Marabitanas (Rio Negro)

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Por: Hiram Reis e Silva


Marabitanas (Rio Negro)

Por Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 13 de setembro de 2009

“O Historiador é uma peça fundamental em todo o tipo de cultura. Ele retira e preserva os tesouros do passado, interpreta a História, aprofunda o conhecimento do presente. Um povo sem História, e sem o Historiador, é um povo sem memória”.
(Professor Adinalzir Pereira)

A preparação intelectual para a descida do rio Negro permanece. Buscamos relatos de pesquisadores que reportaram suas impressões para que possamos, durante a execução do projeto, comparar suas descrições de outrora com as nossas impressões atuais.

– Alexandre Rodrigues Ferreira

“Pelas 11h da manhã deste dia (14 de novembro de 1783) cheguei à Fortaleza de São José de Marabitanas, situada na margem austral: foi fundada no princípio da povoação, sobre uma barreira de argila bem avermelhada, entremeada de pedras que a fazem mais firme: tinha de largura quatro braças escassas.

Dilata-se superiormente em sua planície, porém as terras em redor da povoação são contornadas de vargens, e cortadas de pequenos igarapés, que durante o inverno deixam a povoação e a Fortaleza isolada entre o rio que corre pela frente, e os pantanais e igarapés da retaguarda.

Defronte da porta da Fortaleza está situada a matriz com frente para o rio entre a residência do reverendo vigário e do defunto índio o capitão Agostinho, o qual faleceu das sezões, que trouxe do Rio Uaupés. Esta não era a igreja no seu princípio; dentro da Fortaleza existia uma capela, que era da tropa de guarnição, e servia de matriz dos índios moradores: demoliu-se, quando se demoliu a Fortaleza antiga, e foi preciso erigir outra em seu lugar: erigiu, quando foi comandante, o alferes José Antônio Franco. (…)

Desenhou a Fortaleza no seu princípio, e executou parte do desenho o capitão engenheiro Filippe Sturm”. (Ferreira)

– Alfred Russel Wallace

“No dia seguinte (31 de janeiro de 1851), chegamos a Marabitanas, uma fortificação fronteiriça brasileira. Aí só restam atualmente os remanescentes de uma muralha de barro e um pequeno destacamento de soldados. Como o Comandante não se encontrava nesse local, paramos aí apenas o tempo suficiente para comprar algumas bananas. (…)

Como a corrente era fortíssima, viajamos muito rapidamente, tanto que percorremos em três dias uma distância que nos custou nove dias na ida, ou seja, de Tomo a Marabitanas. Nesta última, passei uma semana (abril de 1851) em companhia do Comandante local, o qual tinha feito esse convite quando nos encontramos pela primeira vez em Guia.

Minhas coleções não aumentaram grande coisa durante a estada em Marabitanas. Não havendo trilhas na floresta, não consegui apanhar insetos e quase não encontrei pássaros que valesse a pena abater. Trouxeram-me, contudo, alguns interessantes roedores de pelos artiformes, e um bonito passarinho que tem no corpo uma curiosa mancha branca, sendo por isso chamado ‘ciuci-uera’, que significa pássaro estrela. Esses pássaros são aparentados com os estorninhos e aparecem por aqui, em bandos, apenas uma vez por ano.

Os habitantes de Marabitanas são famosos pelas suas festas. Costuma-se dizer na região que eles passam a metade de suas vidas nas festas e a outra metade preparando-se para elas… Nessas ocasiões eles consomem enormes quantidades de aguardente destilada de cana ou de mandioca. Assisti a uma dessas festas enquanto aqui permaneci e constatei que de fato eles consumiram cerca de um barril dessa fortíssima bebida. Em todas as casas onde havia danças, três ou quatro pessoas ficavam andando pelos aposentos com uma garrafa e um copo, oferecendo bebida a todos que se encontravam. Ninguém pode recusar. E eles ali ficavam a noite toda. A gente praticamente não parava de beber, pois quando acabava de sorver um gole, lá vinha outro índio com sua garrafa, e começava tudo de novo. E a coisa continuava desse modo por dois ou três dias seguidos. Quando a festa termina, voltam todos para os seus sítios, mas aí já começam os preparativos para a próxima comemoração na qual será consumida a aguardente que em poucos dias já começará a ser armazenada.

