E.M.Pinto
A ascensão do capitão Ibrahim Traoré à liderança de Burkina Faso em 2022 não foi apenas mais um golpe militar em um país marcado pela instabilidade, ela na verdade representa um capítulo crítico na história contemporânea da África, onde questões como soberania, controle de recursos naturais e descolonização ressurgem com força.
Traoré posui uma trajetória marcada por golpes, ameaças e reformas ousadas e reflete tanto as fissuras de um sistema neocolonial quanto a resistência de um líder determinado a reescrever o destino de sua nação.
Burkina Faso, antiga colônia francesa, carrega o legado de décadas de exploração econômica e instabilidade política. Após a independência em 1960, o país viu líderes como Thomas Sankara (1983-1987) tentarem romper com a dependência externa, promovendo reformas socialistas e pan-africanistas.
Sankara, no entanto, foi assassinado em um golpe apoiado por interesses externos, um fantasma que ainda assombra o país. Desde 2015, Burkina Faso enfrenta uma insurgência jihadista ligada à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico, que deslocou 2 milhões de pessoas e matou milhares.
Nese teatro, a incapacidade do governo civil de Roch Kaboré (2015-2022) em conter a violência levou ao primeiro golpe militar em janeiro de 2022, liderado por Paul-Henri Damiba. Porém, Damiba também falhou em melhorar a segurança, pavimentando o caminho para Traoré
Nascido em 1988 em Kéra, Traoré formou-se em geologia antes de ingressar no exército em 2009. Sua carreira militar incluiu missões de paz da ONU no Mali, onde ganhou reputação por bravura contra ataques jihadistas. Promovido a capitão em 2020, tornou-se a voz de soldados frustrados com a corrupção e a falta de equipamentos.
Em 30 de setembro de 2022, Traoré liderou um segundo golpe, depondo Damiba. Aos 34 anos, tornou-se o mais jovem chefe de estado africano, justificando sua ação pela “degradação da segurança” e prometendo eleições em 2024. Suas primeiras medidas incluíram:
- Expulsão das tropas francesas (fevereiro de 2023), acusando a ex-metrópole de ingerência e falha no combate ao terrorismo.
- Parcerias com a Rússia, incluindo a reabertura da embaixada russa (2023) e possível colaboração com o Grupo Wagner, embora Traoré negue contratar mercenários.
- Controle de recursos minerais: Construção da primeira refinaria de ouro (2023) e suspensão de exportações ilegais para combater a evasão fiscal 2.
- Mobilização popular contra insurgentes, recrutando milícias civis (Voluntários para a Defesa da Pátria)
Traoré ganhou apoio interno de jovens e militares descontentes, que veem nele um líder pragmático. Sua retórica pan-africana e anti-imperialista ressoa em uma população cansada da influência francesa. Externamente, a Rússia emerge como principal aliado, oferecendo suporte militar e diplomático, enquanto a Turquia também aparece como parceira comercial.

Combatentes do JNIM em Burkina Faso.
Por seu lado, seus opositores incluem a França, que perdeu bases militares e contratos de mineração, a qual é também respaldada por apoiadores locais ligados aos acordos exploratórios com multinacionais, servidores do estado e elites econômicas. Porém, além dos agentes interventores internos e externos, os Grupos jihadistas, cuja presença se intensificou após a expulsão francesa, ganhrama espaço e representam uma ameça real e crescente à estabilidade da frágil nação conturbada por históricos de conflitos.
