-los através da imprensa amiga. No fundo, o centro de controlo de uma democracia parlamentar continua a estar nessa elite “conduzida” por invisíveis, mesmo que antes ela possa ter feito parte do povo.

Em suma, é um erro cair na tentação de sossegar quando o nome do sistema político muda para “democracia”, e aceitar sem questionar os seus próprios dogmas políticos e sociais.

Perante o que temos, o que podemos fazer?

Ou lutamos por uma democracia direta ou mudamos a que temos. Pouco resolve alterar sistemas eleitorais, criar novos partidos. Uma cruzada individual de um político, por muito carismático que seja, também não terá grande efeito. O poder real dos grupos invisíveis é tal e estão tão interligados globalmente que combatê-los só através de uma força com a mesma dimensão.

 

Fonte: Voz da Rússia

11 Comentários

  1. Eu sou a favor da democracia direta, das petições c assinaturas p q virem leis..As elites ñ querem esse tipo de participação, e impede td e qlq avanço nessa direção.trancar essa maneira só p deputados e senadores e manter a tirania dos eleitos sobre uma maioria q participa e quer atuar p seu beneficio e de td a comunidade..e p ontem.Sds. 😉

  2. Tema muito oportuno.

    As barbaridades que se cometem atualmente, transfiguradas em medidas democráticas, estão fazendo com que as novas gerações não consigam distinguir o que é ritual democrático de manipulação midiática e política.

    Tudo é válido, desde que tenha o mesmo nível de conteúdo que resuma-se a 120 caracteres.

    E ai daquele que ouse ir contra a manada, tentando expressar qualquer forma de independência de opinião. Será massacrado em nome da verdade criada no Facebook.

    A melhor geração de brasileiros (pessoas que eram adultas entre as décadas de 1960 e 1970 e que colocaram até suas vidas em risco na defesa pelo direito de viver sem as amarras das instituições tradicionalistas), está sendo substituída por um conjunto de medíocres que mal sabem o que é ler corretamente, quem dirá usar alguma cognitividade para entender e analisar seu cotidiano. São incapazes de diagnosticar uma situação que tem potencial de lhes estar induzindo a erro e a mediocridade. E isto tudo com grande incentivo das estruturas midiáticas, hávidas por, mais que tudo, manterem suas rendas e tradições de origem duvidosa do que de fato se aterem a fatos.

    Fatos… ora, os fatos… alguém ainda tem ideia do que seria isto?

  3. bom texto !
    primeiro já que é Portugal acho que tem países que a monarquia se sai melhor do que outros sistemas , tem povos que tem que viver no comunismo igual a china , outros no parlamentarismo e por ai vai cada povo escolhe a forma de governo melhor para sua população e seu povo
    mas depois que o cherife anglo se apossou do mundo essa democrecia é falada pelos cotovelos mas em muitos lugares não deu certo igual no oriente médio não da certo

    sobre quando o texto fala da mídia que ela e o poder judiciario podem ser usados contra os políticos que não aceitam ouvirem as vozes das forças ocultas , isso além de ser verdade estamos vendo aqui no brasil a impresa imprensa usar todos os recursos contra o governo ,
    coitados dos portugueses que tem uma direita atrofiada e uma esquerda raquítica rsrs , ta na hora de voltar para a monarquia ,mas também tem uns 5 pretendentes disputando o cargo ,isso já demostra como Portugal esta dividido .

  4. rsrsrsrsrsrsrsrs… claro que é um bom texto… pelo menos para quem gosta de consumir socialismo… rsrsrsrsrsrs… mas é, de fato, um grande texto na medida de sua sutileza… sutileza em determinar a saída socialista como a ÚNICA forma de combater cartéis oligárquicos mundiais qndo de fato NÃO É a melhor forma, pois sabido é que as teias e sistemas esquerdista foram amplamente COMPRADOS à décadas pelo sistema financista que financia essa corja para implementar suas engenharias sociais, muitas delas concebidas em think tanks esquerdistas que tinham por primazia apenas o controle das massas e nada mais que isso… assim sendo, o texto, apesar de transferir ao leitor uma certa melancolia em relação ao desmoronamento ARQUITETADO das democracias mundo afora, demonstra na verdade apenas uma pueril defesa enrustida do caminho esquerdopata como forma de enfrentar uma realidade que só pode ser combatida com mais liberdade e menos estado, uma vez que este foi apoderado e articulado de forma a manter o sistema político viciado como um doente preso a máquina estatal da qual depende para tudo, sob pena de morte se da mesma for desligado … quem estudou o tema saberá me dar valor… dessa vez relevo a fonte para não criar mais cizânia que o necessário… 🙂

  5. por LUCENA
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    Muito bem o texto, há muitas retoricas que sempre busca em mudar o conceito de democrascia conforme a sua visão de ótica ideológica.
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    Muitos agreditam piamanete que vivemos em uma ditadura;São os mesmo que defendem caninamente, a ditadura de 64 …. deve ser o seu grande desejo de voltar ao velhos tempos da escuridão e da maldade … 😉

