A ambição da Índia de equipar seus novos caças navais Rafale M com o radar nacional Uttam AESA encontrou uma barreira que vai além da técnica. A França, por meio da Dassault Aviation e da Thales, deixou claro que não há espaço para o radar indiano no pacote assinado em abril de 2025 para o fornecimento de 26 aeronaves à Marinha Indiana. A recusa em permitir a substituição do radar RBE2 AESA – atualmente integrado aos Rafale franceses – pelo sistema indiano fabricado pela DRDO, expôs o delicado equilíbrio entre soberania tecnológica e dependência estratégica em acordos de defesa multinacionais.
Inicialmente, havia expectativa por parte do governo indiano de que, ao menos para parte da frota encomendada, fosse possível substituir o radar francês pelo Uttam AESA, que vem sendo desenvolvido há mais de uma década pelo Electronics and Radar Development Establishment (LRDE). O sistema indiano já equipa alguns protótipos do Tejas Mk1A e está planejado para a próxima geração do Tejas Mk2. Além disso, o Uttam representa um salto qualitativo em termos de engenharia nacional: ele utiliza 912 módulos T/R de nitreto de gálio (GaN), oferecendo maior alcance, maior resistência a interferência eletrônica e menor assinatura, aproximando-se dos padrões dos radares ocidentais mais avançados.
Contudo, a Dassault Aviation deixou claro que não apoiará qualquer tentativa de integração do radar indiano ao Rafale M. A empresa alega que isso exigiria mudanças significativas na arquitetura do caça, sobretudo em seus sistemas de missão e software. Sem acesso ao código-fonte da aeronave, os engenheiros indianos estariam limitados a alterações periféricas, impossibilitando uma integração completa, segura e testada. O argumento francês também se baseia em prazos: de acordo com técnicos da Dassault, a adoção do Uttam resultaria em um atraso de pelo menos três anos para o IOC (Initial Operational Capability) dos Rafale navais, além de custos extras consideráveis com certificação, reprogramação de sistemas e novos testes em voo.
A negativa francesa também está ancorada em fatores comerciais. Ao manter o RBE2 AESA como padrão exclusivo, a Thales protege seu espaço no mercado de radares de caças, impedindo que uma solução nacional concorrente ganhe visibilidade em um vetor de prestígio internacional como o Rafale. A decisão, portanto, vai além de uma disputa técnica: ela toca no coração do projeto “Atmanirbhar Bharat” (Índia Autossuficiente), promovido pelo governo indiano. A não inclusão do Uttam nesse programa de aquisição sinaliza que, mesmo com décadas de investimento e avanços tecnológicos, a Índia ainda esbarra em entraves geopolíticos e comerciais quando tenta aplicar sua tecnologia em plataformas estrangeiras de alto valor.
Nos bastidores, relatos da imprensa indiana apontam que o governo tentou, sem sucesso, convencer os franceses a permitir a integração parcial do radar Uttam em pelo menos alguns dos caças navais. O pedido foi recusado, e a Índia acabou optando por manter os termos originais do contrato, aceitando o RBE2 AESA como radar padrão. Essa decisão foi tomada para evitar atrasos no cronograma de entrega, já que a Marinha pretende contar com os Rafale M a tempo de operá-los a partir do novo porta-aviões INS Vikrant até o fim da década.
Essa situação, porém, gerou críticas internas. Especialistas apontam que a Índia perdeu uma oportunidade de consolidar sua independência tecnológica em defesa e ficou presa a uma relação assimétrica, em que o fornecedor estrangeiro define os limites de soberania da plataforma adquirida. O caso reforça um dilema que Nova Délhi conhece bem: entre o desejo de autonomia e as pressões da realidade operacional, a balança frequentemente pende para a segunda.
Embora o radar Uttam continue em desenvolvimento e com perspectivas de uso em outras plataformas indianas, sua exclusão do Rafale M representa um revés simbólico e estratégico. O episódio revela que, mesmo com capacidade técnica crescente, a Índia ainda precisa lidar com barreiras impostas por parceiros estratégicos que, ao fim, continuam zelando por seus próprios interesses industriais e comerciais. A modernização da força aérea naval indiana avança — mas o sonho de uma aviação de combate totalmente soberana ainda enfrenta turbulências.