Discretos, mas cada vez mais presentes, os mercenários colombianos se tornaram peças-chave em diversos conflitos armados ao redor do mundo. Recrutados por sua experiência militar, esses ex-soldados têm sido enviados em massa para zonas de guerra, como o Sudão e a Ucrânia, em um fenômeno que preocupa o governo colombiano, que tenta conter essa migração para combates estrangeiros.
“Jovens ex-soldados e ex-oficiais, não se vendam. Lutem por sua pátria, não morram em guerras estrangeiras”, declarou o presidente colombiano Gustavo Petro em 17 de agosto de 2025, em uma publicação na rede X. A postagem foi uma resposta ao primeiro-ministro sudanês, Kamil Idriss, que havia feito um apelo aos colombianos para que encerrassem sua participação como mercenários no Sudão, especialmente na região de Darfur.
Desde 2023, o Sudão enfrenta uma guerra civil entre o exército regular e os paramilitares das Forças de Suporte Rápido (FSR) e, nos últimos meses, a presença de combatentes estrangeiros tem chamado a atenção das autoridades. No início de agosto de 2025, mais de 80 mercenários colombianos participaram de um ataque das FSR contra a cidade de El-Fasher, em Darfur, segundo a Força Conjunta do Darfur, aliada do exército sudanês. Dias depois, o exército anunciou a destruição de um avião cargueiro dos Emirados Árabes Unidos que transportava 40 paramilitares colombianos e equipamentos militares.
Esses episódios são apenas os mais recentes de uma longa série envolvendo veteranos colombianos no conflito sudanês. A maioria chegou ao país por meio da empresa colombiana Academy for Security Instruction (A4SI), sediada em Dubai, que recruta ex-militares e os envia ao Sudão via Líbia, sob controle de Khalifa Haftar. Lá, formaram cerca de quatro companhias conhecidas como Desert Wolves (“Lobos do Deserto”), responsáveis por treinar e comandar as FSR.
Presença global em zonas de conflito
Mas a atuação de mercenários colombianos não se limita ao Sudão. Em 2015, centenas foram contratados pela empresa Global Enterprises para, oficialmente, proteger poços de petróleo nos Emirados Árabes. No entanto, muitos acabaram sendo enviados ao Iêmen, em meio à guerra civil, lutando ao lado da coalizão árabe sunita contra os rebeldes houthis. Pelo menos seis colombianos morreram em combates na cidade de Taiz, em dezembro daquele ano.
Outro cenário marcante é a guerra na Ucrânia. Desde o início da invasão russa, em 2022, a Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia passou a aceitar voluntários estrangeiros, incluindo dezenas — possivelmente centenas — de ex-militares colombianos. Um episódio que chamou atenção foi a prisão de dois colombianos, Alexander Ante e José Medina, em 2024, durante uma escala em Caracas, Venezuela, após retornarem da Ucrânia. O governo venezuelano, aliado de Moscou, os enviou à Rússia, onde foram presos sob a acusação de atuarem como mercenários.
Mercenário Colombiano na Ucrânia
Esses veteranos, geralmente jovens, são frequentemente colocados na linha de frente, enfrentando grandes riscos. Um deles, conhecido como El Árabe, relatou à RFI em junho: “Fui ferido em combate e perdi uma perna no Donbass. Foi uma situação de quase morte. Perdi companheiros, mas sou soldado e estou acostumado com isso.”
Segundo o Ministério das Relações Exteriores da Colômbia, até fevereiro de 2025, pelo menos 64 colombianos morreram e outros 122 estão desaparecidos no conflito ucraniano.
Fenômeno teve início na década de 1990
Esse fenômeno dos mercenários colombianos tem raízes no início dos anos 1990. “Já em 1992, durante a guerra dos Bálcãs, colombianos foram contratados por grupos privados para proteger complexos industriais militares”, explica César Niño González, professor de Relações Internacionais da Universidade La Salle, em Bogotá.
