O ataque sem precedentes de Israel contra Doha reacendeu o debate sobre um dos compromissos estratégicos mais duradouros do Oriente Médio: a promessa do Paquistão de defender as mesquitas sagradas de Meca e Medina. Esse pacto, firmado no início da relação entre Islamabad e Riad, não é apenas um acordo militar, mas um elemento central da identidade estratégica e religiosa compartilhada entre os dois países.
Um pacto forjado na fé e na segurança
A origem desse compromisso remonta ao Tratado de Amizade de 1951, quando Paquistão e Arábia Saudita formalizaram uma parceria que combinava interesses militares, econômicos e religiosos. Desde então, milhares de militares sauditas foram treinados por oficiais paquistaneses, enquanto tropas de Islamabad serviram em território saudita em momentos de crise.
Durante a Operação Tempestade no Deserto (1990-91), Islamabad enviou uma divisão inteira para proteger os locais sagrados, reforçando seu papel como guardião dos centros espirituais do islamismo. Essa mobilização projetou a imagem do Paquistão como um aliado indispensável e, mais que isso, como um escudo militar de legitimidade religiosa.

Meca é uma cidade da Arábia Saudita considerada a mais sagrada no mundo para os muçulmanos.
Cooperação ampliada no século XXI
A relação ganhou novos contornos em 2016, quando um ataque terrorista perto da Mesquita do Profeta em Medina levou o Paquistão a reafirmar seu “apoio inabalável” à segurança saudita. No mesmo ano, Islamabad ingressou na Aliança Militar Islâmica Antiterrorismo, liderada por Riad, ampliando a integração em operações conjuntas.
Em 2018, mais de 1.000 oficiais paquistaneses atuavam em funções de treinamento e consultoria na Arábia Saudita, consolidando décadas de cooperação que se refletem em exercícios militares regulares e em uma doutrina de defesa compartilhada.

Militares paquistaneses na segurança da cidade de Meca
O impacto do ataque a Doha
O ataque israelense contra a capital do Catar demonstrou que, mesmo com sofisticadas redes de defesa aérea, centros urbanos do Golfo permanecem vulneráveis a drones e mísseis de precisão. Para analistas, o episódio serve como alerta a Riad: se Doha pode ser atingida, Meca e Medina também estão ao alcance.
Nesse cenário, o papel do Paquistão volta ao centro das atenções. Sua experiência no combate a ameaças assimétricas, combinada à credibilidade de ser a única potência nuclear muçulmana, fornece à Arábia Saudita uma camada de dissuasão que vai além da tecnologia ocidental.
O guarda-chuva nuclear implícito
Embora nunca reconhecido oficialmente, circulam há décadas especulações sobre um entendimento estratégico entre os dois países que poderia, em última instância, vincular a dissuasão nuclear paquistanesa à proteção dos locais sagrados.
Mesmo sem confirmação, a percepção de que Islamabad poderia desempenhar esse papel amplia a credibilidade da promessa e fortalece sua relevância geopolítica. Para Riad, essa aliança oferece um contrapeso às incertezas que rondam as garantias de segurança dos EUA, especialmente em um Oriente Médio marcado por rápidas mudanças estratégicas.
Um símbolo de fé e poder militar
Mais do que um pacto de defesa, a promessa do Paquistão é um símbolo de solidariedade religiosa dentro da Ummah. Ela combina legitimidade espiritual, cooperação militar de longo prazo e dissuasão nuclear em um arranjo único na política internacional.
Com as tensões regionais em alta — desde as rivalidades com o Irã até o impacto direto do ataque israelense a Doha —, a aliança entre Paquistão e Arábia Saudita reafirma seu papel central: proteger os centros mais sagrados do islamismo e, ao mesmo tempo, garantir a estabilidade de uma das regiões mais voláteis do planeta.