    • ( ** )Pense e reflita sobre o Genocídio israelense contra a palestina
      Georges Bourdoukan
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      Crianças palestinas pedem apoio da humanidade contra Israel
      Você trabalharia numa empresa que utilizou seus veículos para ajudar a ditadura a prender, transportar e assassinar jovens idealistas que lutavam por um Brasil melhor?
      Ou numa empresa que utilizava parte de seus lucros para ajudar a repressão a adquirir material sofisticado para localizar, prender e assassinar qualquer um que fosse contra a ditadura?
      Você acha natural trabalhar numa empresa que defendia o general do “ prendo e arrebento”, ou que proclamava preferir “o cheiro de cavalos ao cheiro do povo?
      Você acha natural trabalhar numa empresa que manipulava as informações em favor de determinado candidato a presidente da república?
      Antes de você responder, saiba que essa gente é que decide o que você vai ler e como vai se divertir.
      E essa gente é que ofende o islamismo impunemente.
      Pense e reflita porque os números abaixo jamais serão publicados por essa mídia sicofanta.
      Atualização dos dados oficiais da ONU sobre a crise no território palestino da Faixa de Gaza frente aos ataques militares israelenses desde o dia 7 de julho:
      1,8 milhão de pessoas afetadas pelo ataque
      5.600 pessoas (940 famílias) deslocadas pelo conflito
      16.000 pessoas abrigadas nas escolas da UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina)
      60.000 pessoas com necessidades alimentares emergenciais
      400.000 pessoas sem eletricidade
      75% da cidade de Gaza sem eletricidade
      395.000 pessoas afetadas pelos danos causados às instalações de fornecimento de água
      1/3 da população, cerca de 600.000 pessoas, com acesso restrito a água potável
      168 pessoas mortas, sendo ao menos 133 civis, dentre os quais 36 crianças
      1.140 pessoas feridas, dentre as quais 296 crianças e 233 mulheres
      25.300 crianças necessitando de atendimento psicológico, devido ao trauma vivenciado pelos ataques
      8 unidades de saúde e 4 ambulâncias danificadas; 1 médico morto e outros 19 agentes de saúde feridos
      36 escolas danificadas
      66 escolas consideradas suscetíveis a danos
      940 unidades residências destruídas
      2.500 casas danificadas
      32 barcos pesqueiros incendiados, destruídos ou danificados e cerca de 1.000 redes de pesca queimados
      3.600 pescadores estão sem acesso ao mar
      Número ainda não especificado de agricultores sem acesso a terra e relatos de perdas importantes, como morte de animais
      Mais de 700 ataques aéreos, mais de 1.100 mísseis israelenses disparados contra a Faixa de Gaza, mais de 100 disparos de tanques de guerra e cerca de 330 bombardeios navais (dados do dia 11, sem atualização desde então)
      Aproximadamente 100 bombas não estouradas (e que ainda podem explodir) foram encontradas
      Em território israelense, foram contabilizados:
      1.500 mísseis atirados, quase todos interceptados no ar pelo sistema israelense anti-mísseis
      2 casas destruídas
      9 pessoas feridas
      Por que a mídia não divulga essas informações?
      Pense e reflita…
      Agora você já sabe qual é o DNA dessa mídia e porque ela tenta manipular a eleição no Brasil
      .
      (*)fonte:http://noticia-final.blogspot.com.br/2014/10/pense-e-reflita-sobre-o-genocidio.html

  6. Disse tudo o que eu gosto de dizer. Não há compartilhamento de poder verdadeiramente dizendo, pois de fato há os invisíveis que conduzem fatos, manchetes, promovem nomes em prol de seus Ideais Secretos, repartem a governança como desejam sobre um domínio obscuro, percebam que determinados nomes ou partidos nunca se apartam do poder, são Poderes dos Malandros e Delinquentes Brasileiros, Partido de Trapaceiros, Poder Sabotador Degenerador do Bem, atuam como grandes abutres com suas moscas varejeiras ( Os pequenos Partidos).

  7. NÃO EXISTE “DEMOCRACIA DIRETA”, este texto e um engodo de golpistas.

    A democracia, e por origem, participativa e representativa, foi assim que ela nasceu sob a filosofia grega( UM HOMEM, UM VOTO), e não na famigerada escola de Frankfurt, e seus desonestos intelectuais travestidos de filosofos.

    Democracia direta, nada mais e que estouro de manda, causado e tocado pelos coyotes comunas/socialista/anarquistas, que visa enfraquecer as instituições republicanas.
    Uma verdadeira democracia, e feita de instituições independentes, representativas (congresso, executivo, judiciário, autonomia dos estados etc) e não por pseudo lideres tribais populistas, disfarçados de ‘representantes do povo” que se alimentas do conflito entre as classes, e não da conciliação via pacto social firme e solido.
    Porque e isto que a tal “democracia direta” cria, o classismo como forma de verticalização da sociedade, nos jogando no caos e na anarquia, em que a unica forma de ordem que se encontra, e um governo centralizador malandro, que cria dificuldades, para vender facilidades.
    Se duvidam leiam sobre as Soviets, criadas na URSS( que ate hoje, dão origem as terríveis mafias russas e do leste Europeu), sobre as milicias de bairro, e inspetores de quarteirão em Cuba, e demais países socialistas, no que ocorre na Venezuela hoje.

    Se criam e se lastram no classismo, chamado de “democracia direta” porque o que vale não em mais o “Um homem, um voto” da democracia participativa, mas sim as representações de classe, e todo seu primitivismo.

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