A decisão da Turquia de avançar com a aquisição de até 40 caças Eurofighter Typhoon representa mais do que uma renovação de sua força aérea: trata-se de uma jogada estratégica de amplas implicações geopolíticas, com potencial para transformar o equilíbrio de poder no Oriente Médio e no Mediterrâneo Oriental. O acordo, estimado em aproximadamente US$ 5,6 bilhões, começou a ser delineado no fim de 2023, culminando na assinatura de um memorando de entendimento em julho de 2025 entre Ancara e os governos do Reino Unido, Alemanha e Itália — integrantes do consórcio europeu responsável pela produção do Eurofighter.
Inicialmente vetada por Berlim devido a preocupações com o histórico turco de direitos humanos e envolvimento em conflitos regionais — como Síria, Líbia e Nagorno-Karabakh —, a negociação foi destravada após intensa pressão diplomática por parte de aliados da OTAN e concessões turcas em temas sensíveis para a Aliança. O apoio entusiástico do Reino Unido e da Itália foi crucial para remover os últimos entraves, sobretudo diante de uma Alemanha hesitante, cuja política externa se divide entre interesses estratégicos, pressões parlamentares e sensibilidades históricas.
A aquisição prevê a entrega inicial de 20 aeronaves Tranche 1 reformadas provenientes do Reino Unido, com entrada em serviço prevista para 2026. Na fase seguinte, serão adquiridos 20 caças da mais moderna variante Tranche 4 — considerada a mais avançada da linhagem Typhoon — equipada com radar Captor-E Mk1 AESA, sistemas de guerra eletrônica de última geração, aviônicos aprimorados, sensores de fusão e uma arquitetura modular que permite atualizações baseadas em inteligência artificial e integração com pods de guerra eletrônica e novos sistemas de comunicação.
A Tranche 4 também inclui um novo layout de cabine com Large Area Displays (LAD), links de dados de alta velocidade e maior capacidade de processamento, além de um pacote de armamentos de ponta: mísseis ar-ar Meteor (além do alcance visual), mísseis de curto alcance IRIS-T e ASRAAM, mísseis de cruzeiro Storm Shadow, armas de ataque SPEAR e bombas Paveway IV guiadas por laser/GPS. O design delta-canard com materiais compostos contribui para alta manobrabilidade, desempenho aerodinâmico e menor assinatura de radar, enquanto os dois motores turbofan Eurojet EJ200 garantem capacidade de supercruzeiro e relação empuxo-peso superior — ideais para missões de superioridade aérea e ataque de precisão.
A aquisição dos Eurofighter surge como resposta direta à lacuna criada após a exclusão da Turquia do programa F-35 pelos Estados Unidos, em 2019, devido à compra do sistema antiaéreo russo S-400. Essa exclusão paralisou o acesso de Ancara ao ecossistema de caças de quinta geração da OTAN. Em paralelo, há atrasos contínuos na entrega dos F-16 Block 70 dos EUA — outro fator que agravou a urgência de reforçar a frota aérea nacional, hoje composta majoritariamente por F-16 envelhecidos.
Nesse contexto, o Eurofighter assume papel central na transição estratégica da Turquia, servindo como solução provisória até a entrada em operação do caça furtivo nacional KAAN (anteriormente TF-X), desenvolvido pela Turkish Aerospace Industries (TAI). O KAAN realizou seu primeiro voo em fevereiro de 2025 e já completou dois testes, com novos protótipos em produção e previsão de entrega inicial apenas a partir de 2028. Assim, o Typhoon preencherá uma lacuna operacional crítica, além de fornecer base doutrinária para pilotos e esquadrões treinarem táticas de combate de alto desempenho.
Ao mesmo tempo, a rivalidade militar com a Grécia intensifica a corrida armamentista regional. Atenas recebeu recentemente 24 caças Dassault Rafale da França, equipados com radar RBE2 AESA, sistemas Spectra de guerra eletrônica e mísseis Meteor e MICA, reforçando sua capacidade de combate no Mar Egeu. A Turquia busca agora recuperar a vantagem aérea, complementando os Typhoons com uma crescente frota de drones avançados — como o Bayraktar TB2, Akıncı e o novo Kızılelma, este último projetado para missões supersônicas e operações em conjunto com caças tripulados.
