As Lições da Batalha de Mogadíscio

Por Leigh Neville em 3 de outubro de 2018.
Tradução Filipe do A. Monteiro.
Hoje [3/10/2018] marca o 25º aniversário da Batalha de Mogadíscio, e hoje no blog falamos com Leigh Neville sobre seu livro Day of the Rangers e como a famosa batalha moldou e influenciou as forças armadas dos EUA durante a Guerra Global ao Terror.
“A batalha teve um profundo efeito nas forças armadas e, em particular, nas unidades de operações especiais. De coisas relativamente diretas como garantir que cada soldado tenha armaduras corporais eficazes com placas dianteiras e traseiras até algumas idéias genuinamente revolucionárias que mantiveram vivos soldados feridos no Afeganistão e no Iraque, você poderia quase preencher um livro apenas com as lições aprendidas em 3 e 4 de outubro de 1993,” Neville diz.
“A Força Delta sempre esteve na vanguarda da pesquisa e desenvolvimento de armas de pequeno porte e equipamentos que influenciaram outras forças de operações especiais e, eventualmente, o exército “verde” maior. Por exemplo, eles foram os primeiros a usar as modernas óticas de combate aproximado, como a família Aimpoint de miras de ponto vermelho que aceleram significativamente a aquisição de alvos em detrimento das tradicionais miras de ferro. Eles também foram os primeiros a adotar as primeiras miras a laser de infravermelho, visíveis apenas através de óculos de visão noturna.”
“Ambos os equipamentos foram amplamente adotados pelo Regimento Ranger na esteira da batalha de Mogadíscio e no início da Guerra ao Terror, eles eram de uso padrão nas forças armadas dos EUA. A Delta também havia colocado muita ênfase no tiro à curta distância e arrombamentos em um ambiente urbano – ambas habilidades que logo foram incorporadas ao treinamento Ranger após Mogadíscio.”
“O Regimento [Ranger] revisou especificamente seus programas de tiro de combate – eles desenvolveram um programa de tiro em quatro partes, que enfatizava o disparo sob stress, combate em ambiente confinado e a precisão nos cenários diurno e noturno. O arrombamento também se tornou uma habilidade muito mais difundida – os Rangers foram munidos de munição especial para suas escopetas de arrombamento e a carga de proximidade Ranger foi desenvolvida – um explosivo pequeno o suficiente para caber em um bolso de carga, mas poderoso o suficiente para derrotar a maioria das portas.”
“Os médicos Ranger, SEAL e Delta, que eram veteranos da batalha, foram fundamentais na revisão dos cuidados com as baixas no campo de batalha. Um exemplo, diretamente da experiência de Mogadíscio, foi o desenvolvimento do Gancho Pronto para o Combate (Combat Ready Clamp), que funciona como um torniquete juncional para interromper o sangramento da artéria femoral. O uso generalizado de torniquetes em geral também foi um subproduto chave da batalha – agora cada soldado carrega pelo menos um e os projetos mais modernos são baseados no Torniquete de Aplicação de Combate (Combat Application Tourniquet) que, como o nome sugere, foi desenvolvido pela Delta (Grupo de Aplicações de Combate / Combat Applications Group é um nome de cobertura para a unidade) ou o equivalente do Regimento Ranger, o Torniquete Chave-Roquete Ranger (Ranger Ratchet Tourniquet),” Neville explica.
“Com as forças dos EUA e da Coalizão trabalhando em ambientes de alta ameaça de IEDs (Improvised Explosive Device / Artefato Explosivo Improvisado) desde 2001, o torniquete (incluindo as versões mais recentes que podem ser aplicadas e fixadas com uma mão) literalmente salvou vidas. De fato, um estudo do Exército dos EUA afirma que cerca de 2.000 militares sobreviveram graças ao uso de torniquetes no Afeganistão e no Iraque. O simples fato é que o uso efetivo e oportuno do torniquete pode retardar ou impedir a perda de sangue, permitindo que a vítima seja evacuada para um hospital de campo – uma inovação incrível e grande parte dela foi conduzida por um dos médicos das Forças Especiais da Delta que fez um trabalho tremendo mantendo vivos os feridos no local da primeira queda – Super 61.”
“O treinamento médico agora também é empurrado para baixo para o Ranger individual, de modo que cada soldado tenha um nível básico de Atendimento Tático de Baixa de Combate (Tactical Combat Casualty Care); pode embalar uma ferida com um produto de coagulação, aplicar um torniquete … seus médicos Ranger – que participam de um programa chamado Curso de Operações Especiais de Medicina de Combate (Special Operations Combat Medic course) – são muito mais como paramédicos especializados que podem realizar cirurgias e podem até usar plasma liofilizado para infundir vítimas sofrendo hemorragia maciça do tipo freqüentemente causada por IEDs. Isso é incrível.”
