Edilson Pinto & Rodolfo Laterza
Desde sua reeleição, Trump vem intensificando o uso de tarifas como instrumento político, muito além da simples proteção econômica. Em 2025, anunciou sobretarifas sobre produtos do Brasil, Canadá, China e demais integrantes do BRICS, vinculadas a questões políticas como o julgamento do ex-presidente Bolsonaro e regulamentação de plataformas digitais, justificando tais ações com alegações de “ameaças à segurança nacional”. Essas medidas rompem com princípios da GATT e da OMC, que classificam tarifas como instrumento apenas de correção econômica, não de coerção política
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Desde sua reeleição em novembro de 2024, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem ampliado o uso de tarifas comerciais como uma forma explícita de pressão política, afastando-se das normas tradicionais do comércio internacional. Em julho de 2025, sua administração anunciou a imposição de sobretarifas sobre uma ampla gama de produtos originários do Brasil, Canadá, China, África do Sul e outros países membros do BRICS. A medida também afetou indiretamente parceiros comerciais europeus que mantêm acordos com esses países.
Diferente de tarifas comumente justificadas por práticas desleais de comércio ou desequilíbrios na balança comercial como antidumping ou medidas compensatórias, Trump vinculou essas novas tarifas a razões explicitamente políticas. Entre os motivos citados pela Casa Branca estão:
1-A condução do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, que Washington acusando-o de ser “politicamente motivado”, alegando falta de garantias legais no processo.
2- A crescente regulação de plataformas digitais e redes sociais por parte de países como o Brasil e a China, que, segundo Trump, configurariam “censura tecnológica” e barreiras à liberdade de expressão e ao capital norte-americano.
3- A aproximação dos países do BRICS com regimes considerados adversários dos EUA, como Rússia e Irã, e tentativas de desdolarização no comércio internacional.
As sobretarifas rompem com princípios estabelecidos nos marcos legais do comércio multilateral, como o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) e as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), das quais os EUA são signatários. Segundo o artigo XX do GATT, existem exceções para a imposição de tarifas por razões de segurança nacional, mas seu uso é tradicionalmente interpretado com restrição, dado o risco de abuso e politização das trocas comerciais.
O uso reiterado dessas justificativas tem sido criticado por especialistas e antigos membros da OMC. Em 2019, a própria organização se manifestou contrária ao uso da “segurança nacional” como pretexto para tarifas arbitrárias, em resposta a medidas semelhantes impostas por Trump durante seu primeiro mandato, como no caso das tarifas sobre o aço e alumínio de aliados históricos como o Canadá e a União Europeia.
O diretor de estudos econômicos do Peterson Institute for International Economics, Chad Bown, observou que “as tarifas tornaram-se uma extensão da diplomacia coercitiva, e não uma ferramenta de correção econômica”. Segundo levantamento da entidade, as tarifas impostas desde 2018 geraram prejuízos estimados em mais de US$ 1 trilhão em perdas comerciais acumuladas e aumento médio de 20% nos preços de importação para consumidores norte-americanos.
A reação internacional foi imediata. O Brasil, por meio de nota do Itamaraty, classificou a medida como “injustificada e discriminatória”, afirmando que recorrerá à OMC.
O Canadá e a União Europeia também condenaram as ações, indicando a possibilidade de retaliações ou ações coordenadas. A China, por sua vez, alertou para “consequências sistêmicas” e “risco de colapso do sistema multilateral de comércio”.
Em nota conjunta, os países do BRICS anunciaram que irão “responder de forma coordenada às violações do sistema multilateral de comércio” e convocaram uma reunião de emergência com o objetivo de acelerar propostas de criação de uma nova arquitetura de pagamentos internacionais baseada em moedas locais parte da estratégia de desdolarização liderada por Pequim e Moscou.
Transgressões
Na prática a guerra tarifárica chamada de “Taxação” transgrides acordos internacios pré estabelecidos em:
GATT 1994 – Princípio da não‑discriminação: tarifas são irregulares se não justificadas por legislação reconhecida.
