Durante a IDEF 2025, em Istambul, um passo importante foi dado para a indústria de defesa sul-africana. A ASELSAN, gigante turca da eletrônica militar, e o Pamodzi Group assinaram um contrato que marca o início da produção local dos rádios bidirecionais Astela 3710 na África do Sul. O acordo, oficializado em 22 de julho, é o primeiro do tipo fechado pela ASELSAN no continente africano e representa um avanço significativo não só para os setores de defesa e segurança, mas também para os esforços do país em industrialização, capacitação tecnológica e geração de empregos qualificados.
A parceria, firmada por Ahmet Akyol, CEO da ASELSAN, e Frederick Leketi, diretor de investimentos do Pamodzi Group, contou com o respaldo de autoridades como o embaixador sul-africano em Ancara, Dipuo Letsatsi-Duba, e o vice-ministro da Defesa, Bantu Holomisa. Mais do que simbolismo, a presença dessas lideranças reforça o caráter estratégico do acordo, que vai além dos interesses comerciais. Trata-se de uma aliança pensada para promover transferência de tecnologia real, com impacto duradouro na estrutura produtiva da África do Sul.
A história dessa parceria remonta a 2016, quando o Departamento de Comércio, Indústria e Concorrência (DTIC) identificou um problema: a forte dependência do país por rádios bidirecionais importados, usados por forças armadas, polícia, serviços médicos e empresas estatais. Diante da incapacidade da indústria local de atender à demanda, foram emitidas isenções temporárias para compras internacionais. Foi aí que surgiu a ideia de unir forças com uma fabricante já consolidada — e a ASELSAN se apresentou como parceira ideal. Para Mike Kgobe, chefe da divisão de Defesa do Pamodzi, fazia mais sentido adaptar uma solução já existente, com transferência de tecnologia, do que reinventar algo do zero.
Segundo os termos do contrato, a ASELSAN fornecerá kits semi-desmontáveis da Turquia, que serão montados e testados localmente pela joint venture Pamodzi BMG Electronic Communications. Essa empresa é composta pela Pamodzi Aviation and Defence Systems (60%) e pela BM Global Defence Systems (40%), uma holding de investimentos que participa desde 2016 de um programa de incubação supervisionado pela Armscor. Além da montagem, a parceria também envolve treinamento técnico, apoio regulatório junto à ICASA e ensaios de espectro realizados com o CSIR, aproveitando a infraestrutura científica sul-africana.
O rádio Astela Apco 3710, foco desse acordo, foi projetado para operar em ambientes desafiadores. Compatível com rádios analógicos antigos, ele permite uma transição tranquila para redes digitais, além de contar com GPS integrado (com suporte a GLONASS e GALILEO), comunicação via Bluetooth e resistência a poeira, umidade e temperaturas extremas — tudo conforme os rigorosos padrões MIL-STD 810G e IP67. O equipamento pode funcionar em modo simplex, com repetidores, e também em sistemas convencionais e troncalizados, oferecendo flexibilidade para diferentes operações de segurança. Também permite criptografia local, garantindo a soberania e a segurança das comunicações. Segundo a ASELSAN, o Apco 3710 é apenas o início, e outros projetos de tecnologia podem ser implantados na África do Sul com base nesse modelo de cooperação.
A ASELSAN, que abriu sua filial no país em 2011 após adquirir uma empresa de engenharia local, já havia desenvolvido produtos de alto nível, como sensores multiespectrais, termovisores e sistemas de mira embarcada para a aviação militar. Agora, com esse novo projeto, a empresa dá um passo além: transformar a África do Sul em um hub estratégico para expandir sua atuação no continente africano. E há motivos sólidos para isso — o país oferece infraestrutura moderna, uma economia industrializada e localização geográfica privilegiada.
O Grupo Pamodzi, por sua vez, traz quase 50 anos de experiência no mercado sul-africano, com investimentos que vão desde a construção civil até moda e alimentação, além de já ter atuado no setor de defesa, como acionista da LMT. Agora, com sua divisão de Sistemas de Aviação e Defesa, o grupo aposta em um segmento em crescimento e vê oportunidades não só no setor público — como SANDF, Eskom, Transnet e o Departamento de Serviços Correcionais —, mas também no setor privado, especialmente nas grandes empresas de segurança.
Kgobe destaca que o objetivo não é produzir o rádio mais barato, mas sim o mais capaz: robusto, seguro e compatível com uma variedade de sistemas — inclusive câmeras corporais. E isso tem valor estratégico. A produção local não apenas reduz custos de importação, como permite suporte técnico rápido e contribui para a criação de uma base industrial autônoma. Ele acredita que, uma vez que o setor público adote os rádios Astela 3710, o setor privado seguirá naturalmente, principalmente pela ausência de concorrência local.
A IDEF 2025 também contou com uma forte presença sul-africana. Mais de uma dúzia de empresas, apoiadas pelo DTIC, participaram com um pavilhão nacional, entre elas SVI, Reutech, Fimm Tech, Imperial Armour e outras. A intenção é clara: posicionar a África do Sul como um polo regional de inovação e fabricação em defesa e segurança. A presença dos organizadores da Africa Aerospace and Defence (AAD) também reforça esse movimento, já mirando o evento de 2026.
Essa nova fase da cooperação entre ASELSAN e Pamodzi não é apenas sobre rádios. É sobre construir algo maior — uma indústria de defesa africana mais forte, mais independente e capaz de competir internacionalmente. A iniciativa é mais do que uma transferência de tecnologia: é um marco de transformação industrial e soberania estratégica.