Canadá firma planos para adquirir radar além do horizonte desenvolvido pela Austrália

A Austrália e o Canadá estão unindo forças para desenvolver uma tecnologia capaz de enxergar muito além do horizonte — literalmente. Os dois países assinaram, no dia 18 de julho, um acordo de parceria tecnológica voltado à criação de uma nova rede de radares over-the-horizon (OTHR), uma ferramenta essencial para monitorar áreas remotas e de difícil acesso, como o Ártico canadense.

Esse movimento acontece num momento estratégico. Em março, o Canadá já havia sinalizado seu interesse em estabelecer uma rede de radares para proteger suas fronteiras ao norte, onde cerca de 40% do território nacional está acima do Círculo Polar Ártico. Trata-se de uma área imensa, gelada e com lacunas importantes na vigilância — uma preocupação crescente, especialmente com o aumento do interesse internacional pela região.

A Austrália entra nessa equação trazendo sua experiência com o JORN (Jindalee Operational Radar Network), um sistema OTHR avançado, capaz de detectar alvos aéreos e marítimos a até 3.000 quilômetros de distância. Ele funciona enviando sinais de rádio em alta frequência que são refletidos pela ionosfera, permitindo “ver” além da linha do horizonte. Esse sistema é operado por três conjuntos de antenas espalhados por pontos estratégicos da Austrália: Longreach (Queensland), Laverton (Austrália Ocidental) e Alice Springs (Território do Norte). A gestão do JORN está a cargo da BAE Systems Austrália desde 2018.

Mas operar um radar assim no Ártico é outra história. As condições ambientais são completamente diferentes das da Austrália: temperaturas extremas, variabilidade da ionosfera e desafios técnicos próprios de uma região tão inóspita. Por isso, o acordo assinado entre os dois países vai muito além da simples transferência de tecnologia — ele estabelece uma parceria para desenvolver, do zero, uma solução que funcione nas duras condições do extremo norte.

Segundo o governo australiano, esse trabalho em conjunto permitirá investigar os desafios técnicos de operar radares OTHR no Ártico, aprimorar ainda mais a tecnologia do JORN e planejar o desenvolvimento, fabricação e implantação de uma nova capacidade de radar para o Canadá.

O projeto reunirá o Grupo de Ciência e Tecnologia de Defesa da Austrália, a Pesquisa e Desenvolvimento de Defesa do Canadá (DRDC) e o Grupo de Serviços Digitais do Departamento de Defesa Nacional do Canadá. De um lado, a expertise australiana em radares HF; do outro, o conhecimento canadense das operações no Ártico. Uma parceria equilibrada e promissora.

Representantes da BAE Systems Austrália destacam que o segredo do JORN está na forma como ele se adapta às condições do ambiente, especialmente da ionosfera, que muda conforme o horário, clima e localização. O sistema pode ajustar sua atuação para cobrir áreas mais amplas ou mais restritas, dependendo da missão — uma flexibilidade que será fundamental para o futuro radar canadense.

Vale lembrar que o JORN está passando por uma profunda modernização desde 2018, dentro do chamado Projeto Air 2025 Fase 6. A atualização, que deve durar cerca de uma década, inclui novos transmissores e receptores com tecnologia digital e deve manter o sistema em operação até, pelo menos, 2042.

Do lado canadense, o projeto já tem nome e orçamento: Arctic Over-the-Horizon Radar (A-OTHR). Trata-se de um investimento de mais de 6 bilhões de dólares canadenses (aproximadamente US$ 4,3 bilhões) anunciado em março. Esse novo sistema será responsável por fornecer cobertura de radar de alerta antecipado para o Ártico e também vai alimentar a modernização do NORAD, o Comando de Defesa Aeroespacial da América do Norte, que o Canadá compartilha com os Estados Unidos.

Apesar do avanço, ainda não se trata de uma venda concreta. O acordo entre Austrália e Canadá é, por enquanto, uma parceria de pesquisa e desenvolvimento. Mas o governo australiano já vislumbra a possibilidade de exportar sua tecnologia. “Este acordo demonstra nosso compromisso mútuo com a segurança por meio do investimento em tecnologia de ponta e abre as portas para o que pode ser uma oportunidade de exportação potencialmente significativa para a indústria australiana”, declarou Canberra.

Caso o projeto avance e se transforme em um contrato de aquisição, será uma das exportações de defesa mais lucrativas da história da Austrália — e um reforço decisivo para a capacidade do Canadá de proteger sua região mais vulnerável.

Mais do que um negócio entre aliados, esse acordo representa uma visão de futuro: duas nações amigas, com realidades geográficas muito diferentes, unindo conhecimento e recursos para enfrentar, juntas, os desafios da nova era geopolítica.

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