Art. I GATT (Cláusula da Nação Mais Favorecida) – Impede aplicações discriminatórias.
Art. III GATT (Cláusula da Justiça Interna) – Proíbe tratamento interno mais rigoroso a produtos de um país específico.
Art. XXIV GATT – Exceção: permite tratados de livre-comércio ou união aduaneira, o que não é o caso.
Art. 5 & 6 do Acordo da OMC – Regras de transparência e procedimentos obrigatórios de investigação para medidas tarifárias.
Diante disso o Brasil pode argumentar que os EUA desrespeitam deliberadamente esses dispositivos ao impor tarifas punitivas por questões políticas.
A tarifa de 50 % sobre as importações brasileiras, válida desde 1° de agosto de 2025, foi motivada por críticas de Trump ao “julgamento-político” de Bolsonaro e a ações do STF contra empresas americanas.
O impacto já se manifesta no mercado internacional, o preço do café arábica subiu para cerca de US$ 288,67/libra, elevando a inflação global dando início a volatilidade. Economistas alertam para os riscos de uma crise financeira global provocada pelo afastamento das normas comerciais pactuadas e pela escalada de retaliações
Essa decisão representa um novo e agressivo capítulo na política comercial dos EUA e rompe com os fundamentos do sistema multilateral de comércio, conforme estabelecido pelos acordos da OMC (Organização Mundial do Comércio), em especial o GATT, que só permite a imposição de tarifas sob critérios econômicos, sanitários ou de segurança nacional, com base em evidências e proporcionalidade.
Além do café, setores como o de soja, celulose, carnes e suco de laranja também foram afetados, gerando impacto nos preços globais e pressionando os índices de inflação em diversos países, especialmente na União Europeia e em mercados emergentes da Ásia que dependem de commodities brasileiras transformadas nos EUA.
A disparada nos preços das commodities brasileiras levou o índice global de preços alimentares da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) a registrar um aumento de 6,1% em julho, o maior salto mensal desde 2022. Economistas alertam que a inflação global pode ultrapassar 4,5% ao ano, mesmo em economias desenvolvidas, revertendo as tendências de estabilização observadas entre 2023 e 2024.
O New York Post classificou a reação do mercado como o “início de uma nova era de volatilidade geopolítica-comercial”, comparando a decisão tarifária com choques históricos como o embargo do petróleo em 1973 ou a guerra comercial EUA-China iniciada em 2018.
Analistas do Banco Mundial e do FMI alertaram que a atitude dos EUA pode representar um ponto de inflexão no sistema global de comércio baseado em regras. A imposição de tarifas sem base técnica, apenas por razões políticas, fragiliza a credibilidade da OMC e pode desencadear uma onda de retaliações cruzadas.
O Brasil anunciou que prepara uma queixa formal à OMC, com apoio de China, Índia e União Europeia. Em resposta preliminar, o governo brasileiro estuda impor tarifas de retaliação sobre produtos como aviões da Boeing, trigo norte-americano e fertilizantes, além de priorizar acordos comerciais com países do BRICS.
A China, por sua vez, sugeriu boicotes a grandes empresas americanas de tecnologia que operam em seu território. Segundo um relatório do Brookings Institution,
“o abandono dos EUA às normas do comércio internacional representa um risco sistêmico comparável à crise financeira de 2008, desta vez com origens geopolíticas e institucionais, e não apenas econômicas”.
Esta é mais uma demonstração da estratégia de “America First 2.0”, adotada por Trump desde seu retorno à Casa Branca. A retórica da administração tem se intensificado contra instituições internacionais e governos que, segundo Washington, “não respeitam valores ocidentais” mesmo quando esses conflitos envolvem temas jurídicos internos de outros países, como no caso brasileiro.
