De volta às origens: a conversão do NHo Amorim do Valle e o resgate da guerra de minas na Marinha do Brasil

NHO AMORIM DO VALLE, Other type - Details and current position - MMSI 710407000 - VesselFinder

A decisão da Marinha do Brasil de converter o Navio Hidroceanográfico (NHo) Amorim do Valle em Navio Caça-Minas revela tanto a necessidade de adaptar meios antigos para suprir lacunas operacionais quanto a realidade orçamentária da Força Naval. Originalmente construído como navio-varredor da Classe River HMS Humber da Royal Navy, o navio retorna à sua vocação inicial, respondendo à incapacidade de substituir os antigos navios da classe Aratu, devido à falta de recursos para a aquisição de navios caça-minas modernos.

Navio Varredor M20 “Albardão” classe Aratu

Um navio com 40 anos de serviço

O Amorim do Valle já é um navio velho, com  40 anos (o HMS Humber foi comissionado em navio foi incorporado em 1985), o que levanta uma questão fundamental: essa conversão é realmente viável ou se tornará mais um exemplo de decisões questionáveis dentro das Forças Armadas? A adaptação de plataformas antigas é uma prática comum diante de restrições orçamentárias, mas limitações estruturais e a degradação natural de sistemas com o tempo podem comprometer a eficiência operacional, especialmente em um navio com casco de aço, mais vulnerável a minas magnéticas e de difícil manutenção prolongada.

HMS Humber (M2007)

Histórico operacional e evolução

O Amorim do Valle foi incorporado à Marinha do Brasil em 31 de janeiro de 1995, recebendo o nome em homenagem ao Almirante de Esquadra Edmundo Jordão Amorim do Valle. Inicialmente, atuou como Navio Balizador de 4ª classe, subordinado ao Serviço de Sinalização Náutica do Sul (SSN-5), com a missão de manter o balizamento em portos e vias navegáveis do litoral sul do país, incluindo Rio Grande, Itajaí, São Francisco do Sul e Paranaguá.

Entre 1997 e 2000, passou por modernizações significativas, adaptando-se para a função de navio-hidroceanográfico de 3ª classe, com equipamentos para levantamento hidrográfico, oceanográfico, geodésico e meteorológico. Entre 2011 e 2013, tornou-se plataforma para experimentos tecnológicos, incluindo testes com Sonar de Varredura Lateral Interferométrico C3D e testes de comunicação submarina via modem acústico.

Navio Hidroceanográfico Amorim do Valle (H35) | Flickr

Conversão para Navio Caça-Minas

Em setembro de 2025, o navio chegou a Salvador (BA) para iniciar sua conversão em Navio Caça-Minas, sendo docado na Base Naval de Aratu para alterações no esquema de pintura e adaptação operacional. A primeira fase da conversão, prevista para dezembro de 2025, envolve preparação estrutural e integração de sistemas de controle. Em 2026, está prevista a instalação de armamentos — um canhão e duas metralhadoras — e a capacidade de embarque de veículos não tripulados, incluindo sistemas aéreos, de superfície e submarinos.

Essa conversão foi motivada principalmente pela falta de recursos financeiros, que inviabilizaram a aquisição de novos navios caça-minas modernos. No entanto, a idade avançada do navio e seu casco de aço levantam dúvidas sobre a real eficácia da medida, questionando se esta é uma solução estratégica ou apenas mais um remendo temporário em um programa que carece de investimentos adequados.

Navio NHo Amorim do Valle usando sua grua para içar uma boia meteoceanográfica. A grua do navio se for mantida depois da conversão poderá ser usada para lançar e recolher embarcações autônomas de superfície/ Veículo Submarino Autônomo

Limitações estruturais e contexto estratégico

O casco de aço do navio impõe restrições operacionais: ao contrário de navios caça-minas modernos, construídos com materiais não magnéticos, o Amorim do Valle permanece vulnerável a minas sensíveis ao magnetismo, limitando sua atuação em cenários de alto risco. Essas limitações evidenciam que, embora a conversão aumente capacidades pontuais, o navio nunca terá a eficiência de plataformas modernas e projetadas especificamente para CMM.

Inovação tecnológica e alternativas

O Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM) lidera o desenvolvimento do Veículo Submarino Autônomo (VSA), financiado por recursos não reembolsáveis da FINEP. O VSA é projetado para atuar em operações de CMM, equipado com sensores modernos, sistemas inerciais de navegação e comunicação submarina, permitindo mapear o leito marítimo, detectar e classificar minas e monitorar ambientalmente áreas críticas.

Projeto “Fisher” de Veículo Submarino Autônomo (VSA), que será utilizado nas Operações de Contramedidas de Minagem (CMM) do Com2ºDN em parceria com o SENAI CIMATEC.

Embarcação autônoma de superfície SUPPRESSOR desenvolvido pela EMGEPRON, em parceria com a TIDEWISE.

Além do desenvolvimento nacional, há também a possibilidade de aquisição de VSAs prontos no mercado internacional, o que poderia acelerar a incorporação da tecnologia e reduzir riscos associados ao desenvolvimento interno, embora com custos financeiros mais elevados. O Amorim do Valle poderá operar com esses sistemas autônomos, aumentando sua capacidade tecnológica, ou, alternativamente, atuar de maneira convencional, tal como fazia quando integrava a Classe River da Marinha Real Britânica. Essa flexibilidade evidencia a necessidade de equilibrar inovação com viabilidade operacional, permitindo que o navio continue útil mesmo diante de limitações estruturais e orçamentárias.

REMUS (Remote Environmental Monitoring UnitS) da da Kongsberg Maritime

Veículo de Superfície Não Tripulado para Contramedidas de Minagem (VSNT-CMM) desenvolvido pela Marinha e a DGS Defense

Considerações finais

O retorno do Amorim do Valle à função de navio-varredor é simbólico e funcional, mas sua viabilidade prática ainda é questionável. Com quase 40 anos de operação, casco de aço e limitações estruturais, o navio representa uma solução emergencial mais do que definitiva, refletindo o desafio da Marinha em equilibrar tradição, adaptação e inovação diante de recursos limitados.

A conversão levanta questões estratégicas relevantes: seria esta uma medida inteligente de preservação de capacidades críticas, ou mais um exemplo de decisões de curto prazo que não resolvem o problema estrutural da força? O Amorim do Valle é, portanto, tanto um resgate da tradição quanto um alerta sobre os limites do improviso frente às demandas modernas de defesa das águas territoriais brasileiras, enquanto a possibilidade de incorporar tecnologia pronta do mercado internacional permanece em aberto.

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