Opinião: Visita de Hillary Clinton caiu no vazio

http://timesonline.typepad.com/photos/uncategorized/2008/01/10/clintonplane.jpg

A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, chegará nesta terça-feira ao Brasil como etapa de uma viagem à América Latina, que, entretanto, perdeu parte de seu impacto com o terremoto chileno. Sua agenda de temas a ser tratados com o governo brasileiro é extensa e aqui tentarei analisar alguns deles.

O Irã, que, de acordo com a imprensa internacional, prepara-se para produzir sua bomba atômica, é o principal deles. Barack Obama busca – por meio de sua secretária – o apoio do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, para poder aplicar sanções econômicas àquele país.

Os EUA contam já com a União Europeia, a Rússia e a China para tal intento. Querem, todavia, criar um “consenso” negativo no que toca à Teerã.  Entretanto, o governo brasileiro não se inscreverá nesse rol porque entende – com razão – que sanções econômicas se constituem na antessala de uma nova guerra, como ocorreu no Iraque. O governo brasileiro condenou, em 2003, corretamente, a invasão a esse país. E pretende manter, com os americanos, relações de cooperação e não uma parceria privilegiada.O acerto brasileiro no caso tem um custo: o de subscrever uma ditadura militar (a iraniana), que fraudou eleições em 2009 e viola direitos humanos mais elementares – com péssima imagem no mundo. Os direitos humanos, como o de liberdade de expressão, de habitação, de dignidade da pessoa humana, compõem o conteúdo das democracias. A política externa atual de Brasília parece deixar de lado esse ponto e centrar-se na defesa exclusiva de “democracias formais”, haja vista o caso Honduras, onde apoiou, com pertinência, o deposto Manuel Zelaya, porém, faz vistas grossas para as constantes violações praticadas por Hugo Chávez.

“A América é dos americanos”

Desse modo, o governo brasileiro, em muitos aspectos, mimetiza a política externa dos próprios Estados Unidos, que, embora apoie “democracias formais”, fecha os olhos para as violações de direitos humanos como, por exemplo, na China – seu maior fiananciador (o país que mais executa opositores no mundo). A política externa daquele país prefere o pragmatismo irracional expansionista à coerência.

A independência brasileira de 1822 deu-se sob o signo da preservação da unidade do território, enquanto a americana, de 1776, das Treze Colônias, sob o signo do pan-americanismo e da expansão. Seu lema era: “A América é dos americanos”. Para se contrapor ao poder do Reino Unido e da Europa colonial, anexava territórios, introjetando o próprio mecanismo da metrópole. A independência americana fez-se igualmente sob o signo do comércio exterior, ao contrário da brasileira.

Leia-se o secretário do Tesouro dos Estados Unidos Alexander Hamilton (1755-1804) em 1788: “Existem indícios que permitem supor que o espírito aventureiro – próprio e exclusivo dos americanos – produziu mal-estar em várias potências europeias. Elas temem nossa excessiva intromissão no transporte naval. As que têm colônias na América esperam – com penosa inquietação – onde conseguiremos chegar.” Desde sua independência, os EUA pretendem criar um “Sistema americano”, isto é, um projeto hemisférico, sob sua hegemonia.

Essas pretensões causaram inúmeros danos à vida democrática dos países latino-americanos ao longo da história. Daí advém a reação ao “imperialismo americano” e tentativas recentes de se criar um organismo pan-americano sem os Estados Unidos e o Canadá. O governo John Kennedy foi o primeiro a reconhecer Castello Branco – o primeiro marechal do golpe militar de 1964. Na verdade, financiou os golpistas, que depuseram João Goulart.

Hillary não obterá o apoio brasileiro na questão iraniana e tampouco em qualquer outra. Cuba: é uma relíquia da Guerra Fria (1945-1989), uma ditadura que perdeu qualquer perspectiva de “socialismo”. Penso que tanto os Estados Unidos quanto o Brasil erram no que se refere a esse país. O primeiro por manter o embargo econômico desde 1962 – que agora quer impor ao Irã – e o segundo por não pleitear, em nível da OEA (Organização dos Estados Americanos), a democratização da Ilha e o respeito aos direitos humanos. Os Estados Unidos mantêm Cuba suspensa do organismo desde 1962 também. Entretanto, a União Soviética se extinguiu em 1989.