Trump acusa o STF de interferir no ambiente de negócios ao manter bloqueios ou regulação sobre plataformas como X (ex-Twitter), Google, Meta e Telegram. A Corte é acusada, por aliados de Trump e por parte da direita global, de cercear a liberdade de expressão sob a justificativa de combater fake news e discursos de ódio.
Retórica de déficit
Apesar do discurso político norte-americano recorrente sobre “déficits bilaterais” com parceiros comerciais, os dados mostram que, desde 2000, os Estados Unidos têm registrado superávits frequentes e significativos em sua balança comercial com o Brasil, especialmente na conta de produtos industrializados e de alto valor agregado.
De acordo com levantamento cruzado do U.S. Census Bureau, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e reportagens do Wall Street Journal, Correio do Povo, El País, Terra e Deutsche Welle, os superávits acumulados pelos EUA no comércio com o Brasil nos últimos 25 anos variam entre US$ 7 bilhões e US$ 41 bilhões ao ano.
Histórico da balança comercial Brasil-EUA (2000–2024)
Ano Exportações do Brasil p/ EUA (US$ bi) Importações do Brasil dos EUA (US$ bi) Saldo p/ EUA (US$ bi)
| Ano | Exportações (US$ bi) | Importações (US$ bi) | Saldo (US$ bi) | Observação |
|---|---|---|---|---|
| 2000 | 13,4 | 15,2 | +1,8 | Déficit |
| 2005 | 21,3 | 18,7 | -2,6 | Superávit BR |
| 2010 | 19,5 | 27,1 | +7,6 | Déficit |
| 2015 | 24,2 | 30,5 | +6,3 | Déficit |
| 2020 | 21,4 | 29,8 | +8,4 | Déficit |
| 2023 | 36,7 | 47,9 | +11,2 | Déficit |
| 2024 | 34,1* | 46,2* | +12,1 | Déficit (estimativa) |
*Estimativas até novembro de 2024, com base em dados do MDIC e ITC (International Trade Centre).
Entre 2010 e 2024, o superávit acumulado dos EUA na balança comercial com o Brasil supera US$ 170 bilhões, demonstrando uma tendência estrutural em que os EUA exportam bens com maior valor agregado, enquanto importam majoritariamente commodities brasileiras de baixo valor unitário.
Principais produtos da balança bilateral
Exportações do Brasil para os EUA:
Café em grão (arábica): US$ 6,4 bilhões/ano
Suco de laranja concentrado: US$ 2,8 bilhões/ano
Soja (grão e óleo): US$ 4,1 bilhões/ano
Carne bovina in natura: US$ 3,9 bilhões/ano
Minério de ferro: US$ 3,1 bilhões/ano
Aviões (Embraer – comerciais e executivos): US$ 2,6 bilhões/ano
Celulose e papel: US$ 1,7 bilhão/ano
Composição típica: cerca de 72% das exportações brasileiras são commodities agrícolas ou minerais, com margens unitárias baixas, alta volatilidade de preços e reduzido conteúdo tecnológico.
Importações do Brasil dos EUA:
Máquinas industriais e turbinas: US$ 9,2 bilhões/ano
Equipamentos de telecomunicações e TI: US$ 6,4 bilhões/ano
Produtos químicos e farmacêuticos: US$ 7,1 bilhões/ano
Aviões e partes (Boeing, Lockheed Martin): US$ 4,8 bilhões/ano
Petróleo refinado e gás natural liquefeito (GNL): US$ 3,3 bilhões/ano
Veículos e peças automotivas: US$ 2,9 bilhões/ano
Cerca de 85% das importações brasileiras dos EUA são bens de capital, insumos industriais e produtos de alta tecnologia, com elevada agregação de valor e efeitos multiplicadores sobre a indústria.
Retórica do déficit e as tarifas de 2025
A imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros a partir de agosto de 2025 foi justificada pela Casa Branca com base em “correções de desequilíbrios comerciais” e “ameaças à segurança nacional”, incluindo críticas à condução do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e à regulação brasileira sobre empresas americanas de tecnologia.
