E.M.Pinto
O acordo celebrado hoje entre Israel e o Hamas não é fruto do acaso nem resultado de um súbito gesto de boa vontade entre inimigos históricos. Ele representa o ápice de uma complexa engenharia política e diplomática, construída palavra por palavra, gesto por gesto, em uma coreografia calculada para produzir uma imagem de estabilidade.
Por trás da aparência de reconciliação, ergue-se uma estrutura invisível de poder global, onde interesses nacionais, pressões econômicas e narrativas cuidadosamente manipuladas convergem para sustentar uma ilusão de uma paz duradoura.
A intervenção direta de Donald Trump, articulada a partir da Casa Branca, foi sem dúvida o catalisador desse processo. O Presidente norte-americano apresentou um plano de vinte pontos como o roteiro definitivo para a estabilidade regional.
Amparado pela diplomacia, o documento revelava-se um instrumento de controle geopolítico. Exige o cessar-fogo imediato, retirada parcial das tropas israelenses, troca de reféns e prisioneiros palestinos e, em um ponto ousado, o desarmamento total do Hamas. O coração da proposta, entretanto, estava na criação de uma nova autoridade política em Gaza, excluindo o grupo islâmico, uma iniciativa que sinaliza menos uma pacificação e mais uma reconfiguração do poder na região.
O Egito e o Qatar, tradicionais mediadores no Oriente Médio, tornaram-se peças centrais no tabuleiro. O primeiro garantiu os canais de diálogo e apoio humanitário já o segundo, movido por prestígio e interesse financeiro, forneceu garantias políticas e recursos econômicos para sustentar o processo. Juntos, formaram um triângulo diplomático onde cada país assume um papel distinto, de um lado, o poder militar e o capital político e do outro, a vitrine mediática.
Contudo, o objetivo norte-americano aparece com clareza nas entrelinhas, o de consolidar a presença estratégica dos Estados Unidos no coração do Oriente Médio e que segue sendo uma prioridade de longo prazo.
O envio de tropas sob o pretexto de garantir a reconstrução da Faixa de Gaza reforça o domínio logístico e simbólico de Washington. Trump proclama que o acordo só foi possível após a neutralização do programa nuclear iraniano.
Desde a criação do Estado de Israel, em 1948, a história do Oriente Médio é um ciclo de guerras e tentativas frustradas de paz. Cada tratado, celebrado como marco histórico, foi corroído por desconfianças e violência.
O Acordo de Camp David (1979), mediado pelos Estados Unidos entre Egito e Israel, trouxe uma paz que custou caro, culminando no isolamento do Egito e o assassinato de Anwar Sadat, em 1981, atos que evidenciaram que acordos impostos de fora dificilmente resistem às realidades internas.
Os Acordos de Oslo (1993) reacenderam a esperança de coexistência entre israelenses e palestinos. A famosa imagem de Rabin, Peres e Arafat apertando as mãos em Washington tornou-se símbolo de uma paz que se perdeu. Rabin foi assassinado, e Oslo tornou-se sinônimo de desilusão. O Roteiro para a Paz, promovido por George W. Bush e pelo quarteto internacional, teve destino semelhante, ruindo diante da ascensão do Hamas e da fragmentação e desolação da palestina.
Em 2020, os Acordos de Abraão inauguraram nova euforia, Israel normalizou relações com Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos. Mas, nas ruas de Gaza e Jerusalém Oriental, a realidade permaneceu inalterada. O abismo entre diplomacia e cotidiano manteve-se. Assim, o acordo de 2025 repete o padrão histórico: promessas solenes seguidas de tensões recorrentes.
A diplomacia contemporânea transformou-se em espetáculo. Declarações, fotografias e assinaturas são cuidadosamente coreografadas para consumo mediático. A trégua entre Israel e o Hamas segue essa lógica. Mais do que um pacto político, ela é um evento encenado para transmitir sensação de controle e progresso.
Trump, mestre do simbolismo político, domina este palco e suas frases de efeito e seu domínio midiático constroem a ilusão de uma paz sob controle americano. Porém, por trás das câmeras, a contradição é evidente.
Gaza continua em ruínas, o Hamas mantém apoio popular e desencadeia uam caçada interna de discidentes e opositores em setores da população. Por seu lado, Israel está internamente dividido entre os que defendem a trégua e os que a consideram uma concessão perigosa. A chamada “paz definitiva” é, na prática, um instrumento de poder. Na política internacional do século XXI, a narrativa tornou-se mais importante do que o resultado.
Analistas alertam para o paradoxo o qual, quanto mais se fala em paz, mais distante ela parece. O International Crisis Group advertiu que desarmar o Hamas e instituir um novo governo em Gaza sem sua participação é uma operação quase impossível. A exclusão de um ator central tende a gerar um vácuo de poder, rapidamente ocupado por forças ainda mais radicais. A história recente demonstra que promessas de estabilidade raramente sobrevivem à realidade dos fatos.
Entre a paz proclamada e a paz vivida há um abismo ou melhor, escombros. É o mesmo que separa o ideal político da experiência humana. Muitos estudiosos veem nesse ciclo interminável, isso porque, acordos frágeis, trazem alianças temporárias e por consequência, uma paz que antecede tempestades maiores. O Oriente Médio não se pacifica por decretos e não se transformará antes de transformações profundas, sociais e culturais.
Em 2025, o mundo celebra mais uma assinatura sob bandeiras entrelaçadas. Lova-se pro correto o que parece o fim dos conflitos os quas poderiam ter sido evitados, abre-se questões sobre o futuro, mas sem embargo de culpa ou omissão, suscita uma pergunta essencial:
Trata-se de uma esperança concreta ou de mais um capítulo na longa ilusão da paz? Sim, porque enquanto tratados forem instrumentos de poder e de pressão política muito convenienets para a guerra de narrativas igualmente armas da nova guerra, a região seguirá refém de sua própria história.
Em outras palavras, a nova trégua no Oriente Médio se compara a uma vidraça transparente perfurada por um disparo intencional. À distância, a estrutura ainda parece intacta, refletindo a luz e oferecendo a ilusão de solidez.
Mas, ao se aproximar, percebe-se a rachadura que se expande em todas as direções, ameaçando romper o equilíbrio frágil que resta, e cujo impacto ainda reverbera silenciosamente sob o brilho enganoso da paz.