Vaga no Conselho da ONU e comércio

As Malvinas são território do Reino Unido, no Atlântico Sul, habitado pelos Kelpers, que se autodeterminaram como britânicos, que lá começam a fazer prospecções de petróleo em sua plataforma marítima. Por que o Brasil apoia os Castro e também a Argentina na tópica das ilhas Malvinas? Porque busca um acento permanente no Conselho de Segurança da ONU (e precisa do aval de Buenos Aires e de usar Cuba como peça de resistência), pretensão que existe desde o primeiro governo Getúlio Vargas. Vargas, em 1943, aceitou a criação de uma base americana em Natal – durante a 2.ª Guerra – em troca de uma siderúrgica (a de Volta Redonda) e da possibilidade da cadeira em mencionado Conselho da ONU. Os EUA apoiam o Reino Unido.

Na área comercial, a Alca (Área de Livre Comércio das Américas, a ressoar os planos de Hamilton) – que não deu certo – foi um ponto de desgaste com toda a América Latina. Em 2009, a OMC (Organização Mundial do Comércio) autorizou o Brasil a retaliar os Estados Unidos em quase US$ 1 bilhão em virtude dos subsídios que Washington deu aos seus produtores de algodão.

A compra de caças é outro tema importante de Hillary, no entanto, já decidido, apesar da insistência da Boeing, o Brasil vai adquiri-los da França, que apoia sua pretensão de um posto permanente no Conselho de Segurança da ONU.

A aliança entre colombianos e americanos transforma Hugo Chávez, nessa viagem, num ponto sem muita relevância. O fato concreto é que os Estados Unidos são o principal parceiro comercial do Brasil, enquanto a China é o destino preferencial das exportações de matérias primas.

A visita de Hillary prepara a de Barack Obama, ainda em 2010, quando programa-se assinar um novo acordo de cooperação comercial entre os dois países. O etanol brasileiro é um dos pontos de relevo a ser tratados no encontro – que serve mais para quebrar o gelo político que existe hoje em relação aos Estados Unidos em toda América Latina. Não há – com razão – mais reverência ao Tio Sam, que deveria renunciar à sua hegemonia, caso quisesse realmente criar um Sistema Hemisférico equitativo. O Brasil deveria, por seu turno, ser mais coerente em alguns pontos.

Fonte: Regis Bonvicino

2 Comentários

  1. Texto interessante, más não concordo com o ponto de vista do autor sobre o relacionamento Brasil-Iran. Más enfim, tudo depende do poder sobre a midia mundial, para definir quem são os países aceitáveis e quais são os inaceitáveis. E poder sobre a mídia é o que o EUA tem de sobra…

    “O acerto brasileiro no caso tem um custo: o de subscrever uma ditadura militar (a iraniana), que fraudou eleições em 2009 e viola direitos humanos mais elementares – com péssima imagem no mundo.”

    A Arabia Saudita, carne e unha com os estadunidenses, é uma ditadura monarquica muito mais fechada politica e religiosamente, que o Iran, que possui eleições. Eleições que a despeito da campanha midiática para pinta-las como fraude, foram segundo observadores sérios, consideradas isentas. Ahamadinejad ganhou de fato, teve o percentual de votos que inclusive coincidiu com os indices obtidos por institutos de pesquisa ocidentais antes das eleições, fato cuidadosamente ocultado…

    E oras! Brasil tem interesses comerciais com o Iran, além de que uma guerra com Iran não favorece em nada os interesses brasileiros, não só pelo comércio entre os dois paises, más principalmente pelos disturbios que tal guerra causaria na econômia global(o seu , o nosso emprego, vai estar em risco… ), além de seus efeitos geoestratégicos.

    Os EUA seriam favorecidos por tal guerra, pois estarão tentando reverter ou travar a tendência mundial a multipolaridade ,o que lhes convém muitissimo é manter a unipolaridade (onde eles são o pólo, claro..) , já ao a Brasil, interessa um mundo multipolar.

    Outro texto interessante sobre a visita de Hillary ao Brasil, saiu originalmente no ‘INTERNATIONAL HERALD TRIBUNE’,sendo publicado aqui no Brasil pelo Estadão, no link abaixo:

    VISITA É RECONHECIMENTO TARDIO A LIDERANÇA BRASILEIRA

    Julia Sweig*, INTERNATIONAL HERALD TRIBUNE

    http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100303/not_imp518652,0.php

Comentários não permitidos.