
O presidente Donald Trump levantou a possibilidade de reativar os encouraçados da classe Iowa durante discurso na Base do Corpo de Fuzileiros Navais de Quantico, em 30 de outubro de 2025. A declaração, feita diante de oficiais e militares, mencionou a robusta blindagem dos navios e o custo inferior dos projéteis de artilharia em comparação com mísseis modernos.
As observações do presidente reacenderam um debate recorrente na comunidade naval norte-americana sobre o papel dos encouraçados na era da guerra de mísseis e drones. A proposta de Trump se apoia na memória histórica da classe Iowa, composta por quatro unidades — Iowa, New Jersey, Missouri e Wisconsin — que serviram da Segunda Guerra Mundial até a Guerra do Golfo. Cada navio estava armado com nove canhões de 406 mm, capazes de disparar projéteis de mais de uma tonelada a até 40 km, além de sistemas de mísseis Tomahawk, Harpoon e Phalanx instalados durante as modernizações da década de 1980.
Desafios técnicos e logísticos
Atualmente, todos os quatro encouraçados são navios-museu abertos ao público. Uma eventual reativação exigiria obras extensas de restauração estrutural e atualização completa dos sistemas de propulsão, combate e eletrônicos. A propulsão a vapor dos Iowa demanda uma expertise industrial e técnica que não é mais comum na frota, e a munição de 406 mm não é fabricada há décadas, o que exigiria o redesenho de toda a cadeia de suprimentos.
Os sistemas de controle de fogo e direção de tiro também teriam de ser substituídos por versões compatíveis com a doutrina atual de combate em rede, incluindo integração com o sistema Aegis, radares multifuncionais modernos e enlaces de dados táticos. Além disso, seria necessária a instalação de defesas ativas contra mísseis antinavio e drones, como lasers de alta energia e sistemas de interferência eletrônica.
O custo estimado de uma modernização completa de um único casco, segundo análises de projetos comparáveis, poderia superar o valor de construção de um novo contratorpedeiro da classe Arleigh Burke Flight III, atualmente em torno de US$ 2 bilhões.
Comparação com contratorpedeiros modernos
A tripulação é outro fator relevante. Um Iowa exigia mais de 1.500 militares, enquanto um Arleigh Burke opera com cerca de 320 a 350 tripulantes. Em uma marinha que enfrenta dificuldades de recrutamento e busca reduzir custos operacionais, realocar tantos efetivos para uma única plataforma é considerado pouco viável.
Os Burke transportam entre 90 e 96 células de lançamento vertical (VLS), que podem acomodar mísseis terra-ar, antinavio e de ataque terrestre, oferecendo maior flexibilidade de emprego e alcance muito superior ao da artilharia naval tradicional. Em contraste, os canhões de 406 mm dos Iowa são eficazes apenas em curto e médio alcance, dentro de 40 km, distância na qual o navio ficaria vulnerável a mísseis antinavio modernos.
A Marinha dos EUA tem concentrado seus esforços na redistribuição da capacidade VLS, na integração de armas hipersônicas e na automação de sistemas. A classe Zumwalt, por exemplo, está sendo adaptada para transportar mísseis hipersônicos de ataque terrestre, enquanto os cruzadores da classe Ticonderoga estão sendo desativados gradualmente.

Mudança de paradigma naval
Especialistas em guerra naval observam que, embora a blindagem pesada ofereça proteção parcial contra impactos diretos, ela não é eficaz contra ameaças modernas que atacam de cima, como mísseis balísticos antinavio. Em cenários dominados por redes de sensores e fogos de longo alcance, a sobrevivência de grandes navios depende da capacidade de detecção precoce, dissimulação e defesa em camadas — e não apenas da espessura do aço.
Analistas também destacam que um encouraçado precisaria operar próximo à linha de frente para empregar seus canhões, expondo-se a salvas de mísseis lançadas a centenas de quilômetros. Adversários como a China, com seus cruzadores Tipo 055 equipados com mais de cem células VLS e integrados a uma densa rede de negação de acesso (A2/AD), ou a Rússia, com o cruzador nuclear modernizado Admiral Nakhimov, mantêm arsenais de longo alcance que reduziriam significativamente o valor tático de um encouraçado convencional.

O USS Iowa dispara uma rajada completa de nove canhões de 16 polegadas (406 mm)/calibre 50 e seis de 5 polegadas (127 mm)/calibre 38 durante um exercício de tiro.
Conceito moderno de “navio de arsenal blindado”
Apesar disso, alguns estudos acadêmicos e relatórios técnicos propõem um conceito evoluído de encouraçado, mais próximo de um “navio de arsenal blindado”. Essa plataforma hipotética teria entre 25.000 e 35.000 toneladas, propulsão elétrica integrada e blindagem concentrada nos compartimentos críticos.
O navio combinaria um ou dois canhões de 203 mm a 254 mm com projéteis guiados, capazes de atingir alvos entre 80 e 120 km, e entre 128 e 192 células VLS para mísseis de diferentes tipos. A defesa de ponto incluiria mísseis de curto alcance, dois ou três sistemas CIWS, lasers de 200 a 300 kW e um conjunto de contramedidas eletrônicas. A automação reduziria a tripulação para cerca de 350 a 500 pessoas, mantendo redundância e capacidade de absorção de danos.
Esse conceito, segundo especialistas, não substituiria os contratorpedeiros multifuncionais, mas atuaria como apoio de fogo sustentado em operações litorâneas, fornecendo uma base resistente e persistente para forças de superfície. Ainda assim, dependeria de forte escolta aérea e submarina e implicaria custos elevados de desenvolvimento e manutenção.
lançadores de mísseis Harpoon e um Phalanx CIWS no USS New Jersey
Considerações estratégicas
A proposta presidencial ocorre em meio a debates internos sobre a modernização da Marinha dos EUA e o equilíbrio entre o número de plataformas e a capacidade de fogos de longo alcance. O valor estratégico de reativar ou recriar um encouraçado dependeria, segundo analistas, de sua contribuição marginal em relação a investimentos em novos sensores AN/SPY-6, integração de armas hipersônicas e sistemas antidrones.
Até o momento, o Departamento de Defesa não comentou se há estudos formais em andamento sobre o tema. A declaração de Trump, contudo, reacendeu uma discussão simbólica sobre a era dos grandes navios de guerra e seu lugar em uma marinha voltada para o combate em rede e o domínio de informações.