Tabela 1- Grupos e entidades russas que apoiam Traoré
Grupo/Entidade | Tipo | Atuação no Burkina Faso |
---|---|---|
Grupo Wagner (ou sucessores) | Paramilitar privado | Treinamento de tropas, segurança de minas, proteção presidencial (filmagens recentes confirmaram presença no país). |
AFRIC (African Initiative Center) | Think tank e diplomacia | Facilita contatos entre militares burquinenses e oficiais russos; promove discursos antiocidentais. |
Rosoboronexport | Estatal (armas) | Provável fornecedora de armamentos russos ao exército burquinense. |
Rússia oficial (via embaixada reaberta em 2023) | Diplomacia estatal | Parceria militar, energética e diplomática direta com o governo de Traoré. |
Tabela 2- Grupos e entidades turcas que apoiam Traoré
Grupo/Entidade | Tipo | Atuação no Burkina Faso |
---|---|---|
Baykar (fabricante do drone Bayraktar TB2) | Defesa (privada com laços estatais) | Negociações em andamento para fornecimento de drones e treinamento militar. |
TİKA (Agência Turca de Cooperação e Coordenação) | Cooperação internacional | Envolvimento em projetos agrícolas, de saúde e educação; “soft power” turco no país. |
Empresas do setor têxtil e construção | Comercial | Presença crescente em infraestrutura e comércio urbano. |
Turquia oficial (via Ministério das Relações Exteriores) | Diplomacia estatal | Acordos de cooperação técnica e comercial, apoio em fóruns internacionais. |
Tabela 3- Principais grupos jihadistas atuantes no Burkina Faso
Grupo Jihadista | Afiliação | Área de Atuação | Ano de Início | Características Principais |
---|---|---|---|---|
Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM) | Al-Qaeda (via AQMI) | Norte, centro e algumas áreas do oeste do país | 2017 | Coalizão regional; táticas de guerrilha; visa implementar a sharia; atua também no Mali. |
Estado Islâmico no Grande Saara (EIGS) | Estado Islâmico (ISIS) | Leste e sudeste, fronteiras com Níger e Mali | 2015 (no Mali), 2018 (no BF) | Extremamente violento; realiza massacres; disputa território com o JNIM. |
Ansarul Islam | Integrado ao JNIM | Província de Soum (norte do BF) | 2016 | Primeiro grupo jihadista nativo; discurso religioso radical; fundado por pregador local. |
Katiba Macina | Parte do JNIM | Regiões de fronteira sudoeste com Mali | 2015 (no Mali), 2018 (no BF) | Predominância fulani; aproveita tensões étnicas; liderado por Amadou Koufa. |
Sobrevivente de várias tentativas de assassinato (18 segundo o próprio Traoré) revelam as tensões as quais está submetido. Em 2023, um complô financiado com US$ 5 milhões foi desarticulado com ajuda da inteligência russa, indicando o envolvimento de atores externos.
Traoré defende uma “reconquista territorial” contra jihadistas, priorizando a segurança sobre a democracia. Adiou eleições indefinidamente, alegando que a instabilidade impede um processo justo, algo que começa a soar na comunidade internacional como um declínio à ditadura no país.
Suas propostas mais ousadas incluem a soberania econômica, com a retenção de recursos minerais, como ouro (4º maior produtor da África), para financiar desenvolvimento interno. Uma extensiva reforma agrária e industrialização, inspirada no modelo de Sankara e uma aliança com Mali e Guiné para formar um bloco regional antijihadista e antiocidental.
É certo que Ibrahim Traoré se tronou uma liderança inspiradora para os povos africanos devido aos seus ideais, histórico d elutas e conquistas, no entanto, seu governo enfrenta críticas por autoritarismo e pela persistência da violência que tem se intensificado com a crescente jihadista que combate e se expandinde em regiões antes controladas. Em 2024, Traoré estendeu seu mandato por cinco anos após consultas questionadas por boicote de partidos políticos.
Desta forma, Traoréé visto por alguns analistas como a contradição entre o ideal pan-africano e a realidade de um continente fragmentado. Seu governo, embora autoritário, desafia a ordem neocolonial ao buscar controle sobre recursos e alianças alternativas. As tentativas de assassinato e pressões externas reforçam os riscos de se opor a potências tradicionais.
Como Sankara, Traoré arrisca-se a ser vítima de sua própria ousadia. Porém, sua resistência até agora simboliza uma África que, mesmo assolada por crises, insiste em escrever sua própria história. Seu legado dependerá não apenas de sua capacidade de sobreviver, mas de transformar promessas em progresso tangível para os 21 milhões de burquinenses.
Fonte
- Burkina Faso: Ibrahim Traoré — Salvador ou ditador? The Africa Report,[Link]
- Africa Corps é um grupo Wagner renomeado?, Foreignpolicy,,[Link]
- Burkina Faso liberta quatro franceses após um ano de detenção, Associated Press (AP News), [Link]
- Quem é o soldado por trás do golpe militar em Burkina Faso, Veja, [Link]
- Burkina Faso: Traoré empossado como Presidente de transição, DW, [Link]
- Burkina Faso: Traoré empossado como Presidente de transição, DW, [Link]
- Capitão Ibrahim Traoré é nomeado oficialmente presidente de Burkina Faso, UOL,[Link]
- Capitão Ibrahim Traoré é nomeado oficialmente presidente de Burkina Faso, GZH,[Link]
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