A Turquia deu um passo estratégico ao ativar oficialmente o projeto Steel Dome (Domo de Aço), uma arquitetura nacional de defesa aérea e antimísseis multicamadas desenvolvida pela ASELSAN. O anúncio ocorreu durante a cerimônia “Fundamentos para os Próximos 50 Anos”, realizada na Base Tecnológica de Gölbaşı, em Ancara, com a presença do presidente Recep Tayyip Erdoğan e das principais autoridades civis e militares do país.
O evento coincidiu com o 50º aniversário da ASELSAN e marcou a entrega de 47 sistemas e subsistemas avaliados em US$ 460 milhões, entre eles o interceptador de longo alcance SİPER, os mísseis de curto e médio alcance da família HİSAR, o sistema de armas antiaéreas móveis KORKUT, a plataforma eletro-óptica PUHU e radares da linha ALP. Esses ativos integram a primeira fase de implantação de um escudo nacional projetado para proteger todo o território turco — mais de 783 mil km² — contra ameaças aéreas e mísseis balísticos.
Durante a demonstração, a integração tecnológica foi evidenciada com o sistema eletro-óptico ASELFLIR-600, que transmitiu em tempo real a cerimônia a partir de um UAV AKINCI, da Baykar, ilustrando a conexão entre sensores, plataformas não tripuladas e unidades de tiro.
Arquitetura em múltiplas camadas
Concebido como um “sistema de sistemas”, o Steel Dome integra interceptadores, radares e guerra eletrônica em diferentes níveis de altitude.
-
Curto alcance: sistemas antidrone como o KORKUT 25 mm, bloqueadores İHTAR e KANGAL, o ŞAHİN 40×53 mm e a arma eletromagnética Ejderha AD.
-
Baixa altitude: a família KORKUT SPAAG, o sistema GÜRZ 35 mm, o BURÇ 30 mm, além do míssil portátil Sungur e o HİSAR-A, com alcance de até 15 km.
-
Média altitude: o HİSAR-O (25–40 km) e o Gökdemir.
-
Alta altitude: sucessivas versões do SİPER, desenvolvido em parceria com a Roketsan, com alcance que vai de 100 km (Bloco I) até 180 km (Bloco III), colocando a Turquia no mesmo patamar de operadores de sistemas como o Patriot e o SAMP/T.
O escudo é complementado por uma ampla rede de radares AESA, como os AURA 100-G e 200-G, os KALKAN 200-G e 400-G e os estratégicos ALP 300-G e 310-G, além do radar de controle de tiro AKREP 1000-G. Sistemas de guerra eletrônica, como o KORAL e o PUHU, reforçam a capacidade de neutralizar sensores e comunicações inimigas.
Autonomia estratégica e indústria de defesa
O Steel Dome reflete a busca da Turquia por soberania tecnológica após impasses na OTAN, como a negativa dos EUA em vender baterias Patriot e a polêmica aquisição do sistema russo S-400. Desde o lançamento oficial em 2024, o programa avançou rapidamente da fase de testes para a entrega operacional inicial, reduzindo a dependência externa do setor de defesa turco de 80% no início dos anos 2000 para cerca de 20% atualmente.
A integração envolve as principais empresas do complexo militar-industrial turco: ASELSAN (sensores e radares), Roketsan (mísseis), TÜBİTAK-SAGE (guiagem), Havelsan (C2) e MKE (munições).
Expansão industrial
Na mesma cerimônia, Erdoğan inaugurou a nova Base Tecnológica de Oğulbey, um investimento de US$ 1,5 bilhão em uma área de 6,5 milhões de m², que se tornará a maior instalação da ASELSAN. Foram abertas ainda 14 novas unidades industriais, avaliadas em US$ 280 milhões, incluindo centros de integração de radares, projetos de munições guiadas e instalações de P&D em materiais avançados, ampliando em 40% a capacidade produtiva da empresa.
Projeção regional
Além do valor tecnológico, o Steel Dome carrega uma mensagem política e estratégica. Em meio às tensões no Oriente Médio — do conflito em Gaza à instabilidade no Líbano e rivalidades com o Irã —, Ancara sinaliza uma doutrina de dissuasão em múltiplas camadas. O objetivo é proteger metrópoles, polos energéticos e bases militares contra ameaças aéreas e mísseis de cruzeiro ou balísticos, além de oferecer uma plataforma potencial de cooperação regional em defesa.
Com o Steel Dome, a Turquia não apenas fortalece seus céus, mas também consolida sua independência militar-industrial, apresentando-se como um novo ator global no setor de defesa.