Em Israel, o impacto do acordo foi imediato e gerou forte reação política. O líder da oposição, Yair Lapid, atacou duramente o governo Netanyahu por, segundo ele, falhar em conter diplomaticamente a venda. “Se Israel tivesse um Ministério das Relações Exteriores funcional ou um governo normal, esse acordo já teria sido bloqueado”, afirmou Lapid, que vê a negociação como um fracasso diplomático que ameaça o domínio aéreo de Israel — especialmente diante da já consolidada superioridade naval turca, com o porta-helicópteros Anadolu, submarinos modernos e fragatas equipadas.
Embora autoridades de defesa israelenses reconheçam que o Eurofighter Typhoon não é tecnicamente superior aos F-35I “Adir” modificados localmente, nem aos F-15I “Ra’am” atualizados com aviônicos israelenses, elas apontam que a soma de capacidades — especialmente com drones, mísseis de cruzeiro, guerra eletrônica e sistemas baseados em IA — poderá reduzir a vantagem estratégica acumulada por décadas. Como declarou um oficial ao Jerusalem Post, “esta não é uma ameaça que mude o jogo hoje, mas é um sinal preocupante de que a Turquia está acelerando sua capacidade de desafiar a vantagem militar israelense no médio e longo prazo”.

O Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Turcas, General Metin Gurak, visitou o Reino Unido, onde visitou a RAF Coningsby, uma base da Força Aérea Real que abriga jatos Eurofighter Typhoon.
O gabinete de segurança de Israel encomendou um relatório ao Comitê Nagel, que aponta a Turquia como uma das duas maiores ameaças emergentes — ao lado do Irã. O relatório propõe uma revisão doutrinária, com alocação de 70% dos recursos para ações ofensivas e de dissuasão ativa. Entre as medidas recomendadas estão a aquisição de F-15EX, expansão dos programas de drones Heron e Harop, aceleração do sistema Iron Beam de defesa a laser, reforço de satélites espiões e modernização da ciberdefesa. Netanyahu elogiou o relatório, afirmando que Israel deve se preparar para um possível confronto direto com a Turquia nos próximos anos.
Além do aspecto militar, há também um impacto diplomático preocupante. A disposição do Reino Unido em liderar o acordo e o apoio crescente da Alemanha — apesar de resistências internas — revelam uma possível erosão da influência diplomática de Israel na Europa, especialmente em meio às novas prioridades estratégicas moldadas pela guerra na Ucrânia e pela crescente competição no Indo-Pacífico. A hesitação alemã, embora ainda presente, pode ser superada rapidamente se não houver pressão coordenada do lado israelense, o que levou Lapid a alertar sobre o isolamento progressivo de Tel Aviv nos fóruns multilaterais.
No plano mais amplo, a Turquia busca consolidar-se como uma potência militar autônoma e influente. Ao investir pesadamente em capacidades aéreas, navais e não tripuladas, Ancara sinaliza sua intenção de operar com liberdade estratégica em teatros como o Norte da África, o Cáucaso, o Golfo Pérsico e o Mediterrâneo Oriental. A compra do Eurofighter é uma etapa crítica desse projeto nacional, que visa não apenas preencher lacunas operacionais, mas também consolidar a Turquia como um dos polos militares mais relevantes do século XXI.
Enquanto isso, Israel reage com preocupação crescente. A disputa pela superioridade aérea com a Turquia promete redefinir os contornos estratégicos da próxima década no Oriente Médio, com potencial para escaladas militares, realinhamentos diplomáticos e novos dilemas para a arquitetura de segurança regional.








a pressão israelense sobre os americanos surtiu efeito.
Egito sem Su-35 e Turquia sem F-35.