“Depois disso, eles participaram de conflitos no Iêmen, na Síria, no Iraque e no Afeganistão. Empresas como a Blackwater foram particularmente ativas no recrutamento de militares colombianos para operações no exterior”, completa o especialista.
Combatentes colombianos têm experiência, mas sofrem com precariedade
Para os Estados, o interesse em delegar certas operações a estrangeiros é “reduzir custos e estar menos expostos juridicamente”, explica César Niño González. Mas o que torna os colombianos especialmente atrativos nos teatros de operações é a experiência desses veteranos, já que a Colômbia viveu um conflito contra as FARC, seus dissidentes e os narcotraficantes durante décadas.
“Os ex-soldados colombianos são muito procurados por sua formação em conflitos e pela capacidade de atuar em terrenos variados — selva, deserto, montanha, rios — o que os torna combatentes altamente versáteis”, acrescenta o pesquisador colombiano. Soma-se a isso o baixo custo da mão de obra colombiana, já que as pensões militares no país são bastante reduzidas.
Do lado colombiano, são sobretudo razões econômicas que levam esses militares aposentados a se expatriar. “Eles podem ganhar valores bastante elevados. Por exemplo, têm acesso a seguros de vida e cobertura para suas famílias, e podem receber até US$ 200 por hora, dependendo do nível de risco do conflito”, descreve o professor. “Além disso, as condições de trabalho dos ex-soldados colombianos não são das melhores. Um soldado ou oficial aposentado recebe uma pensão que não é suficiente para evitar que ele busque trabalho em empresas internacionais de segurança.”
Mercenários também a serviço do crime organizado
A atuação de ex-militares colombianos não se restringe a zonas de guerra convencionais. No México, poderosos cartéis de drogas passaram a recrutar esses veteranos para reforçar suas estruturas armadas. Eles são contratados para treinar sicarios (assassinos de aluguel), desenvolver táticas de comando e garantir a segurança dos chefes de cartel. Essa tendência foi identificada pelas autoridades mexicanas desde os anos 2010, com alguns ex-soldados envolvidos em confrontos com forças de segurança, sequestros e assassinatos.
Um dos episódios mais emblemáticos envolvendo mercenários colombianos em ações criminosas no exterior foi o assassinato do presidente do Haiti, Jovenel Moïse, em 7 de julho de 2021, em sua residência em Porto Príncipe. A investigação revelou rapidamente a participação direta de um grupo de ex-militares colombianos, recrutados por empresas privadas de segurança.

Colombiano Luis Edwin Dávila Lis acusado de integrar uma milícia que atua na Zona Oeste do Rio. Luis era ex integrante do exercito colombiano.
Embora contratados sob o pretexto de realizar missões de proteção, esses homens acabaram envolvidos diretamente na operação que culminou na morte do presidente. O caso evidenciou a facilidade com que redes internacionais conseguem mobilizar e deslocar veteranos colombianos para ações clandestinas.
Falta de perspectivas na Colômbia
Diante da crescente participação de ex-militares colombianos em conflitos e operações ilegais no exterior, o governo de Gustavo Petro tem condenado publicamente essas ações sempre que possível. Para o professor César Niño González, “o governo já demonstrou que o uso de mercenários representa uma violação do direito internacional, tanto público quanto humanitário”. No entanto, ele ressalta que essa posição oficial ainda é em grande parte simbólica, e que a Colômbia “carece de uma estratégia clara de segurança e defesa”, mesmo com o contínuo êxodo de veteranos.
Para enfrentar o problema de forma eficaz, Niño González propõe algumas medidas: “O primeiro passo é reconhecer o problema” e “definir claramente o que se entende por mercenário em nível nacional”. Ele também defende a melhoria das condições de vida e aposentadoria dos militares, como forma de reduzir o apelo financeiro dessas missões. “O excesso de leis não basta. É preciso uma política social sólida e reconhecimento profissional para oferecer a esses veteranos alternativas reais para evitar que terminem nos campos de batalha estrangeiros”, conclui o professor.