Contudo, os dados comerciais contradizem frontalmente o argumento de déficit. A balança bilateral, como demonstrado, tem sido superavitária para os EUA em 19 dos últimos 25 anos. A medida tarifária, portanto, assume um caráter explicitamente político, rompendo com os princípios do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) e das normas da Organização Mundial do Comércio (OMC), que proíbem a utilização de tarifas como forma de coerção política ou diplomática.
A assimetria na relação comercial se acentua pela natureza dos bens comercializados. Produtos brasileiros, como café, suco e minério, são exportados com margens médias de lucro entre 12% e 20%, enquanto os bens importados dos EUA como turbinas, softwares e componentes farmacêuticos podem atingir margens superiores a 50%.
Esse desbalanceamento estrutural torna a economia brasileira vulnerável a choques externos, tarifas e manipulações políticas, como as que ocorrem em 2025. Além disso, limita os efeitos multiplicadores do comércio sobre o desenvolvimento industrial e tecnológico.
Subterfúgio político
A menção explícita ao ex Deputado Federal Eduardo Bolsonaro, que desde março de 2025 reside nos EUA e atua como lobista em defesa de seu pai, consolida a percepção de que a família Bolsonaro busca apoio externo para influenciar processos judiciais brasileiros. Eduardo tem articulado sanções contra autoridades brasileiras, como o ministro Alexandre de Moraes, do STF, acusado por bolsonaristas de liderar uma perseguição política.
A carta de Trump, ao endossar essa narrativa, pode ser interpretada como uma tentativa de intimidação ao Judiciário brasileiro, o que é amplamente visto como um erro estratégico.
O STF, conhecido por sua independência, já sinalizou que o julgamento de Bolsonaro, acusado de liderar uma tentativa de golpe em 2022, seguirá seu curso normal, com previsão de conclusão entre agosto e setembro de 2025.
Paradoxalmente, a intervenção de Trump pode prejudicar Bolsonaro. Setores do agronegócio, uma base importante de apoio ao ex-presidente, serão diretamente afetados pelas tarifas americanas, o que pode gerar descontentamento entre seus aliados. Além disso, a associação com uma potência estrangeira que ameaça a economia brasileira pode enfraquecer a imagem de Bolsonaro como defensor dos interesses nacionais, especialmente em um contexto de alta sensibilidade à soberania.
A carta de Trump foi amplamente criticada na imprensa internacional, que destacou o “choque” entre Trump e Lula e a tentativa de interferência em assuntos internos de um país soberano. Jornais como The Guardian e The Washington Post descreveram a ação como uma defesa explícita de um aliado de extrema-direita, comparando as situações de Trump e Bolsonaro, ambos investigados por tentativas de subverter processos eleitorais.
A ameaça de tarifas adicionais contra membros do BRICS, incluindo o Brasil, por supostas “políticas antiamericanas”, pode isolar os EUA em fóruns multilaterais e fortalecer a coesão do bloco, que inclui potências como China e Rússia. Isso pode acelerar a busca do Brasil por parcerias comerciais alternativas, especialmente com a China, que já é seu principal parceiro comercial.
Erros Estratégicos de Trump
O principal erro de Trump foi tentar usar o poder econômico dos EUA para influenciar o Judiciário brasileiro, uma instituição independente com amplo respaldo legal. A tentativa de intimidação, como apontado pelo sociólogo Celso Rocha de Barros, é um “devaneio autoritário” que subestima a solidez das instituições brasileiras.
Trump justificou as tarifas citando um suposto déficit comercial dos EUA com o Brasil, uma alegação desmentida por dados oficiais que mostram um superávit americano de US$ 51 bilhões entre 2014 e 2024.
Essa desinformação enfraquece a credibilidade da carta e expõe a motivação política por trás da medida, que parece mais voltada a apoiar Bolsonaro do que a corrigir desequilíbrios comerciais. A inconsistência factual pode ser explorada por Lula para deslegitimar as ameaças de Trump no cenário internacional.
