Rússia e Inglaterra e o início do “Grande Jogo”

Paulo Diniz


As ligações históricas dos russos com a península da Crimeia são resultado das lutas contra os tártaros islâmicos, que ocupavam a atual Ucrânia e a Crimeia, e que tinham como uma de suas principais atividades atacar e pilhar todos os territórios no entorno do Mar Negro, escravizando russos, húngaros, poloneses, búlgaros e sérvios, todos cristãos, levando-os para serem vendidos nos mercados de escravos no Cáucaso e no território do Império Otomano.
Apenas após duras guerras ao longo de séculos os russos conseguiram expulsar os tártaros, tomando o território ao sul e atingindo o Mar Negro, estabelecendo assim uma ligação histórica profunda e épica no imaginário russo em relação a Ucrânia e também a Crimeia que, ressalte-se, sempre foi da Rússia, tendo sido entregue aos ucranianos de forma aleatória pelo ditador soviético Nikita Khrushev, ele próprio ucraniano, nos anos 1950.
Enquanto os tártaros escravizavam e destruíam cristãos na Europa e Bálcãs, na Ásia Central os mercados de escravos eram abastecidos pela ação de senhores da guerra afegãos, que atacavam especialmente a Pérsia a oeste.
Tendo a cidade de Herat, no oeste do Afeganistão como base para suas investidas, os montanheses afegãos lançavam campanhas de pilhagem, capturando dezenas de milhares de prisioneiros e levando-os para sua base, de onde eram enviados para a Ásia Central, especialmente para o khanato de Bukhara, no atual Kazaquistão.
Decidido a acabar com o caos provocado pelo banditismo afegão, o Xá Mohammed Shah Qajar lançou uma ofensiva contra Herat em 1837, no episódio conhecido como “O cerco de Herat”. Apoiadas por conselheiros militares russos, as forças persas cercaram a cidade por mais de um ano, tentando toma-la com ataques de infantaria e artilharia.
A chegada de um oficial do exército colonial britânico a Herat, Eldred Pottinger, que viajava disfarçado de peregrino islâmico, mudou os rumos dos combates.

Pottinger conseguiu organizar os defensores da fortaleza, resistindo aos ataques persas, e alertou Londres sobre a presença de russos entre os persas, provocando uma frenética reação do governo britânico. Assim, Londres conseguiu a retirada dos conselheiros militares russos, o que enfraqueceu o cerco persa, levantado em 1838 e, no mesmo ano, deu início a desastrosa invasão do Afeganistão, que duraria até 1842, marcando o início do “Grande Jogo” entre russos e ingleses pelo domínio das fronteiras da Ásia Central.
Assim, enquanto os russos conseguiram vencer escravagistas islâmicos aliados aos otomanos, os persas fracassaram no mesmo objetivo diante de tribos apoiadas pelos ingleses, que passaram a ter uma presença muito ativa não apenas no Afeganistão mas também no Golfo Pérsico, iniciando uma longa influencia de Londres sobre a Ásia Ocidental, que só terminaria em 1971, com a retirada das últimas tropas britânicas da península arábica.