E.M.Pinto & G. Dahma
China mais aberta, EUA isolados e UE enfraquecida
A guerra de tarifas entre Estados Unidos e China, intensificada em abril de 2025, não é apenas um conflito econômico, mas um divisor de águas na geopolítica global. De um lado, a China, sob Xi Jinping, defende o multilateralismo e a globalização, fortalecendo laços com África, América Latina e Europa.
Do outro, os EUA, liderados por Donald Trump, adotam um isolacionismo comercial, impondo tarifas agressivas para priorizar interesses domésticos. A União Europeia (UE), pressionada por essa disputa e pelo conflito indireto com a Rússia na Ucrânia, perde influência, aproximando-se da China por necessidade.
Esse cenário, que fragmenta a multipolaridade atual, evoca paralelos históricos, como a crise econômica dos anos 1930 e a Guerra Fria, quando decisões comerciais redefiniram o equilíbrio global. Assim, a guerra tarifária de 2025 pode estar moldando uma nova ordem mundial, com zonas de influência lideradas por grandes potências.
O isolacionismo americano e os ecos da Lei Hawley-Smoot
A política protecionista de Trump, marcada por decretos que elevam tarifas e restringem o comércio, remete à Lei Hawley-Smoot de 1930, quando os EUA aumentaram tarifas sobre importações em meio à Grande Depressão. A medida, destinada a proteger a economia interna, agravou a crise global, reduzindo o comércio internacional em cerca de 66% entre 1929 e 1934, segundo estudos do economista Barry Eichengreen.
Países retaliaram com tarifas próprias, isolando os EUA e aprofundando tensões que culminaram na Segunda Guerra Mundial. Hoje, as tarifas de Trump, aplicadas desde dezembro de 2024, já provocam instabilidade nos mercados, com quedas de 5% em índices como o S&P 500 na semana de 7 a 11 de abril, conforme relatórios da Bloomberg.
Para Gustavo Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM, essa estratégia visa reequilibrar o poder global sem guerras, mas, como na década de 1930, arrisca isolar Washington. A revista The Economist (fevereiro de 2025) compara a abordagem de Trump a uma lógica “mafiosa”, sugerindo que grandes potências imporão acordos unilaterais, marginalizando nações menores, assim como ocorreu no período entreguerras.
A ascensão chinesa e a memória da Rota da Seda
Enquanto os EUA se retraem, a China se projeta como defensora da globalização, uma postura que lembra iniciativas históricas como a Rota da Seda, que conectou Ásia, África e Europa por séculos. Xi Jinping, em discurso no dia 11 de abril, pediu resistência ao unilateralismo, ecoando a Iniciativa Cinturão e Rota, lançada em 2013, que já investiu mais de US$ 1 trilhão em infraestrutura global, segundo o Banco Mundial.
Em 2025, Pequim intensifica parcerias, como a conversa entre o ministro do Comércio chinês e o vice-presidente brasileiro Geraldo Alckmin, focada em fortalecer a Organização Mundial do Comércio (OMC). Esse movimento reflete a estratégia chinesa de preencher vácuos deixados pelos EUA, semelhante à expansão britânica no século XIX, quando Londres dominou o comércio global ao integrar mercados coloniais.
Contudo, diferentemente do imperialismo britânico, a China aposta em soft power, oferecendo investimentos sem exigir alinhamento ideológico. Para Uebel, essa abordagem é vital para sustentar a economia chinesa, que depende de exportações (US$ 3,4 trilhões em 2024, segundo a OMC), mas também posiciona Pequim como líder de uma nova ordem global.
A UE enfraquecida e os paralelos do pós-1918
A UE, pressionada pelas tarifas americanas e pela guerra na Ucrânia, enfrenta um declínio de influência que lembra a Europa fragmentada após a Primeira Guerra Mundial. Na década de 1920, a incapacidade de nações europeias de coordenarem respostas à crise econômica abriu espaço para a ascensão de potências extraeuropeias, como os EUA. Hoje, a UE, que representa 16% do PIB global (FMI, 2024), vê sua autonomia geopolítica erodida.
