Justificativas técnicas ou obediência estratégica? O recuo egípcio do Sukhoi Su-35 em perspectiva

Decisão de cancelar a compra dos caças russos revela mais sobre pressões geopolíticas e limitações do regime do que sobre o desempenho da aeronave

A decisão do Egito de não concluir a aquisição dos caças russos Su-35 surpreendeu poucos — não pela escolha em si, já que muitos analistas especulavam que o lote seria redirecionado a outro cliente norte-africano —, mas sim pelos motivos oficialmente apresentados. O Cairo alegou razões técnicas: radar ultrapassado, alto consumo de combustível, dependência de apoio externo (como aeronaves AWACS) e assinaturas radar e térmica elevadas. No entanto, esses argumentos não se sustentam diante das evidências técnicas disponíveis — e mal disfarçam os reais fatores por trás de uma decisão moldada por pressões externas e pelas limitações estruturais do regime egípcio. No fundo, a decisão revela o quanto a soberania militar do Egito permanece condicionada a dinâmicas externas.

Alegações técnicas em xeque

Em entrevista ao portal Khas Defense, um oficial egípcio de alta patente afirmou que avaliações internas apontaram deficiências significativas no Su-35, como o uso de um radar PESA considerado obsoleto, motores ruidosos e de alto consumo, baixa autonomia de combate e vulnerabilidade à guerra eletrônica.

Contudo, essas críticas não resistem a uma análise técnica mais detalhada:

  • O radar Irbis-E, embora utilize tecnologia PESA, é um dos mais potentes de sua categoria. Seu alcance e capacidade de rastreamento multialvo superam os radares dos F-16 e MiG-29M atualmente em uso no Egito. Além disso, a versão oferecida ao Cairo incluía sensores auxiliares com varredura ativa (AESA) instalados nas asas (Radar N036L-1-01 usado no Su-57).

  • Os motores Saturn AL-41F1S, com vetorização de empuxo e capacidade de supercruzeiro, oferecem desempenho superior ao do Rafale — especialmente em alcance, com autonomia próxima a 3.600 km (contra cerca de 1.850 km do caça francês). O consumo de combustível, longe de ser excessivo, é compatível com aeronaves pesadas de sua classe.

  • Quanto à furtividade, o Su-35 incorpora otimizações estruturais que reduzem assinaturas radar e térmica, colocando-o em patamar semelhante ao Rafale, segundo diversas análises independentes.

Finalmente, a alegação de que o Egito busca apenas aeronaves de “última geração” não se sustenta: a Força Aérea já opera uma mistura heterogênea de caças 4++ — F-16, MiG-29M, Rafale e, em breve, J-10C — o que refuta qualquer narrativa de padronização tecnológica.

Uma força aérea ainda limitada no combate de longo alcance

Apesar da grande quantidade e diversidade de aeronaves, a Força Aérea Egípcia enfrenta uma limitação estratégica crucial: a carência de capacidade real de combate além do alcance visual (BVR). Os F-16 do país não operam com mísseis AIM-120 AMRAAM, o que os torna efetivos apenas em combates de curto alcance — inadequados diante de forças com armamento moderno. Os Rafale egípcios não foram equipados com mísseis Meteor, projetados para garantir superioridade aérea em longas distâncias. Já os MiG-29M operam com mísseis R-77, mas em versões antigas e em número limitado.

Nesse contexto, o Su-35 representava uma mudança de paradigma. Capaz de operar com as variantes mais avançadas do R-77 também com o míssil R-37M, e com armas de ataque profundo como os Kh-59MK e Kh-69, o caça russo poderia ter dotado o Egito de uma capacidade real de dissuasão estratégica — especialmente diante da tensão com a Etiópia e no cenário do Mediterrâneo Oriental.

O fator real: pressão dos EUA e preocupações de Israel

A justificativa oficial do Cairo omite o principal motivo para o recuo: pressão direta de Washington. Desde o anúncio do acordo com Moscou, os EUA ameaçaram o Egito com sanções sob a Lei CAATSA (que penaliza países que adquirem armamento russo, iraniano ou norte-coreano).

A mensagem era clara: a compra do Su-35 poderia levar à suspensão da ajuda militar anual de US$ 1,3 bilhão dos EUA ao Egito. Israel, embora mais reservado, também expressou preocupação com o possível acesso egípcio a um caça de superioridade aérea de última geração.

No fim, o Cairo cedeu. Sob a retórica de independência e modernização, prevaleceu o receio de perder o respaldo financeiro e diplomático norte-americano.

A Rússia como fornecedora “não confiável”? Um argumento ambíguo

Outra linha de justificativa adotada pelo Egito aponta para a suposta “falta de confiabilidade” da Rússia como parceira militar. No entanto, a história recente mostra que Moscou também tem razões para desconfiar do Cairo: o Egito rompeu abruptamente com a URSS nos anos 1970, e recentemente recuou em projetos conjuntos como a montagem local dos blindados BMP-3 e dos tanques T-90MS.

Ao mesmo tempo, o Egito continua avançando com acordos militares com a China, como a aquisição e potencial montagem local de caças J-10C — sem padronização OTAN, com transparência limitada e desafios técnicos pouco discutidos. Por que, então, critérios tão distintos para Moscou?

Diversidade ou caos estratégico?

Com aeronaves oriundas dos EUA, França, Rússia e China, a força aérea egípcia aparenta sofisticação. Mas essa multiplicidade compromete a padronização logística, eleva os custos de manutenção e dificulta a interoperabilidade. Três fatores podem explicar essa incoerência:

  1. Incompetência gerencial — onde o prestígio de adquirir “novidades” supera a lógica operacional;

  2. Corrupção sistêmica — com margens que favorecem esquemas de propina e favorecimento;

  3. Influência externa — com decisões estratégicas orientadas por interesses políticos estrangeiros, nem sempre compatíveis com as necessidades nacionais.

Independência proclamada, dependência preservada

Ao abandonar o Su-35 sob pretextos técnicos frágeis, o Egito escancara uma verdade desconfortável: sua autonomia militar ainda é limitada por pressões externas. O Su-35 não era perfeito — nenhum caça é —, mas oferecia ao Egito uma oportunidade rara de romper, ainda que parcialmente, com sua dependência estrutural dos EUA. A recusa do Cairo, longe de ser uma escolha técnica, foi um gesto político. Um gesto de submissão.

Um comentário em “Justificativas técnicas ou obediência estratégica? O recuo egípcio do Sukhoi Su-35 em perspectiva

  1. Egito não é muito confiável. Basta ser ameaçado der perder ajuda anual fornecido pelos EUA que ele cedem sem pensar duas vezes. Pode ter recebidos grana extra pra não optar pelo armamento russo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *