Por: Cel Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)
Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br
Por Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 16 de Agosto de 2009.
“Raymundo Moraes é o verdadeiro estilista da Amazônia, que trai nas hipérboles de expressão a grandeza de sua terra.” (João Ribeiro)
Navegando e me deixando navegar pelo rio-mar, penetrando suas entranhas, explorando igarapés, igapós, lagos, furos e paranás, numa intimidade ancestral, colhi impressões, focalizei paisagens, e interpretei os fenômenos da prodigiosa natureza que me acalentava no seu ritmo telúrico.
Mergulhado na hiléia, vivenciei uma experiência única, mista de encantamento, respeito e devoção. A selva guarda no seu seio imagens únicas de infinitos matizes. Os gigantes da floresta, sisudos, imponentes irradiam sua secular sabedoria. Sua diversidade tem impressionado ingênuos cronistas nos últimos 500 anos. Seus segredos vêm sendo desvendados pelos obstinados desbravadores e apaixonados naturalistas, extasiados diante de sua exuberância.
A imersão no útero da mãe terra estimula e amplia os sentidos mais sutis. Cada ente mineral, animal ou vegetal se transforma num catalisador desse processo mágico. Começamos a ter uma percepção maximizada e atemporal da realidade que nos envolve com o seu sagrado manto verde.
Dentre as inúmeras formas que impressionaram minha retina e estimularam minha imaginação, uma delas marcou meu inconsciente não apenas por sua beleza, mas sobretudo pela energia e pela crueldade que se esconde por detrás de cada tentáculo do apuizeiro (phicos fagifolia), que sufoca progressivamente a árvore hospedeira até matá-la.
A descrição do autor Raymundo Moraes é a mais completa e a mais real que já tive a oportunidade de ler.
– Raimundo Moraes
Nasceu em Belém do Pará, a 15 de setembro de 1872, filho de Miguel Quintiliano de Moraes e de Lucentina Martins Moraes. Muito jovem, foi atraído pelas viagens fluviais sugeridas pela intensa movimentação de embarcações que saíam e entravam no porto da capital paraense. Estava em começo o chamado ciclo da borracha, ou ciclo do ouro negro.
(…) Companheiro de viagens de seu pai, prático de navios no Rio Madeira, resolveu seguir a mesma carreira, e obteve, com apenas 18 anos de idade, a carteira que o habilitava a pilotar os gaiolas. De prático passou a imediato e a comandante, ofícios que exerceu cerca de 30 anos.
A vocação para a leitura, praticada em suas longas viagens fluviais, predispôs o gosto de escrever. O jornalismo seria a primeira fase. Participa da redação de: “A Província do Pará”, de Antonio Lemos, o admirável prefeito de Belém, jornal que na época distinguia-se entre os de melhor padrão na imprensa brasileira.
(…) Raymundo de Moraes jamais deixou de colaborar na imprensa de Manaus e de Belém. Será difícil separar o escritor do jornalista. Faleceu em Belém do Pará a três de fevereiro de 1941. Três meses antes recebera em seu leito de enfermo o presidente Getulio Vargas, que visitava, na ocasião, a Amazônia, e havia pronunciado no Teatro Amazonas, em Manaus, o famoso “discurso do rio Amazonas”. Raymundo Moraes publicou 18 livros (Leandro Tocantins).
– O Apuizeiro
(…) feroz, no corpo a corpo, o grande esmaga o pequeno, mas, à moda do que se sucede o organismo humano no assalto microbiano, o pequeno também ataca o grande.
O apuizeiro, dos mais singulares e curiosos representantes da hiléia encantada do Equador, é o símbolo desses ataques silenciosos. Não se limita a sugar a vítima – improvisado vampiro verde – cose-a nas dobras funéreas de um pano fantástico, a mortalha-a, e, daquele sandenito lúgubre, refloresce e se esgalha triunfantemente. Das batalhas surdas que se travam na planície, nenhuma de certo tão empolgante, ao mesmo tempo que tão calada como a dessa epífita chamada ‘phicos fagifolia’ com os mais vigorosos representantes da mata.
(…) o que faz estacar na selva, quer o sábio avisado e prudente, quer o observador irrequieto e desprevenido, é a forma, o modelo, o feitio desigual e contrastante das folhas nascidas dum mesmo tronco, como se a natureza irônica e satírica se divertisse a enxertar, num só corpo, famílias estranhas. Vêem-se, por exemplo, despontando dum caule, bandeiras desmedidas de palmácea e laminas minúsculas de moráceas, no hibridismo sensacional dos cruzamentos monstruosos. É o apuizeiro.
(…) o apuizeiro, de tamanho reduzido, a brotar da entrecasca, da coroa, do nódulo, da forquilha, de qualquer parte enfim da arvore onde a terra, levada pelos alísios e pelos pássaros, tenha formado um pequenino vaso de madeira viva – assemelha-se a qualquer raminho inocente, obra ornamental e decorativa da jardinaria japonesa. Camuflado de arbusto, aparentemente fraco, sem a menor importância, o perigoso inimigo não deixa adivinhar a rigesa tremenda de suas antenas, a ação envolvente e compressora de seus fios maravilhosos, plásticos, estranguladores.
(…) sente-se intimamente, como se um choque fluídico nos transmitisse a sensação, o contrair vigoroso do aperto sufocante, das garras penetrando, dos músculos retesados na volúpia sombria do gladiador que tolhe os movimentos do adversário. Volvem-se os dias e aquela placa se desdobra, cresce, parecendo uma renda barbara, de tecidos grossos, cortina longitudinalmente no fuste da arvore.
(…) com o andar do tempo, não se enxergam mais os anéis que marcavam, no caule primitivo e agora sumido, as palmas e os galhos caídos. A couraça vegetal, como armadura fantástica, revestiu a roda toda com a blinda nova, de centenas de nervos e artérias que se juntam e se cruzam nas articulações dum tecido original. No alto, no meio da fronde derramada em abóboda, quando sacrificado foi o urucurizeiro,ramalham ainda algumas palmas enormes fugidios sinais do individuo emparedado. Emplastrada, exprimida pelo apuizeiro formidável, a pobre arvore cai, pouco a pouco, morrendo estrangulada naquele sinistro abraço.
(…) trama compressora de braços e pernas, assemelha-se ao cefalópodo dos pélagos profundos. Tudo que se distende e tem curvas, das serpentes da Laocoonte às chamas do inferno, desenha-se na estamenha coreassea daquela nova roupagem botânica, como se as formas celindroides e ofídicas da casca fossem o sinal e o aviso dum estigma.
(…) como no caso bíblico, de David de Golias, aqui o mais forte não é o maior, mas o mais ágil, do que tem na funda delicosa a pedra pronta e certeira. E o pequeno apuizeiro, quando joga, pela funda dos ventos, o bago da sua semente ao peito abroquelado dos colossos da mata, não revive somente as santas escrituras, sintetiza também a verdade cientifica do ‘de natura rerum’, vagamente surpreendida, antes dos naturalistas do século xx, pelo olho poético de Lucrecio.
Fonte: Moraes Raymundo – Na Planície Amazônica – Brasil, SP, editora da Universidade de São Paulo 1987.
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)
Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB)
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS)
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
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E-mail: hiramrs@terra.com.br
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sou do curso de licenciatura em letras,e preciso conhecer a árvore do apuizeiro para um suposto trabalho,por favor, se possível for enviem para mim.obrigada.