A carta subestima a capacidade de resposta do Brasil, que, apesar de suas fragilidades econômicas, é uma potência regional com uma economia relativamente fechada e menos dependente dos EUA do que outros países.
A retórica agressiva de Trump, incluindo a exigência de que empresas brasileiras se instalem nos EUA para evitar tarifas, foi percebida como uma afronta à soberania nacional, galvanizando apoio a Lula mesmo entre opositores. A ameaça de retaliação brasileira, apoiada por uma lei que permite contramedidas proporcionais, indica que o Brasil está preparado para escalar o conflito comercial, se necessário.
Ao vincular as tarifas à defesa de Bolsonaro, Trump colocou o ex-presidente em uma posição delicada. A associação com um líder estrangeiro que ameaça a economia brasileira pode alienar eleitores e aliados de Bolsonaro, especialmente no agronegócio. Além disso, a menção a Eduardo Bolsonaro como lobista nos EUA reforça a narrativa de que a família busca interferência externa, o que pode ser explorado por adversários políticos para acusá-los de traição à pátria.
Não é segredo para ninguém, o Brasil é o segundo elo mais fraco do bloco fundador dos BRICS, ms seus posicionamento estratégico frente a comunidade internacional e à própria coesão dos BRICS o torna alvo de fato e real para a manobra engendrada pro Trump para fragmentar e reduzir o poder do bloco emergente.
Abalo da polarização ideológica no desenvolvimento soberano do Brasil
O Brasil, um país de imenso potencial, enfrenta desafios estruturais que o mantêm estagnado em seu desenvolvimento. Um dos principais entraves é a polarização política, que fragmenta a sociedade e impede um debate sério sobre a política externa e os interesses nacionais.
Essa divisão, alimentada por narrativas ideológicas superficiais, tanto da esquerda progressista quanto da direita conservadora, cria um ambiente propício à manipulação cognitiva e à estagnação, desviando o foco de questões fundamentais para o progresso do país.
Como historiador e analista de conflitos internacionais, Dr. Rodolfo Queiróz Laterza argumenta:
A superação dessa polarização é essencial para que o Brasil recupere uma postura pragmática e soberana em sua política externa, promovendo um desenvolvimento estrutural que enfrente suas mazelas seculares.
A polarização política no Brasil é marcada por uma visão binária e simplista, que reduz debates complexos a narrativas de “nós contra eles”.
Essa dinâmica, amplificada pelas redes sociais e pela mídia corporativa, cria câmaras de eco que reforçam crenças superficiais, distorcendo a realidade e afastando a sociedade de discussões cruciais.
Um exemplo claro é a historiografia da política externa brasileira durante o regime militar (1964-1985), frequentemente mal compreendida por ambos os espectros ideológicos. Contrariando estereótipos, o governo Geisel, por exemplo, adotou uma doutrina de pragmatismo responsável, rompendo o acordo militar com os Estados Unidos em 1977, reconhecendo a República Popular da China em 1975 e estabelecendo cooperações econômicas com a União Soviética.
Essas ações, que hoje chocariam tanto a esquerda quanto a direita, demonstram que o Brasil já teve uma política externa assertiva, focada na soberania e no desenvolvimento tecnológico, mesmo em um período controverso. Ignorar essa história em favor de narrativas polarizadas é um desserviço à nação.
Essa polarização é não apenas ilógica, mas também prejudicial, pois impede o país de enfrentar suas fragilidades estruturais. O Brasil sofre com uma economia dependente da exportação de produtos primários, com baixo valor agregado, especialmente para a China, que representa 30,9% das exportações brasileiras.
Em contrapartida, importa bens de alto valor agregado, como máquinas, medicamentos e combustíveis, principalmente dos Estados Unidos. Essa assimetria reflete a desindustrialização do país desde os anos 1990, quando a pauta exportadora era composta por 75% de produtos manufaturados.