Mais ou menos uma ou duas semanas antes de cada festa – que sempre coincide com um dia santo da Igreja Católica Romana – um grupo de dez ou doze moradores sai de canoa pelos arredores, visitando todos os sítios e aldeias indígenas situadas num raio de 50 a 100 milhas, levando consigo a imagem do santo a ser homenageado, diversas bandeiras e alguns instrumentos musicais. O grupo é bem recebido em cada casa por que passa. Os moradores fazem questão de beijar o santo e dar algum presente para sua comemoração. O presente pode ser um frango, ou alguns ovos, ou um cacho de bananas, ou até mesmo dinheiro. É comum reservarem animais ainda vivos para servirem de presente a um determinado santo. Aconteceu-me muitas vezes chegar a um sítio para comprar provisões e receber respostas como ‘aquele porco é o de São João’, ou ‘esses frangos pertencem ao Divino Espírito Santo’, etc

Depois de despedir-me do Comandante, Sr Tenente Felisberto Correia de Araújo, pelo qual fui tratado com a maior cortesia e hospitalidade, segui para Guia, onde cheguei no final de abril”. (Wallace)

– Major Boanerges Lopes de Sousa

Partimos de São Felipe no dia 23 (setembro de 1928), às 11h. Às 13h45min, passamos à margem esquerda pela foz do Içana, na madrugada do dia seguinte (24 de setembro de 1928) pela do Xié, às 13h pela do Dimiti, chegando, às 16h, a Marabitanas (São José), povoado à margem direita com 13 casas das quais só uma estava ocupada, pelo venezuelano Félix Martins, que nela reside há 2 anos com a sua família. Visitamos a antiga capela e o povoado cujas casas abandonadas só se abrem por ocasião das festas religiosas, para receberem os moradores da redondeza. Nosso operador José Louro, filmou o povoado e o local onde existiu o antigo Forte, que foi construído ao mesmo tempo que o de São Gabriel, de ordem do Governador do Pará. No dizer de Baena, ‘foi mal concebido e pior conservado’ Possui quatro baterias, de nome: São Luís, São Paulo, São Pedro e São Miguel. Era armado com 19 canhões de ferro”. (Sousa)

– Dr. José Cândido de Melo Carvalho

“Deixamos Cucuí às 09h12min da manhã. Levo comigo o Graciliano, meu companheiro desde Uaupés. A viagem de descida foi ótima. Ao passar por Marabitanas, mostraram-me o lugar do antigo Forte dos portugueses.

Aqui por perto deve ter existido o arraial de Avidá, onde o jesuíta Manoel Romão, superior das missões espanholas do Orinoco, aportou em 1744, trazido por Xavier de Morais. Foi ele o primeiro castelhano a penetrar nestas paragens, demonstrando grande surpresa por não ter encontrado aqui os gigantes que povoaram a região, conforme crença geral entre os índios e espanhóis da Venezuela”. (Carvalho)

Fontes:

BOANERGES, Lopes de Sousa – Do Rio Negro ao Orenoco – Brasil, Rio de Janeiro, 1959 – Ministério da Agricultura – Conselho Nacional de Proteção aos Índios.

CARVALHO, José Cândido de Melo – Notas de viagem ao Rio Negro – Brasil, São Paulo, 1983 – Edições GRD.

FERREIRA, Alexandre Rodrigues – Viagem Filosófica ao Rio Negro – Brasil, Pará, 1983 – Museu Paraense Emílio Goeldi.

WALLACE, Alfred Russel – Viagens pelos rios Amazonas e Negro – Brasil, São Paulo, 1979 – Editora da Universidade de São Paulo.

Solicito Publicação

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)

Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)

Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br

NOTA DO BLOG: Os artigos publicados na seção Amazônia Nossa Selva não necessariamente reflentem a opinão do Blog PLANO BRASIL, simplesmente por se tratarem de textos de autoria e responsabildades do autor.

2 Comentários

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