“A adequação e a questão da armadura pessoal foram outra lição importante que surgiu em Mogadíscio. Em outubro de 1993, os Rangers tinham um número relativamente pequeno do então novo Ranger Body Armor (RBA/ Colete Blindado Ranger) disponível, que estava muito mais próximo do tipo de porta-placas que temos hoje e certamente melhorou o sistema PASGT. Sua maior falha, no entanto, em sua primeira iteração, foi que ele só tinha uma bolsa para uma placa frontal. A placa de trauma é o escudo de titânio ou cerâmica que cobre os órgãos vitais e interromperá um projétil perfurante de um AK47. Os Rangers perceberam que seu RBA precisava de uma placa traseira após Mogadíscio e o design foi alterado.”
“Até mesmo a Delta modificou seus equipamentos a esse respeito após a batalha. Até outubro de 1993, a unidade tipicamente usava capacetes de skate que eram leves, mas com zero proteção balística. Seu pensamento era tradicionalmente de que eles eram muito mais propensos a sofrer uma lesão enquanto subiam por uma janela ou realizavam fast-roping do que sendo baleados – isso era provavelmente uma extensão de sua principal missão de contraterrorismo. Apenas um operador do Esquadrão C (C-Squadron) usava o capacete K-pot ou PASGT em vez de um ProTec de plástico na Somália. Ele foi o destinatário de muita provocação durante as missões anteriores, mas depois de 3 e 4 de outubro, ele foi considerado um dos caras mais inteligentes da Unidade!”
“Claro, a Delta tragicamente perdeu Earl Fillmore, o médico da Equipe A (A-Team), durante o movimento à pé até o local da primeira queda por um tiro na cabeça que penetrou seu ProTec e o matou instantaneamente. Isso estimulou o teste e a compra de capacetes balísticos que eram mais leves do que o PASGT de uso padrão. Este teste e consulta com os fabricantes contribuíram diretamente para o tipo de capacetes balísticos leves modernos produzidos pela Ops Core ou Crye.”
“Juntamente com os avanços da medicina, o maior impacto que a batalha de Mogadíscio teve no pensamento militar foi no campo do que hoje chamamos ISR ou inteligência, vigilância e reconhecimento (intelligence, surveillance and reconnaissance). Mogadíscio foi a primeira vez na história que os comandantes puderam assistir a eventos que se desenrolam “ao vivo” em uma tela de TV no TOC [tactical operations center / centro de operações táticas]. Havia uma série de helicópteros equipados com câmeras durante a batalha, havia um P-3 Orion especializado da Marinha que foi configurado como uma plataforma de vigilância, havia até um planador da CIA que poderia gravar vídeos de alta qualidade – todos esses meios estavam disponíveis para o General Garrison, o comandante da Força-Tarefa Ranger, e seu estado-maior.”
Neville argumenta que esta foi uma grande inovação no comando e controle; “Esta foi uma primeira vez incrível – ela contribuiu muito para a consciência situacional do comandante da força terrestre que hoje quase tomamos como garantido, com todos os tipos de UAV (Unmanned Aerial Vehicle / Veículo Aéreo Não Tripulado – VANT) e aeronaves ISR especializadas disponíveis, mas em 1993, este foi um material inovador. Também ilustrou que ter esse tipo de “olho no céu sem piscar” exigia novos processos, como demonstraram os atrasos na condução do comboio do Coronel McKnight. Você precisava ser capaz de transmitir as informações instantaneamente para aqueles que mais precisavam.”
“A batalha teve o efeito mais profundo sobre a ISR e como os líderes do campo de batalha a acessam – eu diria que acelerou o desenvolvimento de visualizadores em tamanho de tablets que agora permitem o monitoramento em tempo real do que o ativo ISR aerotransportado ‘vê’. A maioria dos pelotões de infantaria regulares agora tem essa capacidade e a maioria tem até seu próprio UAV! Suspeito que a capacidade teria chegado eventualmente, mas Mogadíscio realmente expôs as possibilidades da ISR e provavelmente acelerou seu desenvolvimento ”.
“Em suma, a batalha de 3 e 4 de outubro teve uma tremenda influência sobre as forças armadas americanas e aliadas e até mesmo sobre as formas fundamentais pelas quais combatemos – de procedimentos médicos para armas para UAVs ou drones. O fato de que unidades como os Rangers e Delta reconheceram essas lições, que a próxima guerra seria a “enteada da Somália e da Chechênia” e que agiram com base nelas deveriam ser elogiadas – elas realmente salvaram muitas vidas nas décadas seguintes.”

1 Comentário

  1. Assisti Black Hawk Down br: Falcão Negro em Perigo umas 8 vezes.
    É possível ter uma ideia do inferno que foi aquilo, mesmo com a imensa superioridade tecnológica estadunidense sobre seus oponentes.

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