Hoje, a falta de diversificação econômica torna o Brasil vulnerável a pressões externas, como as tarifas impostas pelo governo Trump, que visam forçar negociações comerciais e desestabilizar alinhamentos como o dos BRICS. A ausência de uma política comercial monolítica, que priorize o valor agregado e a inovação, agrava essa fragilidade, enquanto o debate público se perde em picuinhas ideológicas.
Além disso, a polarização obscurece problemas estruturais crônicos, como a desigualdade social, que coloca o Brasil entre os dez piores países do mundo no índice Gini. O país também ocupa posições vergonhosas em rankings globais: 49º em inovação, 15º em preparação para inteligência artificial e abaixo de nações como Cuba, Peru e Sri Lanka no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
A desvalorização do capital humano, com engenheiros e cientistas subaproveitados, e a falta de investimento em educação massiva voltada para a economia quaternária agravam esse cenário. A cultura de glorificação do grotesco e da superficialidade, aliada à tolerância à corrupção e ao “jeitinho brasileiro”, perpetua um sistema que retroalimenta a polarização e a ineficiência institucional.
Para superar esses desafios, é necessário um esforço coletivo que transcenda as bolhas cognitivas. O Brasil precisa de uma mudança cultural que valorize o mérito, combata a desigualdade e promova a educação massiva. Uma política externa pragmática, inspirada em exemplos históricos como o do regime militar ou em decisões acertadas de governos recentes, como a neutralidade na guerra da Ucrânia sob o governo Bolsonaro, deve priorizar os interesses nacionais acima de alinhamentos ideológicos. Isso inclui diversificar parcerias comerciais com regiões como África, América Central e Indo-Pacífico, além de fortalecer a industrialização e a inovação tecnológica.
A sociedade brasileira, por sua vez, deve abandonar a idolatria a narrativas polarizadas e exigir das autoridades medidas estruturantes, cobrando responsabilidade sem se deixar manipular por discursos de engajamento midiático.Em suma, a polarização ideológica é um obstáculo ao desenvolvimento soberano do Brasil. Enquanto a sociedade permanecer refém de narrativas binárias, o país continuará vulnerável e distante de seu potencial.
É imperativo resgatar o pragmatismo, valorizar o capital humano e enfrentar as mazelas estruturais com políticas públicas consistentes. Somente assim o Brasil poderá sair do marasmo e construir um futuro de maior competitividade, inclusão e soberania. A guerra não deve ser entre brasileiros, mas contra tudo que impede o progresso da nação.
Erros Estratégicos
A carta de Donald Trump a Luiz Inácio Lula da Silva, datada de 9 de julho de 2025, é um exemplo paradigmático dos erros de se utilizar a política externa como instrumento de defesa de interesses pessoais, tanto por parte de Trump, em apoio a Jair Bolsonaro, quanto por setores polarizados no Brasil que instrumentalizam o episódio para fins políticos internos. Essa prática compromete a soberania nacional, agrava tensões diplomáticas e expõe os riscos da polarização política no Brasil, que amplifica divisões e impede uma resposta unificada em prol dos interesses do país.
O principal erro de Trump foi subordinar a política externa dos Estados Unidos a uma agenda pessoal de apoio a Bolsonaro, utilizando ameaças de tarifas comerciais para interferir em um processo judicial soberano. Essa tática, que mistura interesses políticos domésticos com relações internacionais, desrespeita a autonomia brasileira e fragiliza a credibilidade dos EUA em fóruns globais.
Por outro lado, no Brasil, a polarização política agrava os riscos dessa crise. Setores alinhados a Bolsonaro podem explorar a carta como prova de uma suposta perseguição global, enquanto apoiadores de Lula utilizam o episódio para reforçar narrativas antiamericanas, desviando o foco de soluções estruturais para os desafios econômicos e sociais do país.
