A modernização da artilharia do Exército Indiano sofreu um revés significativo após a suspensão da indução de 141 obuses Sharang, desenvolvidos a partir da atualização dos antigos canhões soviéticos M-46 de 130 mm para o calibre 155 mm/45. A decisão veio após a constatação de falhas críticas nos 159 exemplares já entregues, expondo deficiências graves na qualidade da produção nacional.
Defeitos em série
Os Sharang apresentaram uma ampla gama de problemas — mecânicos, elétricos, eletrônicos e metalúrgicos. Entre as falhas mais graves estão os muzzle brakes fornecidos por uma empresa privada e integrados pela estatal Advanced Weapons and Equipment India Limited (AWEIL). Componentes abaixo do padrão, com desempenho inseguro, comprometeram tanto a precisão quanto a segurança operacional das peças.
O episódio é particularmente preocupante porque os problemas já eram conhecidos há pelo menos dois anos. Mesmo assim, unidades defeituosas foram entregues ao Exército, levantando suspeitas de falhas de fiscalização e complacência institucional.
Resposta oficial e pressão sobre a AWEIL
O Ministério da Defesa determinou inspeções rigorosas nas fábricas envolvidas, com possibilidade de revisão de contratos, aplicação de penalidades e até exclusão de fornecedores da cadeia de produção. A AWEIL, criada após a reestruturação do antigo Ordnance Factory Board (OFB), tornou-se alvo de questionamentos quanto à sua capacidade de manter padrões de qualidade em programas críticos.
A estatal agora enfrenta a pressão de revisar sua rede de fornecedores privados, fortalecer protocolos de testes e recuperar a confiança do Exército. O fracasso do Sharang representa um teste decisivo para a credibilidade da nova estrutura industrial de defesa indiana.
Impacto estratégico
O Sharang foi concebido em 2018 como uma solução custo-efetiva, com orçamento de cerca de ₹200 crore (aproximadamente US$ 24 milhões), para prolongar a vida útil dos M-46. O projeto prometia aumentar o alcance de 27 km para até 36–39 km, ao mesmo tempo em que buscava padronizar o arsenal até 2030 no âmbito do Field Artillery Rationalisation Plan.
Com a suspensão, o cronograma de modernização fica comprometido. O Exército será obrigado a acelerar programas alternativos, como os obuses ATAGS (155 mm/52) e o howitzer Dhanush, além de expandir o uso dos K9 Vajra, adquiridos da Coreia do Sul e já em operação. No entanto, tanto o ATAGS quanto o Dhanush enfrentam seus próprios desafios técnicos e prazos estendidos, o que cria um hiato operacional em um setor crítico do poder terrestre indiano.
Problemas estruturais persistentes
O caso Sharang soma-se a uma série de fracassos e atrasos que há décadas prejudicam a modernização militar da Índia. Projetos de alta prioridade, como o motor nacional para caças, permanecem inconclusos após quase 40 anos de desenvolvimento. Além disso, denúncias de fornecimento de componentes falsificados em outros programas de artilharia reforçam a percepção de que o problema vai além de falhas técnicas isoladas: trata-se de um sistema industrial marcado por baixa fiscalização, burocracia e interesses corporativos enraizados.
Riscos geopolíticos
Para uma Índia que enfrenta disputas fronteiriças com a China no Himalaia e tensões permanentes com o Paquistão, a modernização da artilharia não é apenas uma questão de capacidade militar, mas também de dissuasão estratégica. A lacuna criada pela suspensão do Sharang fragiliza a prontidão operacional em um momento em que Nova Délhi busca projetar poder regional e consolidar sua posição como potência emergente.
Se a indústria nacional não for capaz de fornecer sistemas confiáveis, o país pode ser forçado a recorrer novamente a importações em larga escala — movimento que contraria a política de autossuficiência militar defendida pelo governo sob o lema Make in India.
Projeto Sharang
A modernização dos canhões rebocados M-46 foi conduzida peça Ordnance Factory Board (OFB) de propriedade estatal, com o objetivo de transformar 300 unidades de 15 regimentos de artilharia. A modernização consiste na troca do calibre 130mm/55 para calibre 155 mm/45, aumentando significativamente o poder de fogo do Exército Indiano. Cada M-46 atualizado pesa 8,4 toneladas, possui um alcance de 39 km e ogiva reforçada de 8 kg de TNT, contra os 3,4 kg da versão original. O canhão atualizado tem dimensões totais de 11,84 m de comprimento e 2,45 m de largura, com um cano de 6,9 m. O contrato inicial, concedido pelo Ministério da Defesa em outubro de 2018, foi de aproximadamente US$ 32 milhões, e a modernização é realizada na Fábrica de Veículos de Jabalpur e na Fábrica de Armas de Jabalpur, sob gestão da AWEIL e AVNL.
Conclusão
O fracasso do Sharang é mais do que uma crise pontual: é um alerta sobre a vulnerabilidade estrutural da indústria de defesa indiana. Corrigir os erros exigirá não apenas ajustes técnicos, mas também uma reforma institucional capaz de impor responsabilidade, elevar padrões de qualidade e romper com práticas de complacência. Sem isso, a ambição de autossuficiência da Índia permanecerá distante, e sua credibilidade como potência militar seguirá em xeque.