A reunião de Xi Jinping com o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez, em 11 de abril, sinaliza uma aproximação forçada com a China, já que as tarifas de Trump podem custar à UE até €400 bilhões em exportações, conforme estimativas da Comissão Europeia. Uebel argumenta que a UE, pela primeira vez, não dita as regras globais, uma inversão histórica que ecoa o Tratado de Versalhes (1919), quando a Europa perdeu protagonismo para os EUA. A diferença é que, agora, a China emerge como principal beneficiária, capitalizando a desunião europeia para expandir sua influência.
Fragmentação global e a sombra da Guerra Fria
A tensão entre EUA, China e Rússia sugere a formação de três esferas de influência, um cenário que remete à bipolaridade da Guerra Fria (1947-1991), mas com maior complexidade. Durante a Guerra Fria, o mundo se dividiu entre o bloco capitalista (EUA) e o socialista (URSS), com nações não alinhadas buscando espaço.
Hoje, a multipolaridade cede lugar a uma fragmentação mais fluida, com a Rússia de Putin desafiando o Ocidente na Ucrânia, enquanto China e EUA disputam mercados. Dados da ONU mostram que, em 2024, os BRICS, liderados por China e Rússia, responderam por 32% do comércio global, superando os 30% do G7.
Para Uebel, essa divisão pode consolidar uma nova ordem a longo prazo, com zonas de influência distintas, semelhante à partilha do mundo pós-Yalta (1945), mas sem a rigidez ideológica de outrora. A guerra tarifária, nesse contexto, é um catalisador, acelerando a redistribuição do poder.
Uma nova ordem em construção
A guerra de tarifas de 2025 não é um evento isolado, mas um marco na redefinição da geopolítica, com paralelos em crises passadas que moldaram o mundo. Assim como a Lei Hawley-Smoot aprofundou a instabilidade global nos anos 1930, as tarifas de Trump isolam os EUA, enquanto a China, evocando a conectividade da Rota da Seda, consolida alianças. A UE, como a Europa pós-1918, luta para manter relevância, e a fragmentação atual lembra a divisão da Guerra Fria, mas com novos atores. Para o Brasil e outras nações emergentes, o desafio é manter autonomia em um mundo polarizado.
Dados do FMI indicam que o comércio global pode encolher 7% em 2025 devido às tarifas, forçando países a escolherem lados ou buscarem alternativas, como os BRICS. Assim, a guerra tarifária não apenas redesenha o mapa econômico, mas sinaliza o fim da ordem pós-1945, dando lugar a um sistema liderado por potências regionais, onde o poder bruto prevalecerá sobre o multilateralismo.
Referências:
- China mais aberta, EUA isolados e UE enfraquecida: como a guerra de tarifas deve mudar a geopolítica e criar uma nova ordem global (Belchior, Luisa, [link]
- Golden Fetters: The Gold Standard and the Great Depression (Eichengreen, Barry, [link]
- Relatório sobre a Iniciativa Cinturão e Rota (Banco Mundial, [link]
- World Economic Outlook, 2024 (FMI, [link]
- World Trade Statistical Review, 2024 (OMC, futureoftrade, [link]
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”Na quarta-feira [16/04], o NYT informou que o presidente dos EUA, Donald Trump, e seu governo estão pesando penalidades que impediriam a DeepSeek de comprar tecnologias americanas e estão debatendo a proibição de usuários dos EUA de acessar a IA chinesa.”
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O governo e repartições públicas já tinham bloqueado o DeepSeek desde o principio, agora, após o DeepSeek ser disponibilizado gratuitamente e tornar-se rapidamente o aplicativo mais baixado nas lojas da Apple e do Google, pretendem estender a proibição para toda a população…