Os riscos da polarização são evidentes: ela fragmenta a sociedade, impede o diálogo racional e transforma crises internacionais em munição para disputas internas. A retórica beligerante de ambos os lados, Trump com suas ameaças e setores brasileiros com narrativas ideológicas, dificulta a formulação de uma política externa pragmática, capaz de proteger os interesses nacionais, como a diversificação de parcerias comerciais e o fortalecimento da indústria.
A dependência econômica do Brasil, com 30,9% das exportações destinadas à China e uma pauta exportadora dominada por commodities, torna-o vulnerável a pressões como as de Trump, enquanto a polarização interna consome energias que deveriam ser direcionadas à superação de mazelas estruturais, como a desigualdade e a desindustrialização.
Em última análise, o uso da política externa para interesses pessoais, aliado à polarização política, compromete a capacidade do Brasil de atuar como uma nação soberana e coesa. Para evitar que crises como essa se repitam, é essencial que o país transcenda divisões ideológicas, priorize o pragmatismo em suas relações internacionais e invista em políticas públicas que promovam desenvolvimento inclusivo e inovação. Somente assim o Brasil poderá enfrentar pressões externas e internas com resiliência, colocando os interesses nacionais acima de agendas pessoais ou partidárias.
Sumário analítico
| Nº | Tema | Descrição |
|---|---|---|
| 1 | Tarifas como instrumento político | A política comercial dos EUA sob Trump deixou de ter fundamentos econômicos e passou a usar tarifas como forma de coerção política, violando normas da OMC. |
| 2 | Desrespeito aos acordos multilaterais | A imposição de tarifas fere cláusulas fundamentais do GATT, como a de não-discriminação e a obrigação de investigação prévia. |
| 3 | Superávit estrutural dos EUA com o Brasil | Apesar das acusações de déficit, os EUA têm superávit comercial com o Brasil em 19 dos últimos 25 anos, desmentindo a justificativa oficial das tarifas. |
| 4 | Impactos econômicos globais | As tarifas geraram alta nos preços de commodities brasileiras, impulsionando a inflação mundial e agravando a volatilidade dos mercados. |
| 5 | Desdolarização e reação dos BRICS | O bloco reagiu de forma coordenada, acelerando estratégias de comércio em moedas locais e ameaçando criar novas instituições financeiras paralelas. |
| 6 | Pressão sobre o STF e interferência externa | A carta de Trump, mencionando o julgamento de Bolsonaro e Eduardo como lobista, evidencia tentativa de interferência externa no Judiciário brasileiro. |
| 7 | Vulnerabilidade brasileira estrutural | A dependência de commodities e a desindustrialização tornam o Brasil frágil diante de pressões tarifárias e manipulações políticas externas. |
| 8 | Polarização política como obstáculo ao desenvolvimento | O embate ideológico interno impede a formulação de uma política externa soberana e racional, mantendo o país refém de disputas narrativas. |
| 9 | Riscos à soberania nacional | O uso da política externa norte-americana para influenciar questões internas brasileiras compromete a autonomia do país e o respeito internacional. |
| 10 | Necessidade de política externa pragmática | O Brasil precisa adotar um modelo de diplomacia baseado em interesses estratégicos, inovação e diversificação de parcerias, superando alinhamentos ideológicos. |
Fonte
- Trump castiga con aranceles del 50% a Brasil por el juicio a Bolsonaro. El País [LINK]
- Tarifas como Arma: A Nova Era do Protecionismo Estratégico e Suas Consequências Globais, Medium [LINK]
- Tarifaço de Trump contra Brasil é pura interferência política. Pública [LINK]
- Tarifas como Arma: A Nova Era do Protecionismo Estratégico e Suas Consequências Globais, UOL [LINK]
- Trump acusa Brasil de desvalorizar real e anuncia tarifa sobre aço e alumínio, Reddit [LINK]
- Lula a Trump: “Si nos cobra el 50%, le cobraremos el 50%. A Brasil se le respeta”, El País [LINK]


