E.M.Pinto
A crescente instabilidade no Nordeste Asiático e os avanços nucleares da Coreia do Norte estão obrigando a Coreia do Sul a repensar suas estratégias de dissuasão e defesa. Nesse cenário, declarações recentes de Cho Hyun, indicado ao cargo de Ministro das Relações Exteriores, reacendem o debate sobre a revisão do Acordo de Cooperação Nuclear EUA-Coreia do Sul (Acordo 123).
A proposta, feita em audiência parlamentar, aponta para a possibilidade de Seul buscar autorização para desenvolver submarinos com propulsão nuclear, uma decisão estratégica que pode redefinir o equilíbrio de forças na região e a autonomia da política externa sul-coreana.
O Acordo 123, firmado em 1974 e revisado em 2015, regula o uso pacífico de tecnologia nuclear, mas impõe restrições severas ao enriquecimento de urânio e ao reprocessamento de combustível para fins militares. Embora tenha permitido o enriquecimento de urânio até níveis de 20%, o acrdo veda explicitamente o uso de material nuclear de origem americana em propulsão naval.
Isso inviabiliza, por ora, qualquer programa sul-coreano de submarino nuclear, ainda que o país tenha domínio técnico, infraestrutura naval e indústria nuclear civil avançadas capazes de absorver esta demanda. A Coreia do SUl é o quarto mairo produtor mundial de energia nuclear e domina o ciclo completo com tecnologia própia.
Porém o atual impasse jurídico, não se dá por incapacidade técnica, mas por um bloqueio normativo que prende a Coreia do Sul a uma dependência estratégica com os Estados Unidos.
A proposta de Cho Hyun, respaldada por figuras políticas como os parlamentares Kim Gunn e Yu Yong-weon, demonstra uma clara mudança no pensamento estratégico coreano. Os parlamentares argumentam que os EUA estão sinalizando maior tolerância a programas de submarinos nucleares em países aliados , tal como demonstra o pacto AUKUS com Austrália e Reino Unido. Ademais, a possibilidade de que a Coreia do Norte esteja desenvolvendo seu próprio submarino de mísseis balísticos com ajuda russa fortalece a percepção de que Seul não pode mais se limitar a soluções convencionais.
A história da Coreia do Sul com projetos de submarinos nucleares não é recente. O Projeto 362, iniciado em 2003, foi uma tentativa concreta de avançar nesse sentido. Com base em tecnologias francesas e russas, previa a construção de três submarinos movidos por reatores BANDI-60 abastecidos com urânio entre 21% e 45% de enriquecimento. A interrupção do projeto por pressões políticas e o receio de sanções da AIEA não apagou as evidências de que Seul possui know-how técnico e institucional para levar adiante esse tipo de programa, caso as barreiras externas sejam superadas.
A hora de decidir é agora. As ameaças reais não esperamSe a Coreia do Sul deseja manter sua segurança, sua autonomia estratégica e sua relevância no Indo-Pacífico, precisa transformar a aspiração de ter uma força submarina nuclear em política de Estado, mesmo que isso exija confrontar tabus jurídicos e geopolíticos. “Cho Hyun”
Além dos avanços técnicos norte-coreanos, a crescente adesão popular e institucional à ideia de uma latência nuclear, ou seja, a capacidade de desenvolver rapidamente armamentos nucleares sem necessariamente construí-los, alimenta esse novo movimento.
Pesquisas entre 2023 e 2025 mostram que mais de 70% da população apoia o desenvolvimento de submarinos nucleares ou mesmo armamentos nucleares. Ainda que parte da elite política continue cautelosa, há um consenso crescente de que o país deve garantir sua autonomia estratégica, especialmente se a aliança com os EUA for posta em xeque por mudanças geopolíticas.
A viabilidade de um programa de submarino nuclear não é apenas uma aspiração retórica. A Coreia do Sul já possui quatro dos cinco requisitos técnicos essenciais: um reator compacto e robusto para uso naval pode ser desenvolvido com base na expertise do Instituto Coreano de Pesquisa em Energia Atômica; estaleiros com certificação nuclear estão disponíveis; existem estruturas regulatórias e de gestão de resíduos bem estabelecidas; e a Marinha Sul-Coreana possui pessoal treinado em operações subaquáticas com mísseis balísticos. O único obstáculo remanescente é de ordem legal e diplomática: a revisão do Acordo 123 para permitir o uso de urânio enriquecido em propulsão naval.
Diante desse cenário, a Coreia do Sul se vê diante de uma escolha estratégica crucial. Continuar presa a um regime jurídico que limita sua soberania em defesa nacional ou negociar, de forma transparente e coordenada, com os Estados Unidos um novo arranjo que lhe permita avançar tecnologicamente, com salvaguardas claras e respeito à não proliferação. A dissuasão do século XXI exige mobilidade, resistência, furtividade e capacidade de reação imediata. Submarinos nucleares oferecem isso, diferentemente dos atuais modelos diesel-elétricos da classe KSS-III, cujas limitações são evidentes em missões prolongadas ou em cenários de confronto real.
Submarinos Diesel-Elétricos KSS-III em comparação ao Submarino com Propulsão Nuclear
Característica | KSS-III (Diesel-Elétrico) | Submarino com Propulsão Nuclear |
---|---|---|
Autonomia submersa | Limitada (dias) | Longa (meses) |
Velocidade sustentada submersa | Moderada (~20 nós) | Alta (>25 nós) |
Furtividade | Boa, mas depende de snorkel para recarga | Muito alta (sem necessidade de snorkel) |
Capacidade de dissuasão estratégica | Limitada a curtas distâncias | Global, com mísseis SLBM de longo alcance |
Custo de manutenção | Menor | Muito alto |
Complexidade tecnológica | Moderada | Muito elevada |
Reatores nucleares disponíveis | Não aplicável | BANDI-60 (projeto cancelado) |
Permissão legal sob Acordo 123 | Permitido sob salvaguardas | Proibido (necessita revisão do acordo) |
Fonte
- South Korea Should Lean into Nuclear-Powered Submarines, War on Rocks [LINK]
- Will South Korea’s Nuclear Ambitions Subside in the Next Five Years?, CSIS[LINK]
- Breaking News: South Korea could renegotiate atomic cooperation with US to launch its own nuclear submarine program, Navy recognition[LINK]