Drone de fabricação chinesa é encontrado na Ucrânia pela primeira vez

Pela primeira vez desde o início da invasão da Ucrânia, foi encontrado no território ucraniano um drone completamente fabricado na China, usado por forças russas. Essa descoberta marca um ponto de virada no envolvimento indireto de Pequim na guerra. O modelo, que tem formato de asa-delta e lembra visualmente os drones iranianos Shahed-136, foi desmontado por especialistas ucranianos. Eles constataram que praticamente todos os seus componentes – motor, sistema de navegação, baterias, eletrônica – são de origem chinesa, fabricados pela CUAV Technology, uma empresa com sede em Pequim.

O drone, batizado de Garpiya-A1, tem capacidade para carregar até 15 quilos de explosivos e pode ser usado como drone kamikaze ou como isca para sobrecarregar as defesas antiaéreas da Ucrânia. Segundo investigações, esse modelo começou a ser produzido em série na China em meados de 2023. Até setembro daquele ano, já haviam sido construídas 2.500 unidades, e a meta é atingir 6.000 até o fim de 2025. Ele é só um dos vários modelos com peças chinesas usados por Moscou, mas o Garpiya é o primeiro que parece ter sido 100% montado fora da Rússia.

O caso reacende as denúncias de que empresas chinesas estão ajudando a Rússia a driblar sanções e manter sua capacidade industrial de guerra. A inteligência ucraniana estima que mais de 90% dos componentes estrangeiros usados nos drones russos vêm da China. São motores, chips, sensores e controladores que deveriam ter uso civil, mas estão sendo sistematicamente incorporados à indústria bélica russa. Muitas dessas peças entram na Rússia rotuladas como “equipamentos de uso não militar”, burlando sanções internacionais. A rede inclui intermediários em países como Turquia, Emirados Árabes, Hong Kong e Malásia.

Investigações jornalísticas revelaram ainda que uma subsidiária da estatal russa Almaz-Antey, chamada IEMZ Kupol, assinou contratos com pelo menos 34 empresas chinesas. Essa cooperação permitiu montar uma fábrica inteira na China dedicada à produção desses drones, com apoio técnico e insumos locais. Estima-se que os contratos somem cerca de US$ 96 milhões.

Enquanto isso, a ofensiva russa com drones não para de crescer. Desde 2022, Moscou lançou mais de 28 mil drones contra alvos ucranianos, incluindo centenas em ataques massivos durante uma única noite. Modelos como o Lancet e o VT-40, também com forte presença de tecnologia chinesa, são usados para sobrecarregar os sistemas ucranianos de defesa, destruir alvos móveis e até driblar bloqueadores de sinal.

A China, por sua vez, continua negando qualquer envolvimento militar direto com a Rússia. O Ministério das Relações Exteriores do país afirma que “não envia armas para nenhum dos lados do conflito” e que monitora rigorosamente a exportação de materiais de uso duplo. Mas a realidade em campo mostra outra coisa. Os destroços encontrados em território ucraniano, junto com os registros de compra e a análise técnica, apontam para uma atuação sistemática de empresas chinesas — ainda que sem chancela oficial do governo Xi Jinping.

Esta imagem de 19 de setembro de 2024 mostra Vladimir Putin e em uma exposição de drones UAV Orlan-10 no Centro de Tecnologia Especial em São Petersburgo.

A descoberta do drone também provocou reações políticas. O governo ucraniano convocou o embaixador chinês para prestar esclarecimentos, e o presidente Volodymyr Zelensky declarou que cidadãos chineses podem estar atuando diretamente em fábricas russas. Estados Unidos e União Europeia, por sua vez, avaliam sanções contra empresas chinesas envolvidas nessas transações.

Diante desse cenário, a Ucrânia tem intensificado seus esforços para produzir drones 100% nacionais. Um exemplo é o “Vyriy”, um drone FPV de fabricação ucraniana que custa cerca de 600 euros, tem alcance de até 30 km e já conta com mais de mil unidades entregues. Empresas locais também estão desenvolvendo motores e sensores térmicos próprios, com o objetivo de reduzir a dependência de componentes estrangeiros e fortalecer a base industrial de defesa do país.

A presença desse drone chinês no campo de batalha ucraniano é muito mais do que uma peça de hardware: é uma evidência concreta de como Pequim, mesmo alegando neutralidade, vem sustentando indiretamente o esforço de guerra de Moscou. Para Kiev, trata-se de um alerta — e de um impulso para acelerar sua corrida por autossuficiência tecnológica no front.

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